Primicério
Primicério (em grego: πριμ(μ)ικήριος; romaniz.: prim(m)ikērios; em latim: primicerius) foi um título do Império Romano Tardio e Império Bizantino para os chefes dos serviços administrativos, militares e civis e também de várias faculdades eclesiásticas. Etimologicamente o termo deriva de primus em cera, ou seja, o primeiro nome em uma lista de classe de oficiais, que normalmente era inscrito em uma tabuleta encerada (tabula cerata).[1] O título foi concedido a oficiais da corte, em combinação combinação com outros serviços ligados ao imperador, como o tesouro privado (em grego: ειδικών; romaniz.: eidikon) ou o guarda-roupa imperial (vestiário; em grego: βεστιάριον; romaniz.: vestiarion). Outros primicérios chefiavam alguns dos gabinetes (scrinia) do palácio, principalmente os notários/tabulários (em grego: νοτάριοι/ταβουλάριοι; romaniz.: notarioi/taboularioi em fontes bizantinas).[2]
Uso civil e militar
editarDe sua origem no período do Dominato houve vários primicérios (em grego: πριμικέριοι; romaniz.: primikērioi; no século XII geralmente soletrado primmikērioi). Remonta ao reinado de Constantino, o Grande (r. 306–337) e durante Valentiniano I (r. 364–375) tornou-se um posto tão elevado quanto o dos vigários (vicarii) das dioceses e subsequentemente foi elegível para postos senatoriais.[3] Os excetores (exceptors), funcionários ligados a todos os gabinetes e tribunais e requeridos em todas as reuniões municipais das cúrias, e os tabeliães (tabelliones), que tratavam de assuntos particulares como testamentos e contratos sem algum ofício público, eram agrupados em agremiações (collegia, scholae) chefiadas por um primicério.[4] Em associações de artesãos e mercantes, por exemplo, o primicério as conduziu vigiando a manutenção de estatutos e representando-as em relação para com o Estado, tendo estas pagado tributo por tal privilégio.[5] A agremiação dos notários era gerida pelo primicério dos notários (primicerius notariorum) que tinha a função de manter a lista de titulares dos postos seniores da corte (Notitia Dignitatum), bem como emitir seus aditamentos de nomeação.[6][3] As fontes afirmam que ele foi o chefe de todas as associações de fabricantes de seda, embora estas por vezes o confundam com o superintendente da feitoria da seda imperial.[7]
O conde das sagradas liberalidades (comes sacrarum largitionum), que durante Constantino, o Grande havia substituído os questores assim como outros ofícios, era o tesoureiro sênior do império e administrava o erário de Saturno (aerarium Saturni; o tesouro público). Sua administração foi dividida em dois ofícios, os gabinetes, que eram geridos por um primicério ou chefe dos gabinetes (magister scrinii).[8] Outro oficial sênior, o conde da fortuna privada (comes rerum privatarum), que atuava como gerenciador do fisco (fiscus; o tesouro particular do imperador), supervisionava o primicério dos ofícios (primicerius officii) que comandava quatro outros ofícios: gabinete dos beneficiários (scrinium beneficiorum; geria os presentes e concessões de privilégios), gabinete dos cânones (scrinium canonum; recebia o aluguel dos fazendeiros das terras do imperador), gabinete das seguridades (scrinium securitatum; controlava as receitas e duplicatas daqueles que pegavam dinheiro do fisco) e gabinete dos pagamentos privados (scrinium largitionum privatarum; mantinha os registros de donativos ao fisco e os salários pagos aos funcionário relacionados ao mesmo).[9]
Nas corte romana e bizantina o primicério do cubículo sagrado (primicerius sacri cubiculi; em grego: πριμικήριος τῶν κουβουκλείου; romaniz.: primikērios ton kouboukleion), um subordinado do prepósito do cubículo sagrado, era o encarregado dos aposentos do imperador e chefe de todos os serventes do mesmo,[10] sendo habitualmente um eunuco. Devido a sua importância mantinha-se na quarta posição na lista de oficiais do império, estando atrás apenas dos prefeitos pretorianos, prefeitos urbanos e do mestre dos soldados (magister militum).[11] O conde castrense (comes cantrensis), outro subordinado do prepósito, que atuava como mantenedor do palácio imperial, era supervisor do primicério dos armazéns (primicerius calloriorum), superior de todos os empregados das cozinhas e escritórios, o primicério dos lampadários (primicerius lampadariorum), líder daqueles encarregados das luzes do palácio, o primicério dos pedagógicos (primicerius pedagogiorum), chefe dos jovens pajens do palácio, e o primicério dos medidores (primicerius mensorum), que era incumbido de viajar antes do imperador para preparar seu caminho e o local onde pararia.[12]
No exercito, o uso do termo também foi restrito as unidades associadas à corte imperial, principalmente guardas imperiais. Assim, do século IV ao VI houve primicérios dos protetores domésticos e das escolas palatinas. Nos registros da reconquista da cidade de Bari pelos bizantinos em 25 de dezembro de 876, menciona-se o oficial Gregório que adquirira o título de primicério imperial protoespatário e bajulo (primicerius imperialis protospatharios et bajulus).[13] No período Comneno, os primicérios apareceram como comandantes dos regimentos palacianos dos manglabitas, vardariotas, vestiaritas e varegues. No final do século XI, a dignidade de grande primicério (em grego: μέγας πριμ(μ)ικέριος; romaniz.: megas prim(m)ikērios) foi criada, sendo classificada dentro do alto escalão hierárquico da corte no período Paleólogo, funcionando como chefe de cerimônias. Primicérios permaneceram sendo citados no Império Bizantino e no Despotado da Moreia até a conquista de ambos pelos otomanos no século XV.[2]
