Instituto de Educação General Flores da Cunha
O Instituto de Educação General Flores da Cunha é uma escola pública brasileira situada em Porto Alegre, nomeado em homenagem ao general e governador do Rio Grande do Sul, José Antônio Flores da Cunha.

É o mais antigo estabelecimento de ensino secundário e de formação de professores do estado.[1] Fundado em 1869 e desde 1937 em sua atual sede, desempenhou um papel central na educação no Rio Grande do Sul, mas o prédio, que é tombado pela Prefeitura e pelo IPHAE, foi negligenciado, e desde 2016 está fechado para reformas, que foram paralisadas várias vezes. O governo apresentou em 2022 um novo projeto para seu funcionamento e pretende transformar o prédio histórico em um centro cultural, em parte gerenciado pela iniciativa privada, despertando o protesto dos professores, alunos, comunidade e uma série de organizações civis.
História editar
Foi criado como Escola Normal da Província em 5 de março de 1869, sendo instalada a 1º de maio do mesmo ano, objetivando a formação de um quadro docente para o ensino primário. Seu primeiro diretor foi o Padre Cacique.[2] Inicialmente a Escola funcionou em apenas duas peças de um sobrado localizado onde hoje está a Biblioteca Pública. A Escola recebeu uma sede nova em 1872.[3] O funcionamento da Escola Normal não foi muito tranquilo, sendo envolvida em ácidas disputas políticas e sendo alvo de frequentes ataques na imprensa, que condenavam a influência do clero conservador e obscurantista no ensino e o mau preparo dos mestres e questionavam a eficácia dos seus métodos e doutrinas.[4][5]
Depois das reformas estruturais da educação decretadas por Júlio de Castilhos em 1897, em 1901 foi transformada em Colégio Distrital de Porto Alegre, e em 1906 outro decreto a tornava Escola Complementar.[6] Em 1909 mudou-se para um prédio construído especialmente para a Escola, situado na esquina da Rua da Igreja com a Rua de Bragança, contando com um museu com coleções de pássaros, insetos e aracnídeos, e laboratórios de Física, Química e Ciências Naturais.[5]
Em 1930 foi determinada a construção de uma sede nova na sua localização atual, na Avenida Osvaldo Aranha, projetada por Fernando Corona e construída a partir de 1934 pela firma Azevedo, Moura & Gertum. Antes de ser terminada abrigou a seção cultural da Exposição do Centenário Farroupilha, em 1935. As obras foram completadas com muita rapidez em 1936 e a Escola passou a funcionar em 18 de março de 1937.[3] Um decreto de 9 de janeiro de 1939 conferiu-lhe a presente denominação.[6] Então sob a direção de Florinda Tubino Sampaio, as atividades docentes tiveram um novo impulso, introduziu diversas reformas nos métodos de ensino, acompanhando a renovação educativa que ia ocorrendo no Brasil, além de reorganizar os laboratórios de Química, Física e História Natural. Segundo Ana Cristina Beiser, "o processo revolucionário de 1930, a partir de seu discurso modernizador, havia possibilitado a criação de um espaço político para o desenvolvimento de ideias progressistas no setor educacional: laicização, coeducação e reivindicações pela ampliação da rede pública de ensino". Neste momento, a escola funcionava como "um centro educacional gerador de novas ideias e reflexões sobre os rumos da educação, desempenhando um papel relevante na condução da política educacional do Estado Novo no Rio Grande do Sul".[7]
O Instituto teve e tem uma importante participação no universo educacional gaúcho e porto-alegrense. Diversas personalidades gaúchas frequentaram suas aulas, e ali foi o primeiro local no estado onde foram introduzidas metodologias pedagógicas e de formação de professores que tiravam partido das novas pesquisas em psicologia no início do século XX, inovações posteriormente irradiadas para outros estabelecimentos, num processo que teve destacada participação feminina "em uma época onde as mulheres eram relegadas a um papel secundário e a profissão de professora vista como complemento da maternidade".[8]
O prédio foi tombado pelo município em 1997 junto com todo o Parque Farroupilha e pelo IPHAE em 2006.[3] Sua fachada, de dois pavimentos, é desenhada seguindo uma inspiração neoclássica austera e simplificada, destacando-se as imponentes colunas jônicas no pórtico de entrada e as pilastras de mesma linha nos blocos em projeção nas extremidades. Além do prédio principal de 3.310 m², o conjunto tem ainda um pavilhão de esportes de 753 m², um prédio separado para um jardim de infância, com 500 m², e uma pérgula de 74 m².[3] No seu saguão existem três grandes e importantes pinturas a óleo, que estão entre as cinco maiores do país: Garibaldi e A Esquadra Farroupilha (1919), de Lucílio de Albuquerque, e A Tomada da Ponte da Azenha (1922) e Chegada dos Casais Açorianos (1923), ambas de Augusto Luiz de Freitas.[9]
Fechamento editar
Em 2016 o Instituto fechou suas portas devido à decadência do prédio histórico, com infiltrações, desabamento de partes do forro, equipamentos e espaços obsoletos ou estragados, além de atrasar salários de funcionários e pagamentos de fornecedores. Sofria, também, assaltos e vandalismo com frequência. Em 2007 haviam sido liberados 273 mil reais para reforma na rede elétrica e recuperação dos ginásios interditados, mas a decadência continuou. Um projeto de restauro foi organizado em 2014 mas obras foram paralisadas em 2017. Foi feita outra licitação e novamente as obras pararam em 2019.[3][10][1]
