Observabilidade da evolução

Observabilidade da evolução é a propriedade da evolução das espécies de poder ser observada em ação. A observação é uma das condições com que o filósofo Karl Popper discerne o caráter científico de um estudo ou teoria[1]. Por definição científica, o ato de observação pode ser descrito como a ação de observar, perceber ou notar atentamente ou por dados medidos, coletados, percebidos ou notados, especialmente durante uma experiência. Para confirmar a observabilidade da evolução é necessário que a mesma esteja enquadrada em algum desses métodos de observação científica. Muitas investigações científicas não envolvem experiências ou observação direta, desta forma, biólogos podem testar suas idéias sobre a história da vida na Terra, fazendo observações no mundo real.

O fato de que o processo evolutivo que originou a maioria das espécies atuais tenha ocorrido no passado não afeta a sua observação, pois o registro fóssil e outras abundantes evidências testemunham que os organismos evoluíram através do tempo. Embora ninguém tenha observado essas transformações diretamente, a evidência indireta é clara, inequívoca e convincente[2]. Em organismos com tempos de geração curtos (por exemplo, bactérias e vírus), é possível observar a evolução em ação ao longo de experimentos.

Design Inteligente editar

Em uma carta ao editor, um dos adeptos do movimento Design Inteligente do Brasil, abordou que a evolução que acontece em pequena escala, conhecida como microevolução pode ser observada na natureza e em laboratório. Na carta, alegou-se que o Design Inteligente não nega certo grau de evolução referente à adaptabilidade das espécies, como, por exemplo, pequenas modificações (microevolução) que geram variações biológicas limitadas dentro da mesma espécie, e que podem ser observadas tanto na natureza quanto em laboratório[3].

Ocorrências da Evolução observada editar

Bactérias Escherichia coli filmadas evoluindo editar

Pesquisadores da Harvard Medical School e do Instituto de Tecnologia de Israel produziram uma placa de Petri gigante e fizeram um timelapse mostrando bactérias sofrendo mutações e desenvolvendo resistência a um antibiótico. Durante duas semanas, eles observaram — e filmaram — como a bactéria morria, sobrevivia e se adaptava às condições adversas localizadas nas bordas dos perímetros da placa. O vídeo em timelapse mostra literalmente o processo evolutivo em curso — algo que normalmente permaneceria invisível aos olhos humanos. No décimo primeiro dia do experimento, as bactérias que migraram para o ponto com a maior concentração de antibióticos foram versões com mutações que conseguiram sobreviver a um antibiótico conhecido como trimetoprima numa dose mil vezes maior do que aquela que matou seus antepassados. E algumas bactérias adquiriram uma resistência 100 mil vezes maior ao ciprofloxacina, outro antibiótico comum.[4][5]

Vírus Bacteriophage lambda observados evoluindo editar

Cientistas conseguiram observar a evolução de duas novas espécies de vírus em formação, no intervalo de apenas um mês. As duas espécies incipientes formaram-se a partir de uma população do mesmo vírus submetida à condições ecológicas distintas. O vírus Bacteriophage lambda - que é capaz de infectar bactérias Escherichia coli e reproduzir-se dentro delas através de proteínas receptoras presentes nas paredes celulares de seus hospedeiros. Os cientistas então cultivaram esses vírus na presença de dois tipos de células (LamB e OmpF) que variaram em seus receptores. Com os vírus evoluindo na presença de ambos os tipos de bactéria (cada qual com uma das variantes da proteína receptora), a população original dos vírus dividiu-se em duas e as formas originais desse vírus acabaram por ser extintas, dando lugar às formas especializadas.[6]

60 mil gerações de Escherichia coli observadas evoluindo editar

Um experimento famoso realizado com as bactérias Escherichia coli foi do grupo liderado pelo pesquisador Richard Lenski[7]. No estudo, iniciado no ano de 1988, o biólogo confinou 12 populações idênticas da bactéria E. coli em frascos cheios de glicose. Hoje, trinta anos depois, já são aproximadamente 60 mil gerações de bactérias que mostraram mudanças significativas (que incluem alterações de tamanho, padrão reprodutivo, otimização da digestão de glicose e a capacidade de metabolizar citratos (este último, um traço fenotípico inteiramente novo e não característico das E. coli ordinárias), o que equivale a cerca de um milhão de anos de evolução humana, dada as devidas proporções de estimativa de vida e tempo de geração de novas linhagens. [8] [9]

