Revoluções de 1848

Série de convulsões políticas em toda a Europa em 1848

Dá-se o nome de Revoluções de 1848 ou Primavera dos Povos à série de revoluções na Europa Central e Oriental que eclodiram em função de regimes governamentais autocráticos, de crises econômicas, do aumento da condição financeira e da falta de representação política das classes médias e do nacionalismo despertado nas minorias da Europa central e oriental, que abalaram as monarquias da Europa, onde tinham fracassado as tentativas de reformas políticas e econômicas.

Barricada na rua Soufflot. O Panteão é mostrado em segundo plano.[1]
Horace Vernet, 1848
Reunião cartista em Kennington Common, 1848.
Fotografia criada com daguerreótipo e cores aplicadas posteriormente.

Este conjunto de revoluções, de caráter nacionalista, liberal, socialista[2] e democrático,[3] foi iniciado por uma crise econômica na França, e foi a onda revolucionária mais abrangente da Europa, embora em menos de um ano, forças reacionárias tenham retomado o controle e as revoluções em cada nação tenham sido dissipadas. Ao direcionar seu governo para interesses da Burguesia, Luís Felipe despertou a oposição da população mais pobre, dos republicanos e também dos socialistas, grupo que se fortalecia cada vez mais na Europa. O primeiro presidente eleito para esse cargo foi Luís Bonaparte, sobrinho do imperador Napoleão Bonaparte. Pouco antes do final de seu mandato, em 1851, Luís Bonaparte deu um golpe de estado e implantou o Segundo Império. Cerca de 50 países foram afetados, embora as revoluções fossem locais e não houvesse uma coordenação entre elas. Os levantes foram liderados por uma mistura de reformadores, de membros da classe média e de trabalhadores, que não se mantiveram unidos por muito tempo.

As mudanças significantes que duraram após esses levantes foram a abolição da servidão no Império Austríaco e no Reino da Hungria, o fim do absolutismo monárquico na Dinamarca e o fim definitivo da monarquia capetíngia na França. As revoluções foram mais importantes na França, Alemanha, Polônia, Itália e no Império Austríaco, mas não chegou a alcançar a Império Russo, Grã-Bretanha, Espanha, Suécia, Portugal ou o Império Otomano. A partir de 1845, a situação política francesa foi profundamente agravada pela eclosão de uma crise econômica devido a escassez de alimentos. Essa crise acabaria se estendendo por todo o continente e estaria na origem das revoluções liberais que abalaram a Europa Centro-Ocidental, no ano de 1848. Os anos de 1845 e 1846 foram de péssimas colheitas, desencadeando uma crise agrícola em todo o continente. A crise agrícola iniciou-se em Flandres e na Irlanda, com as péssimas colheitas de batatas. Na Europa Ocidental, a má colheita de trigo desencadeou em 1846 uma série de revoltas camponesas. Essa crise desencadeou uma alta vertiginosa do custo de vida, atirou à miséria grandes setores da população rural e reduziu drasticamente a sua capacidade de consumo de produtos manufaturados.

Por país ou região editar

Ver também: História_da_democracia#Revoluções_de_1848

França editar

 Ver artigo principal: Revolução francesa de 1848
 
Lamartine, em frente à Câmara Municipal de Paris, rejeita a bandeira vermelha em 25 de fevereiro de 1848
Henri Félix Emmanuel Philippoteaux

Denomina-se revolução francesa de 1848 aos eventos revolucionários que encerraram a Monarquia de Julho (1830-1848) e levaram à criação da Segunda República Francesa.

Após a queda do rei Luís Felipe em fevereiro de 1848, o governo eleito da Segunda República governou a França. Nos meses que se seguiram, esse governo se tornou mais conservador. Em 23 de junho de 1848, o povo de Paris entrou em insurreição,[4] que se tornou conhecida como Revoltas de Junho — uma rebelião sangrenta mas malsucedida pelos trabalhadores parisienses contra uma mudança conservadora no caminho da República. Em 2 de dezembro de 1848, Luís Napoleão foi eleito presidente da Segunda República, em grande parte com apoio camponês. Exatamente três anos depois, suspendeu a assembleia eleita, estabelecendo o Segundo Império Francês, que durou até 1870. Luís Napoleão passaria a se tornar o último monarca francês de facto.