Uso eclesiástico
editarNa Igreja Romana o primicério, junto com o ofício de secundicério (secundicerius), eram os mais altos ofícios do palácio papal e atuavam como juízes de todos os ofícios subordinados. Seus titulares eram então conselheiros do papa, bem como seus ministros-chefe. O primicério em particular era o chefe da chancelaria e biblioteca papal[14] e a ele ainda havia a função de ratificar todas as cartas e documentos provenientes dos escriniários (scriniarii), os secretários do pontífice.[15] Estes tinham os privilégios de durante o canto matinal serem chamados para a oitava lição e, durante um coro, podiam sentar-se junto dos bispos.[16] Isidoro de Sevilha trata das obrigações dos primicérios dos clérigos mais baixos em sua "Epístola para Ludefredo" (Epistola ad Ludefredum). A partir desta posição o primicério também derivou certos poderes no sentido das funções litúrgicas.[1]
A partir do primicério, novos títulos como o primicério do colégio de cantores (primicerius scholae cantorum), primicério dos defensores (primicerius defensorum; o chefe dos sete defensores regionais, defensores regionarii) e o primicério dos notários, copiado no século VI de seu original romano, foram criados.[16] Este último era o chefe dos sete notários regionais (notarii regionarii),[17] tendo equivalência com o título de arquidiácono (em italiano: arcidiacono vel primicerio) em certas catedrais, de reitor em certos mosteiros e colegiados[18] e de precentor, ou seja, o mestre do coro.[19] Durante o período de vacância o primicério dos notários, juntamente com o arquidiácono e o arquipresbítero, era incumbido de preparar a eleição do sucessor papal;[20] durante o papado bizantino estes clérigos enviavam ao exarca de Ravena uma notificação acerca da morte do papa e esta então era encaminhada para o imperador.[21]
Referências
- ↑ a b «Primicerius» (em inglês). Consultado em 18 de fevereiro de 2013
- ↑ a b Kazhdan 1991, p. 1719-1720.
- ↑ a b Salway 2001, p. 262.
- ↑ Kleinhenz 2004, p. 780.
- ↑ Gregorovius 2010, p. 424.
- ↑ Cameron 1998, p. 163.
- ↑ Postan 1987, p. 159.
- ↑ Guizot 1856, p. 409.
- ↑ Guizot 1856, p. 411.
- ↑ Guizot 1856, p. 407.
- ↑ Cameron 1998, p. 351.
- ↑ Guizot 1853, p. 204.
- ↑ Bloch 1986, p. 6.
- ↑ Ekonomou 2007, p. 133.
- ↑ Gregorovius 2010, p. 442.
- ↑ a b Miley 1850, p. 448-449.
- ↑ Okwuru 2012, p. 44.
- ↑ Vauchez 2000, p. 1184.
- ↑ Weiss 2010, p. 344.
- ↑ Okwuru 2012, p. 46.
- ↑ Gregorovius 2010, p. 117.
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Primicerius», especificamente desta versão.
Bibliografia
editar- Bloch, Herbert (1986). Monte Cassino in the Middle Ages. 2. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press
- Cameron, Averil; Peter Garnsey (1998). The Cambridge Ancient History. 13. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 0521302005
- Ekonomou, Andrew J. (2007). Byzantine Rome and the Greek Popes. Eastern Influences on Rome and the Papacy from Gregory the Great to Zacharias, 590-752 A.d, Partes 590-752. Lanham, Marilândia, EUA: Lexington Books. ISBN 073911977X
- Gregorovius, Ferdinand; Annie Hamilton (2010). History of the City of Rome in the Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 1108015018
- Guizot, François Pierre Guillaume (1856). The history of civilization. From the Fall of the Roman Empire to the French Revolution. 2. Londres: H. G. Bohn
- Guizot, François Pierre Guillaume (1853). The history of civilization. From the Fall of the Roman Empire to the French Revolution. 3. Londres: H. G. Bohn
- Kazhdan, Alexander Petrovich (1991). The Oxford Dictionary of Byzantium. Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press. ISBN 0-19-504652-8
- Kleinhenz, Christopher (2004). Medieval Italy: An Encyclopedia. 2. Londres: Routledge. ISBN 0415939313
- Miley, John (1850). The history of the Papal States: from their origin to the present day. Londres: T. C. Newby
- Okwuru, Christian Onyems Smmm (2012). The Responsibilities and Significance of the "Congregatio Pro Clericis" in the Life and Ministry of the Diocesan Clergy. Bloomington, Indiana, EUA: Xlibris Corporation. ISBN 1477158626
- Postan, Michael Moïssey; Edward Miller (1987). Cambridge Economic History of Europe: Trade and Industry in the Middle Ages. Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 0521087090
- Salway, Peter (2001). History of Roman Britain. Oxford: Oxford University Press. ISBN 0192801384
- Vauchez, André; Richard Barrie Dobson; Michael Lapidge (2000). Encyclopedia of the Middle Ages. 1. Londres: Routledge. ISBN 1579582826
- Weiss, Susan Forscher; Russell E. Murray, Jr.; Cynthia J. Cyrus (2010). Music Education in the Middle Ages and the Renaissance. Bloomington, Indiana: Indiana University Press. ISBN 0253004551