Relações entre Egito e Líbia


Depois que ambos os países vizinhos - o Egito e a Líbia - se tornaram independentes no início de 1950, as relações entre Egito e Líbia foram inicialmente cooperativas. A Líbia prestou assistência ao Egito na guerra árabe-israelense de 1973. Mais tarde, tensões surgiram devido à aproximação do Egito com o Ocidente.[1] Depois da Guerra Líbia-Egito de 1977, as relações foram suspensas durante 12 anos.[2] No entanto, desde 1989 as relações têm vindo a melhorar. Com a levantamento progressivo das sanções da ONU e dos Estados Unidos contra a Líbia a partir de 2003-2008, os dois países vêm trabalhando juntos para desenvolver as suas indústrias de petróleo e gás natural.[3]

Relações entre Líbia e Egito
Bandeira da Líbia   Bandeira do Egito
Mapa indicando localização da Líbia e do Egito.
Mapa indicando localização da Líbia e do Egito.
  Líbia
  Egito

História

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Um líbio, um núbio, um sírio e um egípcio; desenho de um artista desconhecido depois de um mural do túmulo de Seti I.

O Egito e a Líbia têm relações históricas que datam de milhares de anos. A XXIII dinastia egípcia foi um regime de reis líbios Meshweshque que governaram o Alto Egito entre 880 e 734 a.C.[4] Os gregos estabeleceram colônias em ambos os países como Cirene, na Líbia, e Alexandria, no Egito. De 305 a.C. a 30 a.C., o leste da Líbia (Cirenaica) e o norte do Egito foram governados pelos gregos ptolemaicos. Mais tarde, Cirenaica e Egito romano se tornaram províncias do Império Romano.[5]

Egito, Cirenaica e Tripolitânia (oeste da Líbia) foram conquistados pelos árabes do Califado Ortodoxo entre 639 e 644. Por vezes, a Tripolitânia foi efetivamente independente do Egito, como durante o período da dinastia Aglábidas entre 800 e 909, enquanto em outros momentos os dois países foram unidos, como sob o Califado Fatímida entre 909 e 1171 O Egito se tornou parte do Império Otomano em 1517 e Trípoli o seguiu em 1555. No entanto, ambos os países tinham uma autonomia considerável.[6]

 
Egito e Líbia: Mapa da área da Batalha no Deserto Ocidental, 1941
 
Muammar Gaddafi com Gamal Abdel Nasser, 1969

A partir de 1882, o Egito foi nominalmente independente, mas efetivamente sob o controle da Grã-Bretanha, enquanto a Itália invadiu e ocupou a Líbia em 1912. A fronteira entre a Líbia e o Egito foi cenário de batalhas entre os britânicos e as forças aliadas alemãs e italianas durante a Segunda Guerra Mundial, que culminou na Segunda Batalha de El Alamein, em outubro-novembro 1942, o que finalmente eliminou a ameaça para os britânicos no Egito e levou à expulsão da Itália da Líbia.[7]

A Líbia declarou sua independência como o Reino da Líbia em dezembro de 1951 sob o reinado de Idris I. Em 1969, um jovem oficial chamado Muammar Gaddafi liderou um golpe de Estado que derrubou a monarquia do Rei Idris.[8] A partir de então, Gaddafi governou a Líbia por 42 anos até que a Guerra Civil Líbia levou à sua morte e à derrubada do seu governo.

O Egito conquistou a independência após a Revolução Egípcia de 1952. O líder deste movimento, Gamal Abdel Nasser, tornou-se o segundo presidente da República do Egito em 1956, mantendo o poder até sua morte em 1970. Anwar Sadat sucedeu Nasser, e após o seu assassinato, em 1981, foi sucedido como quarto presidente por Hosni Mubarak, que permaneceu no poder até a Revolução Egípcia de 2011.

Elementos do relacionamento

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O presidente egípcio Gamal Abdel Nasser com o rei Idris I da Líbia.

