Neoclassicismo
O neoclassicismo foi um movimento cultural nascido na Europa Ocidental em meados do século XVIII, que teve larga influência na arte e cultura de todo o ocidente até meados do século XIX. Teve como base os ideais do iluminismo e um renovado interesse pela cultura da Antiguidade Clássica, advogando os princípios da moderação, equilíbrio e idealismo como uma reação contra os excessos decorativistas e dramáticos do Barroco.

por Jacques-Louis David, 1784, Museu do Louvre
Contexto e caracterização geral
editarOs primeiros sinais do neoclassicismo se fazem notar em vários pontos da Europa nas primeiras décadas do século XVIII, embora desde já se deva advertir que a cronologia dos estilos é sempre muito polêmica, e seus limites, muito imprecisos. O neoclassicismo, como o nome indica, foi um movimento cultural revivalista, que voltou-se para a Antiguidade Clássica — a Grécia e a Roma Antigas — como a principal referência estética e modelo de vida. Considerava-se há muito tempo que a tradição clássica — onde se incluía a cultura renascentista, também um revivalismo classicista — era imbuída de grande autoridade moral e estética, e por isso era um modelo ideal. De fato, a "volta aos clássicos" é um fenômeno recorrente na história da cultura do ocidente.[1][2][3][4][5]
Uma série de fatores se conjugaram para que em meados do século XVIII houvesse nascido uma nova corrente classicista, nítida e influente, centralizada em Roma, convivendo com e combatendo as últimas manifestações do Barroco e do Rococó. Dois fatores foram principais: em primeiro lugar, o esgotamento da fórmula barroca e a condenação do que se viu nela como excessos, peso, decorativismo fútil, falta de decoro e irregularidade, acompanhado por um crescente interesse pela Antiguidade clássica de modo geral, com seus valores de racionalismo, modéstia, equilíbrio, harmonia, simplicidade formal, idealismo e desapego do luxo. Em segundo, o neoclassicismo está intimamente ligado ao declínio da influência da religião e à ascensão dos ideais do iluminismo, que tinham base no racionalismo, combatiam as superstições e dogmas religiosos, e enfatizavam o aperfeiçoamento pessoal e o progresso social dentro de uma forte moldura ética. Os valores clássicos permaneceram uma forte referência nas academias de arte e de ciências mesmo durante o Barroco, o estilo anticlássico por excelência.[1][2][6][7][8][9][5]
Também foi inestimável a contribuição de acadêmicos e antiquários como Robert Wood, John Bouverie, James Stuart, Robert Adam, Giovanni Battista Borra e James Dawkins, que publicaram a partir do século XVIII vários relatos detalhados e ilustrados de expedições arqueológicas, sendo especialmente influentes o tratado de Bernard de Montfaucon, L'Antiquite expliquée et representée en figures (1719-24), fartamente ilustrado e com textos paralelos em línguas modernas, não apenas no latim como era o costume acadêmico, e o do Conde de Caylus, Recueil d'antiquités (1752-67), o primeiro a tentar agrupar as obras de arte da Antiguidade clássica segundo critérios de estilo e não de gênero, abordando também as antiguidades celtas, egípcias e etruscas.[1][2][10] Os escritos de Johann Joachim Winckelmann - um erudito alemão de grande influência entre os intelectuais italianos e alemães, incluindo Goethe, e muitas vezes considerado o principal mentor teórico do movimento - enalteceram ainda mais a arte grega, e vendo nela uma "nobre simplicidade e tranquila grandeza", apelou para que todos os artistas a imitassem, restaurando uma arte idealista que deveria ser despida de toda transitoriedade, aproximando-se do caráter do arquétipo. Seu apelo gerou sonora resposta. A história, literatura e mitologia antigas voltavam a ser a fonte principal de inspiração para os artistas, ao mesmo tempo em que eram reavaliadas outras culturas e estilos antigos como o gótico e as tradições folclóricas do norte europeu, produzindo uma heterogeneidade de tendências que tornam o estudo deste período por vezes bastante árduo.[11][10]
