Profissionalização militar

Nas forças armadas, a profissionalização é o processo pelo qual os militares, especialmente o oficialato, tornam-se agentes do Estado organizados hierarquicamente e dedicados a transformar o conhecimento científico em expertise militar, empregando mecanismos como a seleção, educação, treinamento e promoção para garantir que seus esforços sirvam a um fim social. Assim, as instituições militares adquirem formas burocráticas e modernas, em termos weberianos. A abordagem sociológica de Samuel P. Huntington definiu três características do oficialato profissional: a expertise militar (habilidade técnica na sua função peculiar, a administração da violência), responsabilidade social (os ganhos financeiros não são a principal meta da carreira) e corporatividade (sensação de unidade orgânica e autoconsciência). Para Huntington, o profissionalismo é o que distingue o oficial moderno dos antigos guerreiros. Morris Janowitz [en] distingue dois processos, a burocratização e especialização.[1][2]

Militares da Marinha dos Estados Unidos durante um exame formal para definir suas possibilidades de progresso na carreira

A profissão dos oficiais tem características em comum com o “modelo sociológico ideal” de profissão, como o monopólio sobre o conhecimento, uma educação longa e formal, senso de conformidade e dedicação de tempo integral, mas na realidade o oficialato é ao mesmo tempo uma profissão, definida pela hierarquia de patentes, e uma organização burocrática, definida pela hierarquia de cargos. Sua estrutura corporativa inclui a burocracia oficial e também sua sociedade, associações, escolas, publicações, costumes e tradições. O trabalho é feito longe da sociedade.[1][3]

A profissionalização tende a tornar os militares mais leais ao Estado, seja respeitando o processo democrático ou obedecendo a um regime autoritário. A burocracia racional dos militares profissionais torna-os ferramentas mais úteis aos objetivos do Estado, como a extração de recursos, defesa de território, imposição de segurança e autoridade e projeção de poder. Entretanto, a profissionalização é um processo dispendioso e politicamente arriscado. Os fatores que facilitam o processo são a divisão do trabalho, urbanização, expansão do capital humano e a derrota grave na guerra.[2]

A força militar profissional pode também ser definida como aquela formada pelo serviço militar voluntário, ao contrário das forças à base de conscritos, que servem por muito pouco tempo.[4] Ainda assim, uma força à base de conscritos tem um núcleo de pessoal permanente, composto principalmente dos oficiais.[5]

No Exército Brasileiro a profissionalização começou a aumentar por volta de 1850. Até então o Exército era pouco institucionalizado e dependia de favores privados e da nomeação patrimonialista aos comandos. Inspirados nos exércitos modernos da Europa, os oficiais formalizaram em leis e regulamentos os critérios de promoção, que passaram a exigir a formação escolar em cursos preparatórios. Ainda assim, tais critérios de mérito não anulavam os fatores de clientelismo e favoritismo na promoção (“um capital simbólico associado às atividades militares, uma extensa rede de relações pessoais, proximidade às esferas burocrática e política”).[6] Uma distinção emergiu entre os “bacharéis de farda”, oficiais com formação acadêmica, e os “tarimbeiros”, mas o ensino tinha teor cientificista-civil e os militares resultantes não eram “militarizados”. A formação dos oficiais começou a transmitir a técnica militar moderna na Escola Militar do Realengo, a partir de 1913. A profissionalização no Exército Brasileiro não afastou os militares da política e teve relação com revoltas como o tenentismo.[7]

Referências

  1. a b Rodrigues, Fernando da Silva (2008). Uma carreira: as formas de acesso à Escola de Formação de Oficiais do Exército Brasileiro no período de 1905 a 1946 (PDF) (Doutorado em História Política). Rio de Janeiro: UERJ. Cópia arquivada (PDF) em 15 de novembro de 2022 . p. 39-41.
  2. a b Toronto, Nathan W. (2007). Why war is not enough: military defeat, the division of labor, and military professionalization (Doutorado em Ciência Política). Ohio State University 
  3. Harris-Jenkins, Gwyn (1990). «The concept of military professionalism». Defense Analysis. 6 (2). doi:10.1080/07430179008405441 
  4. Pedrosa, Fernando Velôzo Gomes (2018). Modernização e reestruturação do Exército brasileiro (1960-1980) (Doutorado em História). Rio de Janeiro: UFRJ . p. 121.
  5. Ferreira, Bruno Torquato Silva (2014). "Cidadãos, às armas!": a introdução do sorteio militar no estado de Mato Grosso (1908-1932) (PDF) (Doutorado em História). Curitiba: UFPR. Cópia arquivada (PDF) em 7 de maio de 2022 . p. 65.
  6. Seidl, Ernesto (1999). A espada como vocação: padrões de recrutamento e de seleção das elites do Exército no Rio Grande do Sul (1850-1930) (PDF) (Mestrado em Ciência Política). Porto Alegre: UFRGS . p. 165-168.
  7. Morais, Ronaldo Queiroz de (setembro–dezembro de 2013). «O estrondo da modernidade no Exército: as reformas curriculares e as revoltas militares na Primeira República». Contexto & Educação (91): 149-176