Língua de herança

Língua de herança é um termo utilizado para caracterizar falantes e/ou aprendizes de uma língua não-oficial na diáspora e sua aprendizagem está relacionada a questões familiares e/ou étnicas. A língua de herança é tida, muitas vezes, como um bem simbólico adquirido. Ela é também designada como língua étnica, língua de imigrantes, língua minoritária. Em geral, a língua de herança é adquirida concomitantemente com a língua majoritária do país onde se vive. Por isso, o seu uso tende a ser restrito a ambientes familiares e/ou a pequenos grupos sociais que convivem com outra(s) língua(s) dominante(s) nos diversos setores da sociedade.

Falantes de uma língua de herança editar

Os falantes de uma língua de herança são, em geral, descendentes de imigrantes que vivem em um país em que a língua de herança é minoritária, podendo ser adquirida no seio familiar e/ou em grupos sociais restritos. Assim, o falante de herança tem uma relação afetiva com essa língua e pode ter diferentes graus de desempenho nas habilidades linguísticas formais e informais. Valdés (2001)[1] salienta que os falantes de língua de herança tem uma relação diferenciada com a língua, ela não é nem a língua materna e nem a língua estrangeira. Por isso, a necessidade de ter um termo específico para esse grupo de falantes e/ou aprendizes, pois o que caracteriza o falante de herança é muito mais o sentimento de pertencimento à língua e à cultura do que os aspectos linguísticos em si. [[1]]

Contexto histórico do surgimento do termo Língua de Herança editar

O conceito de língua de herança surgiu no Canadá nas décadas de 1970, por iniciativas de algumas escolas canadenses, quando os professores perceberam que havia muitos alunos que não tinham nem o francês e nem o inglês como língua materna (línguas ofícias daquele país). Desse modo, houve a necessidade de investir no ensino dessas línguas como língua segunda, considerando o contexto de aprendizagem desses alunos. Esse fato se deu em decorrência da industrialização que levou muitos imigrantes e suas famílias imigrarem para aquele país. Segundo Cummins (1983)[2], esse foi um ponto gatilho para reflexão nas escolas de como ensinar as línguas oficiais daquele país para esses alunos e de como ensinar inglês e francês como segunda língua; e também como sensibilizar os profissionais da escola a lidar de modo acolhedor e receptivo com as diversas culturas presentes. Apesar disso, foi nos Estados Unidos que o termo começou a ser difundido, dando espaço a realização de encontros regulares para o ensino e a aprendizagem de uma língua de herança em ambientes comunitários.

Ensino e Aprendizagem da Língua de Herança editar

O ensino de uma língua minoritária é muitas vezes desprestigiadas em ambientes formais de ensino ou, até mesmo, pela sociedade, evidenciando a falta de interesse de investimento em educação bilíngue em uma língua majoritária e minoritária. O que pode-se deprrender disso é o interesse maior pelo capital simbólico que a língua oferece, do que a importância e as vantagens cognitivas que o bilinguismo pode oferecer.

• Cummins (1983), em seu estudo sobre língua de herança, percebeu que as escolas que ofereciam ensino bilíngue e/ou trilíngue na língua minoritária no programa regular da escola apresentavam alunos com autoestima e autoconhecimento, demonstrando um bom domínio da língua majoritária (francês ou inglês) e o interesse para o aprendizado de outras línguas estrangeiras. Esses alunos demonstraram também desempenho acadêmico similar e algumas vezes superior aos alunos monolíngues, apontando as vantagens de um incentivo e interesse nas culturas envolvidas no processo de aprendizagem.

• O bilinguismo - A escolha do bilinguismo vem dos pais e eles quando se encontram em situação de imigração temem que seus filhos não se adaptem a nova língua e/ou não aprendam de modo satisfatório para se inserir na sociedade. Na pesquisa de Pereira (2017)[3] fica evidente de que isso não passa de um mito, pois a criança, mesmo com a exposição na língua de herança em ambiente escolar e familiar, com o passar do tempo utiliza mais a língua majoritária. Assim, quando os pais decidem que seus filhos irão aprender a língua de herança, exige-se um grande esforço da família para a manutenção da língua minoritária, como, por exemplo, o uso dessa língua dentro de casa. Mas esse uso deve ser sistemático e regular, pois facilitaria o aprendizado infantil, além de preservar a importância do uso da língua de herança.[4]

O ensino de língua de herança deve suplantar os conhecimentos linguísticos e aderir a uma abordagem de interação comunicativa, cujo objetivo é o encontro entre sujeitos interculturais e diaspóricos em outros territórios. Segundo Willians (2012, p.37)[5], “Todo imigrante leva consigo o retrato de seu país”. E, diante desta asserção, pode-se inferir que a língua de um povo é a fotografia mais emblemática de uma cultura.

Para que haja uma maior apreensão da língua, as famílias devem estar comprometidas com esse aprendizado, explorando-a em situações diversas.[4] Nesse sentindo, diversas associações foram criadas ao redor do mundo para atender às necessidades dessas famílias. Elas têm o intuito de preservar os laços com a língua e cultura; princípios identitários; e, também, para aumentar as oportunidades do falante, uma vez que ele se torna bilíngue.[6]

Língua de Herança e espaços diaspóricos editar

A língua de herança está atrelada, intimamente, às raízes culturais e identitárias do sujeito diaspórico. Ao resgatar sua língua materna, o indivíduo ou a comunidade inserida no contexto de uma língua majoritária é capaz de reencontrar sua identidade étnica e linguística.[6] Na maioria das vezes, a língua de herança é falada somente no contexto familiar pelos imigrantes, os quais estão imersos em outra língua dominante em diferentes contextos, nomeadamente educacional e social. Esta situação levou muitos pais a criarem escolas comunitárias nos países, nos quais se encontravam a fim de que as futuras gerações não perdessem o contato com a sua língua de herança.