Acrescente-se a isso a descoberta de Herculano e Pompeia, duas antigas cidades romanas soterradas por uma erupção do Vesúvio, uma grande surpresa para os conhecedores e o público, tornando-se logo uma parada obrigatória no Grand Tour europeu e local de pesquisa para artistas e antiquários. Embora as escavações que começaram a ser realizadas nas ruínas em 1738 e 1748 não tenham encontrado grandes obras-primas, trouxeram para a luz uma quantidade de relíquias e artefatos que revelavam aspectos do cotidiano romano até então desconhecidos. Seguiram-se outras pesquisas sistemáticas da arte e cultura antiga, formaram-se importantes coleções públicas e privadas de arte e artefatos antigos e o "estilo grego" se tornava cada vez mais um favorito para os decoradores, estilistas de moda e arquitetos. Esses fatores contribuíram de forma importante para a educação de um maior público e para um alargamento da sua visão sobre o passado, estimulando uma nova paixão por tudo o que fosse antigo.[11][2][10]
Apesar de a arte clássica ser apreciada desde muito antes, segundo Cybele Gontar era-o de forma circunstancial e empírica, mas agora o apreço se construía sobre bases mais científicas, sistemáticas e racionais. Com essas descobertas arqueológicas e estudos teóricos tornou-se possível formar pela primeira vez uma cronologia da cultura e da arte dos gregos e romanos, distinguindo o que era próprio de uns e de outros, e fazendo nascer um interesse pela tradição puramente grega que havia sido ofuscada pela herança romana, ainda mais porque na época a Grécia estava sob domínio turco e por isso, na prática, era pouco acessível para os estudiosos e turistas do Ocidente cristão.[11][10]
O movimento teve também conotações políticas, já que a origem da inspiração neoclássica era a cultura grega e sua democracia, e a romana com sua república, com os valores associados de honra, dever, heroísmo, civismo e patriotismo. Como consequência, o estilo neoclássico foi adotado pelo governo revolucionário francês como arma ideológica contra o "luxo imoral" e a "afetação decadente" das elites, tipificadas na galante e hedonista arte Rococó, pondo de lado a "nobre simplicidade e tranquila grandeza" de Winckelmann e assumindo ares mais agressivos, dinâmicos, dramáticos e nitidamente propagandísticos, convocando a sociedade à mudança.[11][12] Teve o pintor Jacques-Louis David como seu campeão e assumiu os nomes sucessivos de estilo Diretório, estilo Convenção e mais tarde, sob Napoleão Bonaparte, estilo Império, influenciando outros países. Nos Estados Unidos, no tumultuado processo de conquista de sua própria independência, e inspirados no modelo da Roma republicana, o neoclassicismo se tornou um padrão patrocinado pelo governo, sendo conhecido como Estilo Federal. Entretanto, desde logo o neoclassicismo se tornou também um estilo cortesão, e em virtude de suas associações com o glorioso passado clássico, foi usado pelos monarcas e príncipes como veículo de propaganda para suas personalidades e feitos.[11][13][10]
O neoclassicismo conheceu seu ponto mais alto entre meados do século XVIII e as décadas iniciais do século XIX, quando Winckelmann fazia grande propaganda da cultura antiga e nas artes brilhavam Goethe, David, Haydn, Mozart e Canova, além de muitos outros. É uma das características deste período a coexistência do neoclassicismo com um outro movimento cultural também de larga influência: o romantismo. Ambos foram em muitos pontos estilos antitéticos, pois o romantismo tendia a enfatizar o drama, o movimento, a visão individual, o irracional, o misticismo e a emoção, mas por outro lado, não era inteiramente avesso à referência clássica nem ao idealismo, tendo nascido também sob influência do iluminismo. Muitas vezes será difícil distingui-los. Ao longo do século XIX ambas as escolas viriam a dialogar e se fundir cada vez mais, gerando o academicismo eclético, prosaico e sentimental do fim do século. No início do século XX o neoclassicismo - bem como o romantismo - havia sido suplantado pela estética modernista, embora continuasse a gerar frutos em algumas regiões.[14][13][15][16][10][12] Na década de 1980, cultivada pelos pós-modernos, uma forma atualizada de classicismo apareceu em cena com algum ímpeto, manifestando-se em várias formas de arte.[17]
Literatura
editarOs textos empregam linguagem clara, sintética, gramaticalmente correta e nobre. A forma liberta-se um pouco do rigor do classicismo anterior. A principal expressão do movimento na literatura é o arcadismo, manifestado na Itália, em Portugal e no Brasil.