A revolução de fevereiro estabeleceu o princípio do "direito ao trabalho", e seu governo recém-criado criou Oficinas Nacionais para os desempregados. Ao mesmo tempo, uma espécie de parlamento industrial foi estabelecido no Palácio do Luxemburgo, sob a presidência de Louis Blanc, com o objetivo de preparar um esquema para a organização do trabalho. Essas tensões entre liberalistas liberais e republicanos radicais e socialistas levaram às revoltas de junho.

Estados alemães editar

 
Revolta de 19 de março de 1848 em Berlim

As Revoluções de 1848 nos Estados alemães foram uma série de protestos coordenados e rebeliões nos estados da Confederação Germânica e no Império Austríaco. As revoluções salientaram o pangermanismo, enfatizaram o descontentamento popular com a tradicional estrutura autocrática dos 39 estados independentes da confederação, que haviam herdado o território alemão do Sacro Império Romano-Germânico.

Além disso, demonstraram o desejo popular para uma maior liberdade política, junto com políticas liberais, a liberdade de expressão, democracia e nacionalismo. Os elementos da classe média estavam preenchidos com princípios liberais, enquanto a classe trabalhadora buscou melhorias em suas condições de trabalho e de vida. No entanto, a classe média e os componentes da classe trabalhadora foram divididos durante a revolução, e no final, a aristocracia conservadora havia derrotado ambas as partes, forçando muitos liberais para o exílio.

Monarquia de Habsburgo editar

Áustria editar

A revolução no Império Austríaco foi favorecida pelo enfraquecimento da monarquia, pelo desenvolvimento de uma corrente liberal no seio da sociedade burguesa e aristocrática de Viena e pela reivindicação de um reconhecimento dos povos de idioma não germânico: poloneses, tchecos, romenos, croatas, italianos do norte e principalmente os húngaros, que dispunham de um governo semiautônomo.

O movimento austríaco contra o regime absolutista de Fernando I e seu braço-direito, o príncipe Klemens Wenzel von Metternich, que governava havia trinta anos, eclodiu em Viena com manifestações de rua e barricadas. No dia 13 de março de 1848, tumultos na Áustria liderados pela burguesia insuflaram a assembleia da Baixa Áustria a marchar para o palácio de Hofburg, obrigando o chanceler Metternich a fugir para a liberal Inglaterra. Foi formado um governo liberal, e a assembleia constituinte reunida em julho votou a abolição dos direitos feudais, conforme já ocorrera na Alemanha. O imperador Fernando I foi obrigado a aceitar uma constituição, o parlamentarismo e a emancipação do campesinato. O parlamento passou a ser eleito pelo sufrágio masculino, várias instituições feudais foram abolidas, teve fim a censura à imprensa e formou-se uma guarda nacional para a defesa das reivindicações liberais.

A burguesia austríaca, entretanto, não soube conservar sua revolução. A aristocracia retomou o poder, liderada pelo novo chanceler, o príncipe de Schwartzenberg. O exército e o chanceler Schwartzenberg retomaram Praga e Viena, e obrigaram Fernando I a abdicar em nome de seu sobrinho, Francisco José I, então com 18 anos. Dissolvido o parlamento, os liberais foram perseguidos, as reformas abolidas e o absolutismo restaurado.

Checos e húngaros, que viviam sob o domínio austríaco, aproveitando-se das modificações ocorridas na Áustria, levantaram-se em revoluções de libertação nacional, apoiada por todas as classes sociais. Mas, estabilizada a situação na Áustria com a restauração do absolutismo, os exércitos austríaco e russo esmagaram essas revoluções.

A decisão de enviar tropas contra a revolução na Hungria, em outubro, deu origem a novo levantamento popular, reprimido em menos de um mês. O ciclo revolucionário só foi encerrado em 1852, com o restabelecimento do absolutismo monárquico.

