Planalto (memórias)

Planalto é o terceiro volume de memórias do poeta, ensaísta, crítico literário, teatrólogo, jurista, sociólogo, pensador político, professor, orador, parlamentar, diplomata e escritor brasileiro Afonso Arinos de Melo Franco. Foi publicado em 1968 pela Editora José Olympio e reeditado em 2018 em edição da Editora Topbooks reunindo os cinco livros de memórias do autor. Nele "se concentrou a essência da ação breve, mas inovadora e tempestuosa, de Arinos na área da política externa, à frente do Itamarati e da Delegação na ONU".[1]

Planalto
Autor(es) Brasil Afonso Arinos de Melo Franco
Idioma português brasileiro
País Brasil Brasil
Gênero Memórias
Editora José Olympio
Lançamento 1968 (1a edição)
Cronologia
A Escalada
Alto-Mar Maralto

O filho de Afonso Arinos revela que foi ele quem sugeriu o título Planalto, já que, "após a escalada no Rio da sua ascensão política, como deputado e senador, ele chegara, com a mudança da capital, ao patamar de ministro de Estado no Planalto Central de Brasília.[2] Revela também que “Afonso Arinos, com o novo livro, buscava influir, não apenas na orientação da política externa, mas sobre a forma do regime. Dizia-me, a 31 de janeiro, que ‘o sistema parlamentarista [...] ganha adeptos nos meios inclusive militares. Será possível? Só o futuro o dirá. Seria um grande coroamento para minha vida.’”[3]

Começou a ser escrito no Natal de 1965, sete meses após a conclusão de A Escalada, e foi concluído em 25 de fevereiro de 1968. À semelhança dos volumes anteriores, mescla observações sobre a atualidade que está vivendo com reminiscências, em ordem cronológica, do passado, neste caso sua carreira política desde que assumiu, em julho de 1962, o cargo de ministro do Exterior no governo Jânio Quadros até sua despedida do Senado e da vida política em fevereiro de 1967. No avião ao deixar Brasília, "olhei pela última vez as luzes coloridas de Brasília, ilha de fogo num mar de treva. [...] Para trás as luzes, adiante a sombra [...]"[4]

Tópicos do livro

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O livro começa com uma reflexão sobre o envelhecimento, tendo o autor completado 60 anos um mês antes. Se por um lado o declínio físico será seu "companheiro de viagem pelo resto do caminho", por outro lado "a nossa sensibilidade, emoção e inteligência resistem mais ao desgaste da vida que o invólucro físico". Daí o "contraste entre o vigor físico, que se afasta, e a força da razão e do sentimento, que se aprimoram.[5]

As reminiscências começam com o "convite do presidente Quadros para que eu viesse a ocupar o Itamaraty", onde tomou posse em 31 de janeiro de 1961, convencido de que "tanto a política externa quanto a interna devem ter mais em vista os interesses do povo e não, tomada em si mesma, a força ou a glória do Estado." [6] Lá inaugura uma "política externa independente" que refletisse os interesses e necessidades do país, em vez de atrelá-la à política externa norte-americana. Ou seja, o “Brasil só pode colaborar com os Estados Unidos na luta anticomunista defendendo-se a si mesmo, e não ao Vietnã ou Cuba contra o comunismo. E defender-se não é mandar soldados para fora. É conservá-los aqui dentro, apoiando os esforços pelo desenvolvimento nacional e deles participando.”[7]

Em anotação de 9 de abril, em Honolulu, observa: “Neste quadro tropical, tão semelhante ao nosso – coqueiros, flores, colinas suaves, mar azul – sinto no coração o nosso atraso, a nossa pobreza, diante do esplendor insuperável desta civilização material.[8] Também na Austrália, oito dias depois, tem a mesma sensação: “A Austrália tem, como nós, climas tropicais e temperados, extensões colossais de terra desaproveitada, mas, nas zonas desenvolvidas e civilizadas, o equilíbrio social existe. O que não existe é a tremenda desigualdade brasileira, que me enche de apreensão, piedade e revolta.”[9]