Na França, os novos ideais iluministas são a base dos textos. Os principais autores são Montesquieu (1689-1755) e Voltaire (1694-1778). O primeiro é autor, entre outras, da obra Do Espírito das Leis. Voltaire experimenta vários gêneros: tragédia (A Morte de César), poesia (Discurso sobre o Homem), contos fantásticos (Zadig) e romance de fundo moral (Cândido, ou O Otimismo). No final do século, uma visão crítica da aristocracia é dada por Choderlos de Laclos (1741-1803), em As Relações Perigosas, e pelos romances eróticos do Marquês de Sade (1740-1814) e de Restif de la Bretonne (1734-1806). Na Inglaterra destacam-se Robinson Crusoe, de Daniel Defoe (1660-1731), e As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift (1667-1745).
A sua principal expressão na literatura, o arcadismo, foi um movimento literário que buscava basicamente a simplicidade, oposto à confusão e do retrocedimento Barroco. Retrata a vida pastoril e harmônica do campo. As referências clássicas voltam, e as obras são recheadas de seres da mitologia grega. Porém se observa que a mitologia, que era um acervo cultural concreto de Grécia, Roma e mesmo do Renascimento, agora se converte apenas num recurso poético de valor duvidoso. Também se destaca Éclogas de Virgílio e dos Idílios de Teócrito, obras clássicas que retratam a natureza harmônica, e por isso são os dois autores mais imitados pelos árcades.
Os árcades, ao contrário do Barroco, preferiam uma visão equilibrada do mundo. Sem exageros, sem conflitos, apenas a simplicidade.
Artes plásticas
editarA arte neoclássica busca inspiração no equilíbrio e na simplicidade, bases da criação na Antiguidade. As características marcantes são o caráter ilustrativo e literário, marcados pelo formalismo e pela linearidade, poses escultóricas, com anatomia correta e exatidão nos contornos, temas "dignos" e clareza na composição. Sua sistematização era feita através do sistema conhecido como academicismo, que estabelecia uma série de normas práticas e teóricas para a produção da boa arte.
Nascendo como uma reação ao Barroco e ao Rococó, a arte neoclássica não foi apenas um movimento artístico, mas também cultural, que refletiu as mudanças que ocorriam na época marcadas pela ascensão da burguesia. Este estilo procurou expressar e interpretar os interesses, a mentalidade e os hábitos da burguesia manufatureira e mercantil da época da Revolução Francesa e do Império Napoleônico, mas também expressou muitos valores políticos e cívicos quando patrocinado pelo Estado.
Principais características do neoclassicismo nas artes plásticas
editar- formalismo e racionalismo.
- retorno ao estilo greco-romano.
- academicismo e técnicas apuradas.
- culto à teoria de Aristóteles.
- ideal da época: democracia.
- na pintura, exatidão nos contornos, sobriedade nos ornamentos e no colorido, pinceladas que não marcavam a superfície, dando à obra um aspecto impessoal onde predominava o desenho sobre a cor
- na escultura, preferência pelo mármore branco, considerado o mais nobre dos materiais.