Checos editar

Em Praga, Rieger conseguiu a aprovação de uma constituição liberal, a Carta da Boêmia, que reconhecia os direitos históricos do povo tcheco. A vontade de afirmar a identidade eslava face ao germanismo concretizou-se, no dia 2 de junho, com a reunião do Congresso Pan-Eslavo em Praga, iniciativa do historiador Frantisek Palacký. O pan-eslavismo inspirou manifestações nacionalistas tchecas, reivindicando autonomia numa Áustria federativa. Esse congresso foi dissolvido militarmente.

Hungria editar

 Ver artigo principal: Revolução Húngara de 1848
 
Memorial da revolução de 1848 em Gyongyos, na Hungria

Em fevereiro e março de 1848, as notícias sobre as insurreições em Paris e Viena deram estímulo aos liberais húngaros para desencadear a rebelião nacional pela independência. Um movimento pela independência húngara, liderado pelo patriota húngaro Lajos Kossuth, declarou a independência de todos os territórios magiares e proporcionou, em março de 1849, um governo republicano separatista de curta duração, com sede em Budapeste. O nacionalismo exacerbado e a recusa dos húngaros em considerar a independência de suas próprias minorias resultou, porém, em uma insurreição das forças croatas, sérvias e da Transilvânia (Romênia).

Em setembro, o exército austríaco, que já conseguira sufocar a rebelião na península Itálica, invadiu a Hungria, e Budapeste caiu em janeiro de 1849. A cidade foi retomada em maio, mas a intervenção do Império Russo a favor da Áustria levou à derrota dos rebeldes em agosto. Kossuth foi obrigado a exilar-se na Turquia após o fracasso de Villagos, em 13 de agosto de 1849.

Estados italianos editar

 Ver artigos principais: Risorgimento e Revolução siciliana de 1848
 
Giuseppe Garibaldi

Nos estados italianos, onde a onda revolucionária teve seu foco inicial, a Revolução de 48 teve um caráter extremamente nacionalista, com uma tripla aspiração: à liberdade, à unidade e à independência italianas. É certo porém, que não possuíam coesão porquanto havia três tendências visando a unificação: os neoguelfistas, liderados por Vincenzo Gioberti, pretendiam uma confederação de Estados, cabendo a direção superior ao Papa; os monarquistas constitucionais, inspirados por Cesare Balbo e Massimo D'Azeglio, batiam-se por um Estado nacional unitário governado pela Casa de Saboia, reinante no Reino da Sardenha;[nota 1] e os republicanos dirigidos por Giuseppe Mazzini, além da atuação destacada de Giuseppe Garibaldi, empenhados em derrubar as dinastias e implantar uma república democrática.

O papa Pio IX e o rei da Sardenha, Carlos Alberto, implantaram uma série de reformas liberais em seus estados, a partir de 1846, sobretudo a liberdade de imprensa, que ganhou a adesão dos patriotas, como Giuseppe Mazzini.

A insurreição eclodiu nos estados conservadores. Em janeiro 1848, os sicilianos rebelaram-se contra o poder dos Bourbon e adotaram a constituição espanhola de 1812. Em seguida, no Reino de Nápoles, reivindicou-se a implantação das mesmas leis em seu território. Em 12 de janeiro, foi formado um governo provisório e Fernando II, sob pressão britânica, promulgou imediatamente a constituição, que passou a ser seguida no restante da Itália, uma vez que o papa Pio IX se opôs à intervenção de tropas austríacas dispostas a reprimir os nacionalistas. Insurreições nacional-populares ocorreram em Turim, Milão e Roma.

No Reino Lombardo-Vêneto, a revolta de Milão, de 18 a 23 de março, conseguiu expulsar o governador militar austríaco, general Josef Radetzky. Simultaneamente, em Veneza, onde os protestos redobraram após o anúncio da queda de Klemens Wenzel von Metternich, lutava-se contra a dominação austríaca, da mesma forma que em Milão, e Daniele Manin e seus seguidores proclamaram a república.

Em Florença, Roma e Turim, os soberanos se anteciparam à insurreição promulgando constituições.