Variações por especiação alopátrica em Anolis dominicanos editar

Um estudo realizado no início dos anos 90 com o lagarto dominicano da espécie Anolis oculatus enfatizou uma das vertentes pelas quais novas espécies podem surgir. Nestes indivíduos, o comprimento dos dedos, dos pés, o modelo de escamas e outras características diferem de acordo com seu habitat. Na pesquisa, os cientistas distribuíram 12 grupos de Anolis oculatus num recinto vigiado, localizado em uma variedade de habitats insulares (um aglomerado de ilhas) que vão de regiões costeiras secas à floresta tropical de montanha. Depois, eles passaram a medir certas características que se mostravam hereditárias nos respectivos organismos, como a extensão das pernas e dos pés, a dimensão da cabeça e a cor e forma das escamas. Pouco depois, os pesquisadores descobriram que essas características já apresentavam variações nas novas gerações de populações de lagartos, em um protótipo que resultava do meio em que ele estava inserido. [10] [11]

Evolução de Oncorhynchus nerka no Lago Washington editar

Um exemplo de como o processo de especiação pode ocorrer num período de tempo relativamente rápido advém de um experimento realizado no Lago Washington, nos anos 50, nos Estados Unidos. Neste lago, os cientistas introduziram uma população de uma mesma espécie de salmão: eles despejaram no lago um balde com a mesma linhagem de filhotes da espécie Oncorhynchus nerka. Com o tempo, parte da população introduzida no lago se separou, indo uma para um rio próximo ao local, enquanto a outra permaneceu estabelecida no lago. Por contingências locais, hoje, as duas populações já não se cruzam mais, apesar de elas se encontrarem nas redondezas do lago. Elas sofreram alterações fenotípicas marcantes, sendo que uma população está ficando morfologicamente e fisiologicamente adaptada ao rio - com uma forma mais alongada- enquanto que a do lago, onde as correntes praticamente não existem, possui uma forma mais achatada ou 'arredondanda'.

O exemplo de início de especiação no Lago Washington é bastante destacado, visto que o fenômeno pôde ser observado em um organismo de relativamente grande (geralmente os pesquisadores preferem trabalhar com organismos a nível microscópico, onde as espécies vivem por pouco tempo e é possível acompanhar as mudanças ocorridas em várias gerações) e que, mesmo nesta escala, o evento ocorreu apenas em cinquenta anos. [12]

Ver também editar

Referências

  1. Popper, Karl (1985) [Originally published 1976]. Unended Quest: An Intellectual Autobiography. La Salle, IL: Open Court. ISBN 0-08-758343-7. LCCN 85011430. OCLC 12103887.
  2. Rennie, John. «15 Answers to Creationist Nonsense». Scientific American (em inglês). 287 (1): 78–85. doi:10.1038/scientificamerican0702-78 
  3. Alves, Everton Fernando. «TEORIA DO DESIGN INTELIGENTE». Clinical & Biomedical Research. 35 (4): 250–251. doi:10.4322/2357-9730.59738 
  4. «Timelapse mostra bactérias desenvolvendo resistência a antibióticos - Gizmodo Brasil». m.gizmodo.uol.com.br. Consultado em 23 de maio de 2017 
  5. Baym, Michael; Lieberman, Tami D.; Kelsic, Eric D.; Chait, Remy; Gross, Rotem; Yelin, Idan; Kishony, Roy (9 de setembro de 2016). «Spatiotemporal microbial evolution on antibiotic landscapes». Science (em inglês). 353 (6304): 1147–1151. ISSN 0036-8075. PMID 27609891. doi:10.1126/science.aag0822 
  6. Meyer, Justin R.; Dobias, Devin T.; Medina, Sarah J.; Servilio, Lisa; Gupta, Animesh; Lenski, Richard E. (24 de novembro de 2016). «Ecological speciation of bacteriophage lambda in allopatry and sympatry». Science (em inglês): aai8446. ISSN 0036-8075. PMID 27884940. doi:10.1126/science.aai8446 
  7. «E. coli Long-term Experimental Evolution Project Site». myxo.css.msu.edu (em inglês). Consultado em 21 de janeiro de 2018 
  8. MacDonald, Fiona (2017). «One of The Biggest Evolution Experiments Ever Has Followed 68,000 Generations of Bacteria». ScienceAlert 
  9. «E.coli nunca para de evoluir, diz pesquisa». O Globo. 15 de novembro de 2013 
  10. Thorpe, Roger S.; Reardon, James T.; Malhotra, Anita (2005). «Common garden and natural selection experiments support ecotypic differentiation in the Dominican anole (Anolis oculatus)». The American Naturalist. 165 (4): 495–504. ISSN 1537-5323. PMID 15791540. doi:10.1086/428408 
  11. Malhotra, A.; Thorpe, R. S. (1991). «Experimental detection of rapid evolutionary response in natural lizard populations». Nature (em inglês). 353 (6342): 347–348. ISSN 1476-4687. doi:10.1038/353347a0 
  12. «Folha de S.Paulo - Biologia: Estudo com peixe aponta processo ligado à diferenciação de espécies - 25/10/2000». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 21 de janeiro de 2018