Logo no início de sua gestão teve de enfrentar a crise do sequestro do navio português Santa Maria por um grupo de exilados políticos antisalazaristas. As relações brasileiro-cubanas foram o problema político mais sério que enfrentou no Ministério das Relações Exteriores.[10] Suas gestões para evitar que Cuba se tornasse uma ditadura comunista e rompesse com o sistema interamericano não surtiram êxito, ante a fracassada Invasão da Baía dos Porcos. Neste contexto, a condecoração pelo presidente do líder guerrilheiro Che Guevara gerou grande polêmica. O autor explica que tal condecoração se deveu ao fato de Che ter concordado em entregar ao governo cubano uma carta do governo brasileiro que, a pedido do Vaticano, solicitava que se cessassem as perseguições religiosas na ilha.[11]

Em 6 de junho de 1967, um dia após a eclosão da Guerra dos Seis Dias, aconselhou: “O Brasil deve preservar cuidadosamente o convívio de árabes e judeus que existe entre nós.”[12]

O envio de uma missão especial para promover o intercâmbio econômico com as repúblicas socialistas do Leste Europeu gerou uma grande reação e polêmica, já que naquela época a Guerra Fria encontrava-se em ebulição.[13]

Em 20 de novembro de 1967 o autor registra a morte, no dia anterior, do escritor Guimarães Rosa, quatro dias após se empossar na Academia Brasileira de Letras.[14]

Na entrada de 15 de dezembro, o autor analisa o perfil do governo do outsider (intruso) Jânio Quadros: “O presidente devia o êxito de sua carreira política à sua juventude e formação inortodoxa. Sem tradições políticas familiares, sem organização estadual nem partidária em que se enquadrasse, sem apego forte a qualquer profissão ou atividade intelectual, obedecendo somente a um irresistível apego pela ação política, Jânio Quadros não alimentava compromissos com os hábitos e interesses estabelecidos [...].”[15] Segundo o autor, a missão de João Goulart à China comunista, em julho de 1961, “revela traços curiosos do presidente e do seu vice".[16]

Com a renúncia inesperada de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, Afonso Arinos pediu sua exoneração do Ministério das Relações Exteriores e reassumiu sua cadeira no Senado.[17] A República enfrentou nova crise, já que os ministros militares vetaram a posse do vice-presidente João Goulart, considerado radical. Até que ocorreu a Afonso Arinos: “Não vejo solução a não ser com o regime parlamentar.”[18] No passado havia sido um presidencialista convicto, mas agora mudara de ideia.[19] Aliás outros também tiveram a mesma ideia. Nelson Carneiro e Afonso Arinos foram incumbidos de redigir o anteprojeto da emenda constitucional que implantaria o parlamentarismo.[20]

Sob o novo governo, Afonso Arinos foi convidado para chefiar a representação brasileira nas Nações Unidas, participando da XVI Assembleia Geral e lidando com questões espinhosas como o desarmamento e descolonização. Em 1962, chefiou a delegação brasileira na Conferência do Desarmamento em Genebra, que girou em torno da suspensão dos ensaios nucleares e o tratado geral de desarmamento.[21] Em meados de 1962 foi inesperadamente convidado para voltar a presidir o Ministério do Exterior.[22]

Na anotação de 3 de fevereiro de 1968, o autor aborda as tentativas do establishment político de solapar o recém-instaurado sistema parlamentarista, que acabaram bem-sucedidas: “o governo de gabinete [parlamentarista] fracassou, naquele momento, por causa dos óbices deliberadamente criados à sua aplicação por aqueles mesmos que tinham o dever moral de aplicá-lo.”[23] “Eu poderia ter trabalhado com eficiência na consolidação do parlamentarismo se ocupasse a pasta da Justiça em vez do Itamaraty. Mas o ministro da Justiça era o intransigente presidencialista João Mangabeira.[24]

Em 14 de setembro de 1963, ante a perspectiva de derrota do parlamentarismo no plebiscito, demitiu-se do Itamaraty e voltou ao Senado.[25] “O resultado da consulta foi esmagadoramente favorável à volta do presidencialismo [...] Mas em breve o presidencialismo restaurado condenar-se-ia a si próprio, levando o país à revolução [golpe militar]”.[26]