Pintura
editarpor Jean-Auguste Dominique Ingres, 1808, Museu do Louvre
por Antonio Canova, c. 1800, Museus Vaticanos
Uma amostra de pintura neoclássica nesse período é O Juramento dos Horácios, do francês Jacques-Louis David. Nesta obra de temática inspirada na história da Roma Antiga, os valores estéticos da Antiguidade servem de veículo condutor a uma mensagem atual: cidadãos (homens livres), agarram em armas, ou seja, tomam nas suas mãos o poder sobre o futuro da nação. A obra fez furor no Salão de Paris em 1784. A pintura neoclássica de David dominou o panorama artístico francês durante quase meio século, fazendo com que ele, acima das contingências políticas, fosse o pintor oficial da Revolução Francesa e, depois, do regime de Napoleão Bonaparte. Outro pintor de destaque é Dominique Ingres, de A Banhista de Valpinçon.
- Principais pintores
- Jacques Louis David (francês, 1748-1825): foi o mais característico representante do neoclassicismo. Durante alguns anos controlou a atividade artística francesa, sendo o pintor oficial da corte imperial, pintando fatos históricos ligados à vida do imperador Napoleão. Pintou também temas solenes, personagens e motivos inspirados na antiguidade clássica, através de cores sóbrias. Sua luminosidade lembra Caravaggio, mas é em Rafael (mestre inegável do equilíbrio da composição e da harmonia das cores) que reside sua maior influência. Figuras sólidas e imóveis. Excelente retratista. Obras mais importantes: A Morte de Marat (1793); A Morte de Sócrates (1787); As Sabinas; A Coroação de Napoleão em Notre Dame.
- Dominique Ingres (francês, 1780-1867): Formado na oficina de David, permaneceu fiel aos postulados neoclássicos do seu mestre ao longo de toda a vida. Passou muitos anos em Roma, onde assimilou aspectos formais de Rafael e do maneirismo. Ingres sobreviveu largamente à época de predomínio do seu estilo, dado que morreu em 1867. A partir de 1830 opôs-se com veemência, da sua posição de académico, ao triunfo do romantismo pictórico representado por Delacroix. Ingres preferia os retratos e os nus às cenas mitológicas e históricas. Entre os seus melhores retratos contam-se Bonaparte Primeiro Cônsul, A Bela Célia, O Pintor Granet e A Condessa de Hassonville. Nos nus que pintou (A Grande Odalisca, O Banho turco e, sobretudo, A Banhista de Valpinçon) é patente o domínio e a graça com que se serve do traço. A sua obra mais conhecida é Apoteose de Homero, de desenho nítido e equilibrada composição.
- Outros pintores
- Pierre-Paul Prud'hon, Antoine-Jean Gros, Jean Germain Drouais, Jean-Baptiste François Desoria (França); Karl Briullov (Rússia); Andrea Appiani, Niccolò Contestabile (Itália); Angelica Kauffmann (Áustria); Leo von Klenze (Alemanha); Thomas Lawrence, John Hamilton Mortimer (Grã-Bretanha); Benjamin West e John Singleton Copley (Estados Unidos); Vieira Portuense e Domingos Sequeira (Portugal).
Escultura
editarNa escultura o movimento buscava inspiração no passado. A estatuária grega foi o modelo favorito pela harmonia das proporções, regularidade das formas e serenidade da expressão. Também foi menos ousada que a pintura e arquitetura de seu tempo. Entre os principais escultores destaca-se acima de todos o italiano Antonio Canova (1757-1822), que dominou a cena europeia durante sua maturidade com suas estátuas de heróis e figuras mitológicas, como Perseu com a cabeça da Medusa e Eros revive Psique com um beijo. Seu estilo tem um refinamento incomum, reconhecido por seus contemporâneos como insuperável, e como a mais perfeita encarnação dos ideais de Winckelmann. Outro grande nome e concorrente de Canova foi Bertel Thorvaldsen, autor de um celebrado Jasão com o Velo de Ouro.[18][19] Em muitos outros países o neoclassicismo inspirou grandes escultores, como Jean-Antoine Houdon, William Wetmore Story e Richard Westmacott[20][21][22]
Música
editarO período compreendido entre meados do século XVIII e meados do século XIX – que, em outras artes, é designado como neoclássico – é conhecido, na música, como período clássico ou classicismo. Grosso modo, a segunda metade do século XVIII é marcada pela simplificação das estruturas musicais barrocas. A música se torna mais simples, passando de um estilo contrapontístico para outro, homofônico. Mozart e Haydn são os compositores mais representativos do auge desse estilo por sintetizaram os trabalhos de seus antecessores, dando forma definida à sonata, à música de câmara, ao concerto e à sinfonia. Já Beethoven é considerado o responsável pela transição do estilo clássico para o romântico.