O Egito tem uma população grande e crescente estimada em 83 milhões em julho de 2009, mas dispõe de recursos limitados.[9] Com uma população muito menor - 6,3 milhões em 2009 - a Líbia é rica em petróleo e gás natural.[10]

Nasser seguiu uma política de não-alinhamento durante a Guerra Fria e aceitou a ajuda da URSS, nomeadamente com o projeto da Represa de Assuã. No entanto, após a Guerra do Yom Kippur de 1973, o Egito adotou uma postura pró-ocidental em troca da devolução do Sinai, com seus campos de petróleo, e por injeções maciças de ajuda.[11]

Gaddafi seguiu uma política mais radical, incluindo suporte para o pan-arabismo. Em 1972, ele propôs uma Federação das Repúblicas Árabes consistindo na Líbia, Egito e Síria, discretamente abandonada em 1977.[12] Gaddafi prestou uma valiosa assistência para as nações africanas pós-coloniais emergentes, mas também apoiou ataques terroristas nos países ocidentais e Israel.[13] O perigo iminente das políticas anti-ocidentais e o apoio ao terrorismo de Gaddafi conduziu ao bombardeio da Líbia por forças dos Estados Unidos em 1986. Após o envolvimento da Líbia na queda do voo 103 da Pan Am em Lockerbie, na Escócia, e quando se tornou evidente que a Líbia estava tentando adquirir tecnologia nuclear, a Europa e os Estados Unidos impuseram sanções cada vez mais apertadas.

Isolado e vulnerável após a derrubada de Saddam Hussein pelas forças estadunidenses em 2003, Gaddafi executou uma reviravolta, renunciando apoio ao terrorismo e ao uso de armas de destruição em massa.[8] A partir de então, as relações entre o Egito e a Líbia tornaram-se mais abertas e existiu uma crescente cooperação política e econômica.[3]

Cooperação e conflito militar

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Guerra do Yom Kippur de 1973. Após o cessar-fogo, Israel perdeu território a leste do Canal de Suez (vermelho), mas ganhou território a oeste do canal (marrom)

Guerra de Outubro de 1973 com Israel

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Depois que Kadafi tomou o poder em 1969, ele rapidamente começou a usar os rendimentos do petróleo para construir as forças armadas líbias, na compra de jatos Mirage III e outros equipamentos da França. Muitos dos combatentes foram discretamente transferidos para o Egito, onde os pilotos egípcios estavam a treinar em preparação para um novo ataque contra Israel para recuperar territórios perdidos em 1967 na Guerra dos Seis Dias.[14] O ataque egípcio com o apoio de uma brigada blindada e dois esquadrões de caças Mirage III da Líbia (um esquadrão pilotado pelos egípcios) foi empreendido em 6 de outubro de 1973. No entanto, apesar do êxito inicial os israelenses rapidamente mudaram da defesa para o ataque, e depois de três semanas um cessar-fogo foi acordado.[15] Nas negociações posteriores para alcançar um acordo duradouro com Israel e para recuperar o Sinai, o Egito sob Sadat moveu-se decisivamente para do lado ocidental na Guerra Fria, uma mudança de política que foi vista como uma traição por muitos países árabes, incluindo a Líbia.[1][16]

Deterioração das relações: 1973-1977

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Após a Guerra de Outubro, Sadat inaugurou uma política de acomodação com o governo israelense, o que incluiu ir à conferência de paz convocada em Genebra, em dezembro de 1973, juntamente com representantes dos Estados Unidos e da União Soviética. A resposta da Líbia para a conferência de Genebra foi negativa, encarando-a como contra-produtiva para a unidade árabe.[16]

Guerra entre Líbia e Egito em 1977

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 Ver artigo principal: Guerra Líbia-Egito

Após ascensão das tensões diplomáticas em junho de 1977, Muammar Gaddafi ordenou que os 225 mil egípcios na Líbia abandonassem o país. Ele acusou o Egito de planejar tomar os campos de petróleo da Líbia. Em julho de 1977, várias batalhas ocorreram na fronteira, e aeronaves líbias foram destruídas por um ataque egípcio. Depois de quatro dias de combates com pesadas perdas para ambos os lados, os dois países concordaram com um cessar-fogo, a pedido do presidente da Argélia[17] Embora a Líbia reivindicasse "vitória", a perda dos trabalhadores egípcios foi prejudicial para a economia líbia.[18]

