Movimento para a Salvaguarda das Gravuras de Foz Côa

O Movimento para a Salvaguarda das Gravuras de Foz Côa foi um movimento cívico criado Ad Hoc para a promoção da proteção das Gravuras Rupestres do Vale do Côa encontradas em 1991. Contou, entre os seus membros, com Mila Simões de Abreu, João Zilhão, José Ribeiro, António Martinho Batista, entre outras figuras.[1]

História editar

 
Vale do Coa.

Em 1991, Nelson Rebanda identificou a primeira gravura rupestre, uma rocha gravada, em Vila Nova de Foz Côa, uma cidade no interior norte do país, no distrito da Guarda.[2] Devido ao seu posicionamento geográfico, banhada pelo rio Douro, o Estado Português teve interesse em começar um projeto de construção de uma barragem no Vale do Côa, Vila Nova de Foz Côa.[3][4] Devido a estes interesses, o Governo, na altura liderado por Cavaco Silva, não revelou a existência das gravuras rupestres à população portuguesa, até que, em novembro de 1994, uma equipa de arqueólogos portugueses, onde se encontrava Mila Simões de Abreu, João Zilhão e outros, vieram a público divulgar a existência e a importância das gravuras para a história do Paleolítico, tendo a SIC tido um papel crucial na mediatização da descoberta.[4][5]

 
Gravura da Canada do Inferno.

Contudo, esta discussão não se limitou apenas a Portugal. À medida que o as notícias se espalharam, foi despertado o interesse de arqueólogos estrangeiros que, reconhecendo a importância da descoberta, começaram a unir esforços para a sua preservação. No dia 11 de novembro, Paul Bahn, Angelo Fossati e Andrea Arcà começaram a trocar correspondência acerca das gravuras através da Federação Internacional das Organizações e Arte Rupestre, cuja representante em Portugal, Mila Simões de Abreu, desempenhou um papel ativo de denuncia da ocultação das mesmas.[6] Os três arqueólogos estrangeiros vieram a Foz Côa no início de 1995. [6]

A partir daqui, Foz Côa entrou na ordem do dia, com um requerimento apresentado a 24 de novembro pelo grupo parlamentar do Partido Socialista[7], e a realização da primeira conferência de imprensa na Assembleia da República a 29 de novembro, conduzida por Eurico Figueiredo, que revelou uma série de cartas dirigidas ao então Presidente da República Mário Soares.[8] Nelas incluía-se uma carta do próprio Presidente da Federação Internacional das Organizações e Arte Rupestre, Dario Seglie.[6] Vários arqueólogos a nível internacional começaram a produzir os primeiros artigos a alertar para as descobertas, incluindo o artigo de Paul Bahn e Tim Rayment para o Sunday Times de 18 de dezembro, e o de Marlise Simons no New York Times de 27 de dezembro.[9] Desta forma, a descoberta já estava noticiada em todo o mundo no final de 1994, contando, também, com a deslocação de Jean Clottes, Presidente do Comité de Arte Rupestre da UNESCO, para avaliar a importância dos achados.[10]

Criação do Movimento editar

Em 1995 instalou-se um descontentamento por parte da população de Vila Nova de Foz Côa em relação à construção da barragem. Este descontentamento afetou particularmente os alunos da Escola Secundária de Vila Nova de Foz Côa, depois de o Professor e Presidente do Conselho Diretivo da mesma, José Ribeiro, ter apresentado a situação à escola e levando-a a tomar uma posição, tendo liderado o Movimento para a Salvaguarda das Gravuras de Foz Côa.[1][11]

Os estudantes desta escola secundária juntaram-se deste modo para manifestar a sua revolta perante a construção da barragem, criando assim uma Associação de Estudantes, associação que nunca havia sido criada nesta escola, de propósito para lutar pela preservação das gravuras rupestres.[5] Este movimento adotou o slogan “As gravuras não sabem nadar”, adaptado da música dos Black Company "Não sabe nadar", que contou com a solidariedade do Presidente da República que se deslocou à escola a 21 de fevereiro.[5]

Deste modo foram organizados debates[12][13], destacando-se as “Noites Verdes por Foz Côa”, organizado pelo Partido Ecologista Os Verdes, que incluíam debates e atividades culturais[14], deslocações à Assembleia da República, recolha de assinaturas e várias manifestações pacíficas, incluindo um mega acampamento nas férias da Páscoa em abril que contou com a adesão de cerca de 2000 estudantes[5]. Foi também organizado, à meia noite de 25 de abril de 1995, um acampamento de estudantes e arqueólogos e deputados no Mosteiro dos Jerónimos durante 70 dias. Esta manifestação pacífica começou com 3 ou 4 pessoas e acabou com 70.[5]

O Movimento também foi acompanhado pela apresentação de duas petições para a preservação das gravuras rupestres. Uma, foi apresentada pela Associação Olho Vivo, e que contou com 11 mil assinaturas, tinha como objetivo a discussão urgente da questão na Assembleia da República.[15][16] A segunda, recolhida por várias escolas secundárias de todo o país, e que partiu de uma iniciativa conjunta dos conselhos diretivo e pedagógico e da associação de estudantes da Escola Secundária de Foz Côa, obteve mais de 70 mil assinaturas [15] apesar do então Presidente do Conselho Diretivo, José Ribeiro, apontar para as 200 mil. [17]

O Movimento para a Salvaguarda das Gravuras de Foz Côa foi apoiada também por comunidades emigrantes portuguesas nos Estados Unidos da América através da criação do "Save de Côa Movement", liderado por João Crisóstomo, antigo mordomo de Jacqueline Kennedy Onassis[18][19], através da realização de protestos à porta da Organização das Nações Unidas a 10 de junho de 1995.[6]

Impacto editar

 
Vista exterior do Museu do Côa, fundado em 2010.