Já o neoclassicismo na música se refere a um movimento um tanto difuso no século XX, notadamente entre 1920 e 1950, cuja principal figura foi Stravinski. Este, após um período identificado como primitivismo, ou "fase russa", passou a evocar a estética do século XVIII. Isso ocorreu principalmente a partir de seu balé Pulcinella (1920). Outros compositores do século XX podem ser reputados como neoclássicos - em geral aqueles que não buscaram uma estética atonal ou o exacerbado uso de dissonâncias e ruídos, mas que continuaram a compor segundo os parâmetros tonais dos séculos anteriores, ainda que, de alguma forma, renovados. Nesse período, a música erudita revive o final do século XVIII e início do século XIX. O neoclassicismo é, pois, basicamente, uma reação às inovações do modernismo alemão da primeira parte do século XX. Para os compositores neoclássicos, a Humanidade é essencialmente "diatônica" e "tonal". Eles lançam um olhar para o passado, para formas e concepções musicais históricas. Suas características composicionais mais notáveis são, além do retorno à tonalidade e às formas convencionais (suíte de dança, concerto grosso, a forma sonata, etc), a volta à ideia de música absoluta, o uso de texturas musicais leves e a concisão da expressão musical. Uma obra representativa desse estilo é a Sinfonia n° 1 em ré maior, conhecida como Sinfonia Clássica, de Prokofiev, composta entre 1916 e 1917 e que lembra o estilo de Mozart e, principalmente, o de Haydn.
O balé neoclássico é a concepção da dança que se desenvolve ao mesmo tempo em que a música neoclássica, com os Ballets russes de Sergei Diaghilev. Sua proposta era tornar mais despojado, em termos de cenografia e narrativas, o estilo imperial russo do século XIX, embora mantendo a estética da sapatilha de ponta e a avançada técnica. O que resta é a dança em si, sofisticada mas, elegantemente moderna.
Arquitetura
editarA arquitetura neoclássica foi produto da reacção ao barroco e ao rococó, levada a cabo pelos novos artistas-intelectuais do século XVIII. Os arquitectos eram formados no clima cultural do racionalismo iluminista, com entusiasmo crescente pela civilização clássica, que se tornara mais conhecida e estudada devido aos progressos da arqueologia e da história. A Antiguidade Clássica, ao longo dos séculos, sempre fascinou os artistas e foi considerada um exemplo a imitar, uma comparação a ser utilizada em suas obras como arquitetos, pintores, escultores e decoradores. Pensemos, no século XV, no Renascimento, que deve seu nome justamente ao renascimento do antigo. Três séculos depois, no século XVIII, as obras-primas da civilização clássica voltaram a ser o centro do interesse de artistas e do público, graças sobretudo aos templos, estátuas e cerâmicas que vieram à tona durante escavações arqueológicas em Roma, Tivoli, Herculano e Pompeia, as do Palatino por Bianchini (1720-1727), as da Villa Adriana (1724-1742), Paestum e na própria Grécia. As obras foram cuidadosamente estudadas pelos primeiros arqueólogos e copiadas por meio de desenho e gravura por grandes artistas como o arquiteto e gravador italiano Giovan Battista Piranesi, que, com suas vistas das ruínas e escavações de Roma ou dos templos de Paestum, tornou conhecida em toda a Europa a força técnica e artística da antiguidade romana.[23]