Contatos oficiais

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Depois da guerra de 1977, as relações se mostravam hostis por mais de uma década. Ainda em novembro de 1988, a Líbia afirmou que não retomaria as relações diplomáticas com o Egito, enquanto os egípcios tivessem relações com Israel.[19] No entanto, em outubro de 1989, Gaddafi visitou o Egito pela primeira vez em 16 anos. Em março de 1990, Hosni Mubarak e o presidente Hafez al-Assad da Síria se reuniram com Muammar Gaddafi na Líbia. Até o final de 1990, as relações entre a Líbia e o Egito foram excelentes.[2][20] Em março de 1991, as autoridades egípcias pediram ao governo dos Estados Unidos para que revissem a sua política de linha dura em relação à Líbia.[21] Em novembro de 1991, durante uma visita ao Egito para conversações com o presidente Hosni Mubarak, Gaddafi negou as acusações de que seu país estava envolvido no atentado ao Pan Am Flight 103 de 1988.[22]

As diferenças políticas revigoraram entre a Líbia e o Egito em 1995. Gaddafi criticou os esforços do Egito para promover as relações econômicas entre Israel e seus vizinhos árabes, e afirmou que o Egito não estava fazendo o suficiente para apoiar a remoção das sanções contra a Líbia. No segundo semestre de 1995, a Líbia novamente expulsou os trabalhadores egípcios, e também começou a expulsar 30 mil trabalhadores palestinos em retaliação à OLP ter feito as pazes com Israel.[23][24]

Apesar dessas tensões e a pressão dos Estados Unidos para isolar ainda mais a Líbia, o Egito manteve contato. Em julho de 1998, Mubarak voou para a Líbia para se reunir com Muammar Gaddafi, que estava se recuperando de uma operação no quadril.[25] Em julho de 2000, tanto a Líbia como o Egito concordaram em trabalhar com o Carter Center de Atlanta para ajudar na mediação entre o Sudão e o Uganda sobre acusações acerca do apoio a movimentos rebeldes nesses países.[26]

A disputa irrompeu em janeiro de 2004 durante críticas da imprensa egípcia pela recusa da Líbia de parar os esforços para desenvolver armas de destruição em massa, levando a restrições de viagens entre os países. A contenda foi de curta duração, e depois de reuniões de alto nível diplomático, as relações rapidamente voltaram ao normal e as restrições foram suspensas.[27] Tanto o Egito como a Líbia beneficiaram 350 mil egípcios que trabalham na Líbia.[28]

Em uma reunião de agosto de 2005, em Sirte, na Líbia, Hosni Mubarak e Abdelaziz Bouteflika da Argélia proclamaram as excelentes relações entre os dois países e com a Líbia.[29] Em maio de 2006, durante uma visita a Trípoli pelo presidente do Sudão, Omar al-Bashir, a Líbia propôs uma união tripartite da Líbia, Sudão e Egito. O sudanês prometeu dar seu respectivo ponto de vista, depois de estudar o projeto de Constituição apresentado pela Líbia.[30] Em outubro de 2006, os ministros das Relações Exteriores do Egito e da Líbia se reunião no Cairo deram o seu apoio ao governo sudanês sobre sua disputa com a Organização das Nações Unidas sobre as forças de manutenção de paz em Darfur.[31] Em janeiro de 2007, os líderes da Argélia, Egito, Líbia, Sudão e Tunísia se reuniram na Líbia para discutir sobre questões árabes e africanas.[32]

Ainda existem diferenças entre os dois países sobre o conflito Israel-Palestina. Em dezembro de 2008, o Egito impediu um avião líbio transportando ajuda para Gaza de pousar no Aeroporto Internacional de El Arish, no Egito.[33]

