Inefabilidade

Aquilo que não pode ser descrito através da linguagem

A característica da inefabilidade (do latim, ineffabile[1]) está associada a qualquer tipo de objecto, entidade ou fenómeno sobre o qual nada pode ser dito em linguagem humana. Em geral, o termo "inefável" pode ser utilizado para caracterizar sensações, sentimentos, conceitos, aspectos da realidade ou entidades que, pela sua natureza ou grandeza, não podem, ou não devem, ser transmitidos ou descritos pela linguagem humana, embora possam ser conhecidos de forma interior pelos indivíduos.

No contexto dos mistérios gregos, o termo arrheton (ἄρρητον) era o equivalente de inefável, referindo-se a experiências inexprimíveis.[2][1]

Religião e filosofia editar

Nas Upanishads indianas, a realidade absoluta ou Brahman é considerada como impensável, ou seja, estaria além dos conceitos.[3]

Devido à dúvida de dizer a verdade, conta-se que o filósofo Crátilo não corria o risco de falar, mas apenas apontava para as coisas. Para Parmênides, do Não-ser não se diz (οὐ φατόν), ou, conforme Platão relata o ponto de vista parmenidiano, é "inefável e inexpressável" (ἄρρητον καὶ ἄφθεγκτον). Platão afirma que algo para além das palavras determina a verdade, e que o objeto maior do conhecimento não pode ser expresso por palavras, comparado aos outros objetos de conhecimento.[1]

Plotino postula que o Um não pode ser dito, restando uma "fala silenciosa" (λόγος σιωπῶν). Para Pseudo-Dionísio, o Areopagita, em sua teologia apofática, a causa de todas as coisas está para além de toda linguagem e do intelecto e exige silêncio; por transcender toda comunicabilidade, é chamada de "superinefável" (ὑπεραρρήτως, hyperarrhétos).[1]

No judaísmo, o Tetragrama YHWH foi considerado por vezes impronunciável. Entre os séculos I a.C. e III, observava-se na diáspora judaica uma tradição de proibição de se nomear a Deus, conforme uma tradução grega do Levítico 24:16 quanto a blasfemar Seu nome.[4] Outra passagem que pode ter contribuído a isso é Amós 6:10.[5][6] Também se associa ao mandamento de não pronunciar o nome de Deus em vão.[5] O Talmude Babilônico afirma que Antíoco IV Epifanes, nos decretos antitalmúdicos, proibiu que o nome de Elohim fosse falado em voz alta. Após Judas Macabeu, apenas os saduceus defendiam e exigiam o nome de Deus em contratos;[6] os essênios eram contra qualquer vocalização dele, conforme estabelece uma proibição nos textos de Qumran.[5][6] Na literatura apócrifa e pseudepígrafa, os Apocalipses de Sofonias e de Abraão chamam Deus de "inefável", e nas Vidas dos Profetas Jeremias diz que o Nome de Deus foi escondido e ninguém poderia lê-lo. O Eclesiástico 50 é a única referência clara de que o Tetragrama era pronunciado em algumas ocasiões no templo pelo Sumo Sacerdote, pelo menos até 200 a.C.[5] Na Mixná, o rabino Aba Saul afirmou que "aquele que pronuncia o nome conforme escrito" não teria sua porção no mundo vindouro". Na literatura rabínica, porém, nem sempre os relatos concordam com essa proibição.[6] Na literatura Heikalot e Merkavá, o Nome Inefável (Shem ha-Meforash) era pronunciável pelos anjos e utilizado em teurgia para a ascensão mística ou para a proteção contra demônios.[7][8] Em targuns e midraxes, encontram-se designações substitutivas do Nome Maior de Deus, por vezes sendo chamado "o nome impronunciável". Antes do final do século II o Tetragrama passou gradualmente a receber mais reverência.[4] Para Fílon de Alexandria, Deus era sem nome; em uma passagem, ele afirma que os puros podem ouvir e falar o nome de Deus em locais sagrados, e que a ofensa era dizê-lo em momento errado e em vão.[5] Diversas discussões entre os judeus e cristãos se seguiram sobre motivos de o Tetragrama ser inefável.[9][10]

Tomás Galo considera os atributos de Deus inefáveis e usa analogias sensórias para a experiência de sentir Deus: tal como as sensações de gosto, cheiro ou tato não podem ser comunicadas verbalmente, para ele a visão beatífica de Deus é inefável.[11][12]

Na filosofia contemporânea, Vladimir Jankélévitch (1903–1985), filósofo francês de ascendência russa, explorou o tema da inefabilidade, insistindo sobre o carácter inefável de muitas das coisas mais essenciais para os seres humanos: a poesia, a música, o amor, a liberdade, etc. Por esse motivo, desenvolveu uma estética e uma metafísica do inefável.

O tema da inefabilidade é também abordado pela filosofia da mente, ao abordar a questão dos qualia.

Ver também editar

Referências editar

  1. a b c d Kreuzer, Johann. «Unsagbare, das». In Ritter, Johann; Gründer, Karlfried; Gabriel, Gottfried. Historisches Wörterbuch der Philosophie online. Schwabe Online.
  2. Stein, Charles (2016). «Ancient Mysteries». In: Magee, Glenn Alexander. The Cambridge Handbook of Western Mysticism and Esotericism. [S.l.]: Cambridge University Press
  3. MARTINS, Roberto de Andrade. O indizível no pensamento indiano: a sabedoria que ultrapassa os conceitos. Pp. 85-102, in: SANTOS, João Marcos Leitão (org.). Religião, a herança das crenças e as diversidades de crer. Campina Grande: Editora da Universidade Federal de Campina Grande, 2013.
  4. a b Massey, Isabel Ann (1991). Interpreting the Sermon on the Mount in the Light of Jewish Tradition as Evidenced in the Palestinian Targums of the Pentateuch: Selected Themes (em inglês). [S.l.]: Edwin Mellen Press 
  5. a b c d e McDonough, Sean (13 de junho de 2011). YHWH at Patmos: Rev. 1:4 in Its Hellenistic and Early Jewish Setting (em inglês). [S.l.]: Wipf and Stock Publishers 
  6. a b c d Case, Andrew (2022). Pronouncing & Translating the Divine Name יהוה. History & Practice.
  7. Bloom, Maureen (7 de agosto de 2007). Jewish Mysticism and Magic: An Anthropological Perspective (em inglês). [S.l.]: Routledge 
  8. Chernus, Ira (19 de fevereiro de 2018). Mysticism in Rabbinic Judaism: Studies in the History of Midrash (em inglês). [S.l.]: Walter de Gruyter GmbH & Co KG 
  9. Miller, Michael T. (16 de outubro de 2015). The Name of God in Jewish Thought: A Philosophical Analysis of Mystical Traditions from Apocalyptic to Kabbalah (em inglês). [S.l.]: Routledge 
  10. Wilkinson, Robert J. (4 de fevereiro de 2015). Tetragrammaton: Western Christians and the Hebrew Name of God: From the Beginnings to the Seventeenth Century (em inglês). [S.l.]: BRILL 
  11. Lawell, Declan (25 de fevereiro de 2022). «Thomas Gallus: Affective Dionysianism». In: Edwards, Mark; Pallis, Dimitrios; Steiris, Georgios. The Oxford Handbook of Dionysius the Areopagite (em inglês). [S.l.]: Oxford University Press 
  12. Coolman, Boyd Taylor (outubro de 2008). «The Medieval Affective Dionysian Tradition». Modern Theology. 24 (4): 615–632. ISSN 0266-7177. doi:10.1111/j.1468-0025.2008.00489.x 


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