A possibilidade de se comparar directamente com os originais e de ter em mãos os modelos do estilo clássico produz um novo gosto e uma nova linguagem artística. Perante a perfeição do antigo, o estilo até então em voga, o rococó, parecia antigo e frívolo. O rococó era o estilo preferido pelos aristocratas que passavam uma vida de ociosidade nos jardins das cortes, nos grandes salões adornados com pinturas que refletiam luxo e prazer. A nova classe burguesa, que no século XVIII substituiu a nobreza e as monarquias na Europa e na América, inspirada pelos princípios do Iluminismo, encontrou na arte clássica (mas também na filosofia e na história antiga) a chave para exprimir, com autoridade, conteúdos mais profundos e modernos.[23]
Na arquitetura e nas artes visuais, o primeiro movimento em que se identifica uma aspiração neoclássica é o do estilo neoático na antiguidade, que foi identificado pelo arqueólogo e historiador de arte Friedrich Hauser em 1889 na sua publicação Die Neuattische reliefs (Escultura neo-ática). Hauser cunhou o termo "neo-ático" para identificar uma reacção contra as extravagâncias "barrocas" da arte helenística. Nestes anos, o problema do planeamento urbano assumiu uma importância cada vez maior, em relação ao crescimento das cidades. Até a arquitetura dos edifícios de Nápoles refletia amplamente a influência exercida pelas descobertas arqueológicas. O exemplo mais conhecido a este respeito é a Basílica de São Francisco de Paula, considerada o mais importante exemplo italiano de uma igreja neoclássica.[24]
Embora as pinturas gregas antigas se tenham perdido, a imaginação dos neoclássicos do século XVIII trouxe-as de volta à vida, tanto pelo exemplo da geração de Raffaello, inspirada pelos grotescos frescos da Domus Aurea de Nero, como pela redescoberta de Nicolas Poussin e das contemporâneas escavações de Pompeia. O neoclassicismo difundiu-se em França graças à geração de artistas que foi a Itália (em Nápoles, por exemplo, ocorreram as escavações de Pompeia, Herculano foi também muito apreciada) para estudar pessoalmente achados antigos, para além da publicação de escritos importantes como a História da Arte Antiga de Johann Joachim Winckelmann.[25]
Uma segunda vaga neoclássica, mais severa e contida, está associada ao auge do império de Napoleão, que, em particular na França, se manifestou com o estilo Luís XVI, primeiro, e com o estilo Império, posteriormente.[26] Mesmo nas suas formas mais decorativas, o Neoclassicismo teve um significado político marcante: como já foi referido anteriormente, atingiu o seu auge durante a era napoleónica, especialmente durante o Império. As memórias romanas, o consulado, os símbolos gloriosos das águias imperiais nos labari das legiões, o título de Rei de Roma atribuído por Napoleão ao seu filho, os arcos triunfais erguidos em honra de Bonaparte, representavam aos olhos da burguesia francesa, agora senhora da Europa e lançada numa política imperialista imparável, o sinal de poder e glória alcançados após séculos de submissão.[23] Todo o repertório mitológico clássico foi retomado por homens de letras e artistas; os primeiros deram vida a personagens e episódios da vida contemporânea numa chave interpretativa dos mitos, enquanto os segundos pintaram e esculpiram Napoleão sob a forma de Júpiter olímpico ou de um herói famoso e invicto da Grécia clássica.