Alunos, professores e amigos já expressaram muitas vezes na imprensa, abaixo-assinados e nas redes sociais sua inconformidade com o sucateamento de uma instituição de tão longa e rica história e tão importante para o ensino estadual, sem conseguirem respostas satisfatórias do governo, que decidiu por uma reorganização geral do espaço, o que gerou novos protestos.[11][12][13][14] Em janeiro de 2022 o governo prometeu retomar as obras de restauro, destinando 23,4 milhões de reais, mas de acordo com o novo projeto o prédio vai abrigar também o Centro de Desenvolvimento dos Profissionais da Educação, o Centro Gaúcho de Educação Mediada por Tecnologias e o Museu Escola do Amanhã. Disse o governador Leite que "o objetivo é fazer do Instituto de Educação um complexo referência em formação de docentes e um espaço que aproxime as pessoas das novas formas de conhecimento, além de preparar professores e alunos para os desafios e exigências da nova economia, pautada na inovação".[15] O museu é privado e o centro de desenvolvimento vai ser administrado pela iniciativa privada por meio de uma organização social.[13]
Os professores e alunos do Instituto criticaram o projeto como megalomaníaco e organizado sem nenhum diálogo, que desvirtua o perfil da instituição e até mesmo o caráter do projeto de restauro que havia sido elaborado: "Descaso, desrespeito, desvalorização, indignação e abandono. Esses são os sentimentos de toda a comunidade". Para Maria da Graça Ghiggi, membro da Comissão do Restauro, o governador "deu um novo destino para a escola como se aqui estivesse abandonado, sem projeto nenhum. Vai descaracterizar o projeto que a gente fez, teria que fazer um novo projeto". Ela disse ainda que a secretária de Educação sequer sabia que ali funcionava um colégio. Luciana Assis Brasil, presidente do Circulo de Pais e Mestres, disse que "ficamos desgastados, porque estamos nessa luta um bom tempo. Primeiro era pela reforma que o prédio que estava precisando, precisava de um restauro. Nos fizeram uma promessa de 18 meses. E isso nunca aconteceu, a gente nunca mais voltou e agora vem a notícia que o prédio pode ter outro fim. E a comunidade escolar é completamente ignorada, desprezada e não querem nem saber de conversar conosco".[11] Amarildo Cenci, representante do Movimento em Defesa do Instituto de Educação, lamentou que "a lógica do atual governo é de desmonte, desvalorização das carreiras e sucateamento dos prédios para que a sociedade se convença de que não é possível ter uma escola pública de qualidade, oferecendo os espaços para o setor privado".[13]
Em junho de 2022 os alunos, instalados provisoriamente em outro local, passaram três semanas às escuras pelo furto de cabos elétricos.[16] Em agosto de 2022 foi instalada uma Frente Parlamentar em Defesa do Instituto de Educação, a fim de garantir sua manutenção integral como escola pública, tendo apoio da Associação dos Ex-alunos do Instituto, do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do estado, da Associação dos Orientadores Educacionais do estado, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, da União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas, da União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre, dos grêmios estudantis dos Colégios Paula Soares e Protásio Alves, do Círculo de Pais e Mestres do Instituto e outras organizações.[13]
Ver também editar
Referências
- ↑ a b "Fechado desde 2016, Instituto de Educação Flores da Cunha é a mais antiga escola de formação de professores do RS". Zero Hora, 20/01/2020
- ↑ Venturin, Teresinha. "Processo de institucionalização da formação da mulher no século XIX". In: Veritas, 1997; 42 (2): 217-222
- ↑ a b c d e "Instituto de Educação Flores da Cunha". IPHAE
- ↑ Corsetti, Berenice. "O pensamento social e educacional no Rio Grande do Sul da Primeira República". In: Anais do IV Congresso Brasileiro de História da Educação. Goiânia, 2006
- ↑ a b Gonçalves, Dilza Porto. "A instrução pública e a Escola Normal nos debates político-partidários em Porto Alegre/RS (1869-1889)". In: XXVII Simpósio Nacional de História da ANPUH: conhecimento histórico e diálogo social. Natal, 22-26/07/2013
- ↑ a b Franco, Sérgio da Costa. Guia Histórico de Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2006, p. 175
- ↑ Beiser, Ana Cristina Pires. Educação e educadores em Porto Alegre: um estudo de caso. Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1997, pp. 68; 84
- ↑ Lhullier, Cristina & Gomes, William B. "Psicologia na Escola Normal". In Gomes, William B. (org.) Psicologia no Estado do Rio Grande do Sul. Museu PSI, 2006
- ↑ "SOS Arte IE". Associação dos Ex-Alunos do Instituto de Educação General Flores da Cunha, 13/02/2008
- ↑ «Secretário das Obras providencia reforma no Instituto de Educação». Consultado em 13 de fevereiro de 2008. Arquivado do original em 22 de junho de 2007
- ↑ a b "Comunidade do Instituto de Educação General Flores da Cunha resiste para manter sua história viva". CPERS, 28/10/2021
- ↑ "Protesto pede manutenção do Instituto de Educação como escola". Jornal do Comércio, 29/10/2022
- ↑ a b c d Rodrigues, Letícia. "Instalada a Frente Parlamentar em Defesa do Instituto de Educação General Flores da Cunha". Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 24/08/2022
- ↑ Menna Barreto, Marcelo. "Movimento não aceita transformação do Instituto de Educação em centro cultural". Jornal Extra-Classe, 11/01/2022
- ↑ "Restauro do Instituto de Educação Flores da Cunha será retomado na próxima semana". Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 21/01/2022
- ↑ "Sem luz por furto de cabos, alunos do Instituto de Educação têm aula às escuras em Porto Alegre". Correio do Povo, 23/06/2022