Tendo em vista a dinamicidade e a multiculturalidade da língua, somente no seu uso, qualquer língua pode ser aprendida, reaprendida e não preterida. Para exemplificar o contexto de ensino de uma língua de herança, pode-se pensar no ensino de Português como língua de herança (PLH). Assim, o ensino de português como lingua de herança deve promover o contato com o mundo lusófonos, levando em consideração as relações interculturais entre sujeitos deslocados e reinseridos, os quais precisam lidar com o que de fato é seu, e o que pertence à alteridade de seu entorno.

O Português como Língua de Herança ao redor do mundo editar

O português é uma das línguas que muito tem produzido, pesquisado e proposto atividades para o contexto de língua de herança mundo afora. Há diversas associações de brasilieros ao redor do mundo que tem proposto cursos, atividades, seminários e conferências sobre o tema.

No que diz respeito ao ensino, há associações espalhadas não só nos Estados Unidos e Canadá, mas também na Europa,na África e na Ásia. No entanto, há poucas escolas formais de ensino que oferecem educação bilíngue em língua portuguesa, a exemplo: Alemanha - as escolas europeias (SESB); Viena; Finlândia.

Dia da Língua de Herança - O dia 16 de maio foi escolhido para ser o dia mundial do português como língua de herança.

Lusofalantes nos Estados Unidos editar

Nos últimos dois séculos, os EUA acolheram muitos falantes de Língua Portuguesa. No entanto, no século XIX, havia tanto a construção de uma nação multilíngue e multicultural, por conta da imigração, como também, a influência do ato nacionalista melting pot, o qual dava a cidadania norte-americana para quem falasse inglês. Muitos lusofalantes tinham vergonha de sua língua materna em vista do caráter decadente de Portugal e almejavam ser abraçados pela sociedade estadunidense, afastando-se, assim, de suas raízes linguísticas e culturais. Portugal, no entanto, estimulava a propagação da língua e da cultura lusófonas em terras estrangeiras, assim, as Associações de Portugueses nos EUA cresceram bastante e muitas escolas comunitárias foram criadas para que o português, enquanto língua de herança, continuasse presente nas gerações subsequentes de lusofalantes no Norte da América. Embora essas Associações, as quais promoviam a língua portuguesa, tivessem tomado grande vigor no século XX, a partir do final da década de 90, ocorreram algumas mudanças nas políticas linguísticas dos EUA, cujas transformações intensificaram-se após o ataque terrorista do 11 de setembro. Os cabo-verdianos, por exemplo, começaram a imigrar para os Estados Unidos, desde o século XVIII e ocuparam grande parte do estado de Massachusetts em busca de melhores condições sociais e econômicas. Já a grande imigração dos brasileiros para os EUA foi bem mais recente em relação aos portugueses e aos cabo-verdianos. Os lusofalantes do Brasil começaram a imigrar, massivamente, na segunda metade da década de 80 do século XX e encontram, em Massachusetts, programas criados para a promoção e circulação de Língua Portuguesa como, por exemplo, a MAPS- Massachusetts Alliance for Portuguese Speakers e, atualmente, o português brasileiro já é veiculado em revistas, canais de rádios e websites próprios.[7]

Ver também editar

Ligações externas editar

Referências

  1. VALDÉS, Guadalupe. Heritage Language Students: Profiles and Possibilities. 2001. 42P. Disponível em: <http://www.linguas.net/LinkClick.aspx?fileticket=pvMGYpDt200%3D&tabid=695&mid=1356&language=en-US>
  2. CUMMINS, Jim. Heritage Language Education: A Literature Review. Toronto: Ontario Dept. of Education, 1983, 64p.
  3. PEREIRA, Marília Pinheiro. O ensino de português como língua de herança em uma escola bilíngue na Alemanha. 156 f. 2017. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017
  4. a b BORUCHOWSKI, Ivian Destro; LICIO, Ana Lúcia. Como Manter e Desenvolver o Português Língua de Herança.
  5. THOMÉ-WILLIANS, Ana Clotilde. Perspectivas sobre o ensino do português a nível universitário nos EUA: uma visão histórica e a relação da diáspora com tendências curriculares da atualidade. In: Revista do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (Platô). Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP). V.1, N.2 (2012), Cidade da Prais, Cabo Verde: Editora do IILP, 2012.
  6. a b MENDES, Edleise. Vidas em português: perspectivas culturais e identitárias em contexto de Português Língua de Herança. In: Revista do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (Platô). Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP). V.1, N.2 (2012), Cidade da Prais, Cabo Verde: Editora do IILP, 2012.
  7. JOUÉT-PASTRÉ, Clémence M.C. Tramando em língua portuguesa: fragmentos e continuidades. In: Revista do Instituto Internacional de Língua Portuguesa (Platô). Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP). V.1, N.2 (2012), Cidade da Prais, Cabo Verde: Editora do IILP, 2012.