Na França, as formas palladianas estavam vivas desde o século XVII, especialmente através das obras de François Blondel (1618-1686) e Perrault (1613-1688), dos quais vale a pena mencionar a elevação oriental do Louvre (1674). Na Inglaterra, a tradição palladiana foi diretamente continuada por Inigo Jones (1572-1651), o britânico Palladio, e depois por Christopher Wren (1632-1723), que, após o incêndio de Londres em 1666, construiu um número notável de obras, todas derivadas da associação das formas palladianas com as do século XVII; entre outras, destaca-se San Paolo. Na Itália, por um fenômeno curioso, Palladio tem seguidores fora do Vêneto apenas em Milão. Mencione-se ali Giuseppe Piermarini (1734-1808) com o Teatro della Scala, o Palazzo Reale e o Palazzo Belgioioso; Leopold Pollak (1750-1805) com a Villa Real e, muito mais tarde, mas fiel à mesma tendência, Giovanni Perego com o Palácio Rocca-Saporiti. Durante esse período, em Bordeaux, muitas obras urbanas monumentais foram realizadas no estilo da Place de la Concorde, em Paris; Louis-Nicolas Victor (1731-1800) construiu o teatro; Jacques-Germain Soufflot (1713-1780) construiu o Hôtel Dieu em Lyon, obra que lhe rendeu a tarefa de ser chamado a Paris para a construção do que deveria ter sido a igreja de Sainte-Geneviève (1757), que de fato se tornou o Panteão. Nessa ocasião, ele criou um conjunto monumental e um plano urbano de grande impacto, com a praça em frente à igreja e a Rue Soufflot que a ela conduz.[26] Seguiram-se Pierre Constant-d'Ivry (1698-1777), Jacques-Denis Antoine (1733-1801), Jacques Gondoin (1737-1818), A. Th. Brongniart (1739-1813), Jean-François Chalgrin (1739-1810), Pierre Rousseau e Jean David le Roi (1736-1803), JF Neufforge (nascido em 1714), Pierre-Joseph Mansart (nascido em 1764), que foram os teóricos deste período, dos quais a figura dominante foi, no entanto, sem dúvida, Chalgrin, que deu maior importância ao estudo de volumes e massas, em vez do estudo da decoração, e que talvez tenha sido mais afetado pelas tendências helenizantes em suas fábricas.[26]
Vemos, portanto, como os arquitetos não buscavam originalmente uma fonte de inspiração em modelos clássicos, mas como a arquitetura, quase arrependida das frivolidades às quais se entregara no final do século XVII e nas primeiras décadas do XVIII, retomou sua evolução lenta e natural, na qual se pode dizer que um substrato de classicismo é permanente. No período seguinte, o estudo mediado de modelos clássicos passou a ser quase universalmente abandonado. Uma nova ciência surgiu: a arqueologia, que rapidamente adquiriu enorme importância. Na Inglaterra, Jacques Spon (1647-1685) já havia dado o tom ao definir a posição original da acrópole de Atenas; estes foram seguidos na França por Jean Mabillon (1632-1717), Bernard Montfaucon (1655-1741) e o jesuíta Marc-Antoine Laugière (1713-1769). A escola inglesa recuperou assim uma nova importância graças ao trabalho de James Stuart (1713-1788), Nicola Revett (1721-1804), mas sobretudo de James Adam (1728-1792) e do seu irmão Robert.[26]
Na Itália, o movimento cultural teve origem com Carlo Lodoli (1690-1761), que tentou trazer a arquitetura de volta ao racionalismo mais rigoroso. A este segue-se, Francesco Milizia, que, num grande número de escritos, alguns dos quais veementemente polêmicos, se tornou o defensor do classicismo mais absoluto.[26]
Na Alemanha, Johann Joachim Winckelmann (1717-1768) e Raphael Mengs (1728-1774) dominaram. Em 1755, o arqueólogo e teórico alemão Johann Johachim Winckelmann colocou por escrito os princípios do neoclassicismo: os artistas contemporâneos deveriam trabalhar nesse estilo e buscar, por meio da imitação inteligente, alcançar a perfeição da beleza antiga. Em Roma, Winckelmann organizou e foi curador da coleção de antiguidades do Cardeal Albani, abrigada em uma vila neoclássica. Embora Winckelmann nunca tenha visitado a Grécia, foi responsável pela primeira história da arte grega, que deu um poderoso impulso à arqueologia e à estética modernas. Em Berlim, o arquiteto Karl Friedrich Schinkel colocou esses princípios em prática construindo edifícios inspirados na força e na simplicidade do estilo dórico.[23]
- Algumas características desse movimento artístico na arquitectura são
- Materiais nobres (pedra, mármore, granito, madeiras);
- Processos técnicos avançados;
- Sistemas construtivos simples;
- Esquemas mais complexos, a par das linhas ortogonais;
- Formas regulares, geométricas e simétricas;
- Volumes corpóreos, maciços, bem definidos por planos murais lisos;
- Uso de abóbada de berço ou de aresta;
- Uso de cúpulas, com frequência marcadas pela monumentalidade;
- Espaços interiores organizados segundo critérios geométricos e formais de grande racionalidade;
- Pórticos colunados;
- Entablamentos direitos;
- Frontões triangulares;
- Decoração caracterizada por elementos estruturais com formas clássicas, pintura rural e relevo em estuque;
- Valorização da intimidade e do conforto nas mansões familiares;
- Decoração de carácter estrutural.