Tendo reassumido sua cadeira no Senado, aceitou o convite para chefiar a delegação brasileira na XVII Assembleia Geral da ONU.[27] Nessa época também chefiou a delegação governamental brasileira ao Concílio Vaticano II. Enquanto “o sistema presidencial, com todos os poderes restabelecidos nas mãos inábeis e inseguras de João Goulart, marchava para o desastre”, Afonso Arinos reduzia sua atividade parlamentar, devido ao isolamento político em que se encontrava. “Não podia apoiar a ação demagógica e insensata do governo, mas não podia me filiar, tampouco, à linha reacionária e antidemocrática da oposição representada pelo lacerdismo, o militarismo ditatorial, os latifundiários, a Igreja conservadora, a imprensa ligada ao poder econômico e as correntes direitistas do Congresso”. “Entre o radicalismo demagógico e o radicalismo reacionário, procurei traçar uma linha de moderação e de progresso.”[28]

“Arrastado mais pelos acontecimentos do que pela vontade”, iria se envolver na “revolução que se aproximava” (ou seja, o golpe militar). “Nas primeiras horas da revolução vitoriosa”, preparou um “projeto de resolução do Congresso pelo qual este concederia plenos poderes ao comando revolucionário”, de modo que o Congresso não perdesse o protagonismo sob o novo regime, mas o projeto foi rejeitado. Teve de enfrentar uma tentativa malograda de cassarem seu mandato de senador.[29] Redigiu um estudo, enviado ao presidente Castelo Branco, intitulado “Sugestões para a reforma política e os meios de obtê-la”, num “esforço, final e desesperado, de convencimento para que se voltasse ao regime parlamentar.”[30]

Com a decretação do Ato Institucional no 2 de 27 de outubro de 1965, concedendo poderes ditatoriais ao governo militar, Afonso Arinos proferiu um dos “mais violentos discursos por mim pronunciados no Senado”, criticando a marcha dos acontecimentos.[31]

O governo militar acabou concluindo que não dava mais para “fingir” que a Constituição de 1946 continuava em vigor, de modo que criou uma comissão para preparar o anteprojeto de uma Constituição nova, segundo o autor “o pior projeto de toda a história constitucional brasileira”.[32] Daniel Krieger solicitou a Afonso Arinos que lesse o anteprojeto e desse sugestões antes que tramitasse no Congresso. Este fez uma série de discursos no Senado criticando o projeto, “como despedida do meu mandato parlamentar”. “Minha atuação parlamentar cobriu toda a vida da Constituição de 1946. Foram vinte anos de luta para quase nada, para voltarmos, em piores condições, ao simulacro de democracia.” Mas “terminei minha passagem pelo Congresso tal como a iniciei: lutando.” [33] Com a repercussão desses discursos, recebeu a incumbência de redigir o capítulo dos direitos e garantias individuais da Constituição nova, “a trincheira que ainda defende as liberdades do povo diante do poder”.[34]

No seu último discurso do Senado, tentou mais uma vez, sem êxito, emplacar o sistema parlamentarista.[35]

Recepção da obra

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Na página 2 do Suplemento Dominical do Jornal do Comércio de 13 de abril de 1969, o ensaísta e cronista Luiz Delgado escreveu uma resenha do livro intitulada “O livro de um humanista” que começa com este parágrafo:

Com o “Planalto”, terceiro volume de suas memórias pessoais, o sr. Afonso Arinos de Melo Franco não apenas completa mas, na verdade, coroa uma obra de excelente e raro mérito em nossas letras. Mesmo porque é uma obra desenvolvida com igual superioridade como em dois planos – um, de testemunho social e político, e o outro, de íntima reflexão. Parecem falar alternadamente, de página em página, ora o parlamentar e diplomata, ora o poeta. E no modo de encarar e sentir ambos esses universos, reflete-se um tipo de formação espiritual que terá ocorrido em certa geração brasileira e que se vai fazendo raro, quando não inviável.[36]

Passagens notáveis

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Sobre o aniquilamento final do ser humano Afonso Arinos escreveu, em ..., esta reflexão:

Eu sempre pensava no fato de as árvores, organismos elementares, gozarem do privilégio do rejuvenescimento anual, enquanto que nós marchamos, sem retornos temporários, para o aniquilamento. Mas, de repente, ao ver a comerciária e o estudante enlaçados [durante um passeio em Paris], percebi que o renascimento humano está na sucessão das gerações. Nós somos como as folhas, que vão amarelando e caindo, enquanto novas folhas surgem, na renovação incessante do amor. Feita esta descoberta consoladora, eu, folha humana amarelada, em caminho de se desprender do tronco da vida, sorri sem inveja para a primavera parisiense.[37]

Sobre o combate ao comunismo:

A defesa de um país contra o comunismo em favor da democracia, não se faz, a meu ver, através de esquemas arbitrários ou policiais. Ela se faz através do revigoramento da democracia no seu conteúdo humano, quero dizer, social, quero dizer, a eliminação da miséria, quero dizer, a eliminação da injustiça, quero dizer, a eliminação das desigualdades intoleráveis, quero dizer, as possibilidades de dignidade para todos os homens que habitam um determinado território nacional.[38]

Sobre as leituras filosóficas e religiosas:

As leituras filosóficas e religiosas podem parecer supérfluas aos espíritos desavisados pela sua abstração e generalidade. Talvez supérfluas não seja bem o termo; os espíritos presos ao contingente desdenham as consideradas inatuais. Mas acontece que a atualidade é, por sua natureza, fugaz, e os assuntos a ela conexos ligam-se aos problemas imediatos do homem. Toda a parte essencial do ser humano parece depender mais das razões da vida, campo da filosofia, e das consequências da morte, campo da religião. Pelo menos a preocupação com estes assuntos aparece sempre que se atenua a escravidão do cotidiano.[39]

Referências

  1. Afonso Arinos, filho, "As memórias de Afonso Arinos", prefácio de A Alma do Tempo, Editora Topbooks, 2018, p.11. Essa ação é detalhada na obra Diplomacia Independente - Um Legado de Afonso Arinos do próprio Afonso Arinos, filho.
  2. Idem.
  3. Idem, p. 12. De fato, as sucessivas crises do sistema presidencialista brasileiro, culminando com a implantação de um regime autoritário em 1964, e a breve experiência parlamentarista após a renúncia de Jânio Quadros, fracassada não devido a defeitos intrínsecos a esse sistema, mas porque foi solapada pelos políticos, levaram o autor a crer que somente o sistema parlamentarista conseguiria trazer estabilidade à condução de nossa política.
  4. Afonso Arinos de Melo Franco, A Alma do Tempo, Editora Topbooks, 2019, p. 1431.
  5. Idem, p. 1087.
  6. Págs. 1110-11.
  7. Pág. 1119.
  8. Pág. 1127.
  9. Pág. 1129.
  10. Pág. 1178 ss.
  11. Ver p. 1208.
  12. Pág. 1218.
  13. Págs. 1231 ss.
  14. Ver “A Morte Estranha de Guimarães Rosa (Texto de Afonso Arinos de Melo Franco)” no blog Sopa no Mel.
  15. Pág. 1253.
  16. Pág. 1283 ss.
  17. Págs. 1287-88, 1290.
  18. Pág. 1291.
  19. Pág. 1296.
  20. Pág. 1297.
  21. Págs. 1333, 1343.
  22. Pág. 1357.
  23. Pág. 1358.
  24. 1364
  25. Pág. 1371.
  26. Pág. 1375.
  27. Pág. 1379.
  28. Págs. 1400-1.
  29. Pág. 1404-5.
  30. Págs. 1408-9.
  31. Págs. 1412-13.
  32. Págs. 1414-15.
  33. Págs. 1418-19.
  34. Pág. 1424.
  35. Págs. 1425-28.
  36. «Página 2 do Suplemento Dominical do Jornal do Comércio de 13 de abril de 1969». Consultado em 19 de setembro de 2024 
  37. Pág. 1143.
  38. Pág. 1204.
  39. Págs. 1229-30.