O impacto de movimento gerou uma grande discussão a nível nacional ao ponto de se tornar um dos principais temas das eleições legislativas de 1995.[5] Com a vitória do Partido Socialista, liderado por António Guterres, suspendeu a construção da barragem através da resolução do Conselho de Ministros nº14/1996, de 17 de janeiro.[20] Seguiu-se a abertura do Parque Arqueológico do Vale do Côa a 10 de agosto, a classificação como Monumento Nacional a 2 de julho de 1997[21] e a classificação como Património Mundial da UNESCO em dezembro de 1998.[5] Em 2010 foi inaugurado o Museu do Côa e a Fundação do Côa em 2011, tendo sido extinta em 2012 e reestabelecida em 2017.[22]

Referências

  1. a b Portugal, Rádio e Televisão de (28 de julho de 2010). «Movimento cívico foi "determinante" para a salvaguarda dos achados arqueológicos do Côa - antigo líder». Movimento cívico foi "determinante" para a salvaguarda dos achados arqueológicos do Côa - antigo líder. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  2. «A História». Côa Parque. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  3. Duarte, João (21 de janeiro de 2021). «As gravuras não sabem "gritar", Yo!». Interior do Avesso. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  4. a b Real, Fernando (14 de setembro de 2011). «Datas essenciais do Parque Arqueológico do Vale do Côa (1989-2011)» (PDF). Direção-Geral do Património Cultural. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  5. a b c d e f g Queirós, Luís Miguel (14 de agosto de 2016). «Uma cronologia do processo do Côa». PÚBLICO. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  6. a b c d Abreu, Mila Simões de. «Salvar o Côa: O movimento internacional para a Salvaguarda da Arte Rupestre do Vale do Côa» (PDF). Consultado em 27 de novembro de 2023 
  7. «Debates Parlamentares - Diário 007S1, p. 7 (1994-12-09)». debates.parlamento.pt. Consultado em 3 de janeiro de 2024 
  8. «As gravuras não sabem nadar». CEPESE | CENTRO DE ESTUDOS DA POPULAÇÃO, ECONOMIA E SOCIEDADE. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  9. «Archives Two articles from the March 1995 issue of Art News by Spencer P.M. Harrington - one on the Côa scandal and the other on Chauvet. An unsigned article from the New York Times on July 16, 1995 about the dating controversy. (Above) An article from Le Monde on the Foz Côa scandal by Catherine Vincent on March 11, 1995. (Above) An article from the International Herald Tribune on Nov. 8, 1995 announcing the decision by the new Portuguese government to stop building the dam.». www.duncancaldwell.com. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  10. «Pinturas rupestres». Consultado em 27 de novembro de 2023 
  11. «25 anos depois "as gravuras não sabem nadar" – #dacomunicação» (em inglês). 8 de julho de 2020. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  12. «Debate "Gravuras Rupestres de Vila Nova de Foz Côa", organizado pela - Centro de Arte, Cultura e Audio-Visuais da Faculdade de Letras de Lisboa». casacomum.org. 16 de fevereiro de 1995. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  13. «Convite da COMSOM ao PR para a apresentação de documentário em vídeo sobre as figuras rupestres de Foz-Côa». casacomum.org. 17 de maio de 1995. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  14. «Portugal: Ambiente em Movimento» (PDF). 2019  line feed character character in |titulo= at position 11 (ajuda)
  15. a b Lusa, Agência. «Descoberta das gravuras rupestres recordada 20 anos depois pelo Museu do Côa». Observador. Consultado em 3 de janeiro de 2024 
  16. «Debates Parlamentares - Diário 026, p. 128 (1995-04-08)». debates.parlamento.pt. Consultado em 3 de janeiro de 2024 
  17. «Projecto Património» (PDF). Julho 1995 
  18. «João Crisóstomo iniciou ativismo em casa da família Kennedy em Nova Iorque». www.cmjornal.pt. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  19. «"Exemplo de Aristides de Sousa Mendes tem de servir para manter alerta todas as consciências". Homenagem, este domingo, por todo o mundo». Jornal Expresso. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  20. «Resolução do Conselho de Ministros nº14/1996, de 17 de janeiro» (PDF). Diário da República. 17 de janeiro de 1996. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  21. «Decreto nº 32/97, de 2 de julho» (PDF). 2 de julho de 1997. Consultado em 27 de novembro de 2023 
  22. «Fundação». Côa Parque. Consultado em 27 de novembro de 2023