Interiores e mobiliário
editarTeatro
editarNo teatro neoclássico a racionalidade predomina, revalorizam-se o texto e a linguagem poética. A tragédia mantém o padrão solene da Antiguidade. Entre os principais autores está Voltaire. A comédia revitaliza-se com o francês Pierre Marivaux (1688-1763), autor de O Jogo do Amor e do Acaso. Os italianos Carlo Goldoni (1707-1793), de A Viúva Astuciosa, e Carlo Gozzi (1720-1806), de O Amor de Três Laranjas, estão entre os principais dramaturgos do gênero. Outro importante autor de comédias é o francês Caron de Beaumarchais (1732-1799), de O Barbeiro de Sevilha e de As Bodas de Fígaro, retratos da decadência do Antigo Regime e uma inspiração para as óperas de Mozart (1756-1791) e Rossini (1792-1868).
Numa linha que prenuncia o romantismo, trabalha o dramaturgo e filósofo francês Denis Diderot (1713-1784), um dos organizadores da Enciclopédia. Entre suas peças se destaca O Filho Natural. O italiano Metastasio (1698-1782) aproxima o teatro da música, como no melodrama.
Neoclassicismo no Brasil
editarEm 1816, desembarca no Brasil a Missão Artística Francesa, contratada para fundar e dirigir no Rio de Janeiro uma Escola Real de Artes e Ofícios. Nela está, entre outros, o pintor Jean-Baptiste Debret, que retrata com charme e humor costumes e personagens da época. Em 1826 é fundada a Academia Imperial de Belas Artes, que adota o gosto neoclássico europeu e atrai outros pintores estrangeiros de porte, como Auguste Marie Taunay e Johann Moritz Rugendas. Pintores brasileiros desse período são Manuel de Araújo Porto-Alegre e Rafael Mendes de Carvalho, entre outros.
A tendência torna-se visível também na arquitetura. Seu expoente é Grandjean de Montigny, que chega com a Missão Francesa. Suas obras, como a sede da reitoria da Pontifícia Universidade Católica no Rio de Janeiro, adaptam a estética neoclássica ao clima tropical. Mesmo que sua fundamentação fosse de uma sociedade agrário-escravocrata e com um comércio relativamente atrasado, tendo um governo monárquico.
Na pintura a influência neoclássica está submetida ao romantismo. A composição e o desenho seguem os padrões de sobriedade e equilíbrio, mas o colorido reflete a dramaticidade romântica. Um exemplo é Flagelação de Cristo, de Vítor Meirelles.
Na literatura, a principal expressão é o arcadismo, caracterizado por um estilo mais simples e objetivo e pela temática voltada para a natureza. Os seus principais poetas encontravam-se em Vila Rica, atual Ouro Preto, importante centro cultural do Brasil na época. A vida no campo é também abordada, mas os pastores europeus são substituídos pelos vaqueiros brasileiros. Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Silva Alvarenga são os principais poetas do movimento no Brasil.
Ver também
editar
Referências
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