Referências

  1. a b Rabinovich, Abraham (2004) [2005]. The Yom Kippur War: The Epic Encounter That Transformed the Middle East. New York, NY: Schocken Books. ISBN 0-8052-4176-0 
  2. a b «Egyptian and Syrian Leaders Meet With Qaddafi in Libya». New York Times. 25 de março de 1990 
  3. a b «Mubarak discusses issues of peace, Darfur, economic cooperation in four important meetings». Egyptian State Information Service. 27 de abril de 2009 [ligação inativa]
  4. «Brief History & Prehistory of Libya». Temehu 
  5. Charles Freeman (2004). Egypt, Greece and Rome: Civilizations of the Ancient Mediterranean. [S.l.]: Oxford University Press. ISBN 0-19-926364-7 
  6. Jason Thompson (2008). A History of Egypt: From Earliest Times to the Present. [S.l.]: American University in Cairo Press. ISBN 977-416-091-6 
  7. «WESTERN DESERT CAMPAIGN: EGYPT AND LIBYA». United States Holocaust Memorial Museum 
  8. a b Geoffrey Leslie Simons (1993). Libya: the struggle for survival. [S.l.]: Palgrave Macmillan. ISBN 0-312-08997-X 
  9. «Egypt». CIA World Factbook 
  10. «Libya». CIA World Factbook 
  11. Daniel Yergin (1992). The prize: the epic quest for oil, money, and power. [S.l.]: Simon & Schuster. ISBN 0-671-79932-0 
  12. Itamar Rabinovich, Haim Shaked (1978). From June to October: the Middle East between 1967 and 1973. [S.l.]: Transaction Publishers. ISBN 0-87855-230-8 
  13. «Analysis: Lockerbie's long road». BBC News. 31 de janeiro de 2001 
  14. Wiley (US Interest Section in Cairo) to Department of State, April 20, 1973
  15. «Libya & Egypt, 1971-1979». Air Combat Information Group. 13 de novembro de 2003 
  16. a b Josif (US Embassy in Tripoli) to Department of State, December 12, 1973
  17. «Egyptian-Libyan War 1977». OnWar 
  18. «EGYPT-LIBYA: Prisoner Exchange». CIA. 25 de agosto de 1977 
  19. «Libya Spurns Ties to Egypt». Los Angeles Times. 26 de novembro de 1988 
  20. Ronald Bruce St. John (2002). Libya and the United States: two centuries of strife. [S.l.]: University of Pennsylvania Press. p. 163ff. ISBN 0-8122-3672-6 
  21. Schmidt, William E. (6 de março de 1991). «AFTER THE WAR: Libya; WARM TO QADDAFI, EGYPT ADVISES U.S.». New York Times 
  22. «Qaddafi Scoffs at Demands for Bombing Suspects». New York Times. 29 de novembro de 1991 
  23. The Middle East and North Africa 2003. [S.l.]: Routledge. 2003. p. 771ff. ISBN 1-85743-132-4 
  24. «Arafat and Mubarak Meet on Expulsions». New York Times. 13 de setembro de 1995 
  25. «Last flight to Libya». Al Ahram Weekly. 22 de julho de 1998 
  26. «Egypt, Libya to Join Uganda-Sudan Talks». People's Daily. 30 de julho de 2000 
  27. «Egypt says relations with Libya 'solid' as row eases». Creamer Media (Pty) Ltd. 22 de janeiro de 2004. Arquivado do original em 24 de dezembro de 2013 
  28. «Libya-Egypt rift resolved». Al-Ahram. 4 de fevereiro de 2004 
  29. «Leaders of Egypt, Libya and Algeria discuss regional developments, Arab summit». High Beam. Associated Press. 15 de agosto de 2005 
  30. «Libya Proposes Constitution for Unity with Sudan, Egypt». Darfur Information Center. 3 de junho de 2006 
  31. «Egypt, Libya discuss Sudan's Darfur crisis». Sudan Tribune. 12 de outubro de 2006 
  32. «ARAB LEADERS TO HOLD SUMMIT IN LIBYA NEXT WEEK». The Daily News (Egypt). 19 de janeiro de 2007 
  33. «Egypt Bars Libyan Plane Carrying Aid to Gaza from Landing in al-Arish Airport». IMEMC NEWS. 29 de dezembro de 2008