Mazzini, no norte da Itália, proclamou a República Toscana e, em 1849, o território pertencente à Igreja foi anexado, sendo proclamada a República Romana em 22 de fevereiro. Entretanto, a sonhada república unificada e democrática, almejada por Mazzini, não teve lugar nesta ocasião pois a intervenção francesa pôs um fim à insurreição e permitiu a volta do papa, que restabeleceu as instituições do passado

Apesar dos sucessos iniciais, a divisão dos revolucionários e a intervenção externa restabeleceram a ordem anterior. A revolução foi derrotada com o apoio de forças vindas da França e da Áustria, países interessados no restabelecimento das monarquias absolutistas e do poder do papa. O movimento de Mazzini, apesar de outras tentativas de insurreição, em 1853, enfraquecia. As forças que queriam construir uma Itália mais moderna e democrática foram vencidas. A derrota dos revolucionários provocou a restauração do absolutismo em quase todos os estados italianos. O único reino que manteve uma constituição liberal foi o Reino da Sardenha. Quase todos os partidos empenhados na unificação depositaram aí suas esperanças.

Após uma fase de estabilidade dos regimes liberais, o monarca do Reino da Sardenha, Carlos Alberto, contando unicamente com suas próprias forças (seu lema era L´Italia fará da sé), deixou-se envolver na guerra contra o Império Austríaco, em março de 1849, tentando expulsar os austríacos do Reino Lombardo-Vêneto (regiões setentrionais dominadas então pelo Império Austríaco). Foi vencido em Custoza e Novara e forçado a abdicar em favor de seu filho Vítor Emanuel II.

As revoluções italianas fracassaram em virtude da reação do absolutismo, encorajado pela Áustria, do avanço do radicalismo social de Mazzini e, sobretudo, pelo caráter ainda incipiente do capitalismo, o que reduzia o potencial das forças revolucionárias. Embora fracassadas, as revoluções de 1848-1849 revelaram o caminho para concretizar a unificação. Deixaram evidente a necessidade de obter uma ajuda externa capaz de neutralizar o poderio austríaco, um dos obstáculos à unificação. Patentearam ainda o neoguelfismo, em que o papa Pio IX não desejou se envolver no processo de unificação, também a necessidade de união sob o Reino da Sardenha, não só porque a Casa de Saboia era a única fora da influência austríaca, mas também pelo esvaziamento dos demais movimentos tal como o republicanismo, pela prisão, morte ou exílio de vários dirigentes.

Depois da onda revolucionária, os partidos mais tradicionais cresceram, promovendo posteriormente a unidade italiana, em bases não democráticas, sob a égide do Reino da Sardenha.

A contrarrevolução editar

 
Derrota das revoluções de 1848 na Europa
Caricatura de Ferdinand Schröder publicada no Düsseldorfer Monatshefte, agosto de 1849

Em 1849, forças contrarrevolucionárias restauraram a ordem, mas a monarquia absolutista e os direitos feudais da aristocracia fundiária haviam sido tacitamente abandonados.

Na França, como se via, foi proclamada uma república em 1848, e os operários exigiram a mudança do rumo da política laboral. Todavia as suas reivindicações foram reprimidas pela burguesia conservadora, adversa a uma profunda reforma social e laboral. Depois de sufocada a revolução, a França entrou num novo ciclo, com a subida ao poder do imperador Napoleão III, que era sobrinho e herdeiro de Napoleão Bonaparte.

A burguesia apercebera-se dos perigos das revoluções, tomando consciência de que seus anseios políticos poderiam ser alcançados pela via do sufrágio universal, evitando conflitos e sublevações. Assim, a revolução de 1848 foi o movimento que posicionou definitivamente burguesia e proletariado em campos opostos, o que marcaria profundamente os embates políticos vindouros.

Embora tenham fracassado, as revoluções alemãs e italianas de 1848 prepararam o terreno para a unificação desses países, que foi realizada entre 1861 e 1871. A Áustria, por sua vez, teve que acatar, desde 1867, o compromisso de reconhecimento da soberania húngara.

Notas

  1. Em 1848, o Reino da Sardenha era constituído não apenas pela atual região da Sardenha, mas também pela atual região do Piemonte, onde estava a capital Turim.

Referências

  1. Mike Rapport (2009). 1848: Year of Revolution. [S.l.]: Basic Books. p. 201. ISBN 978-0-465-01436-1. The first deaths came at noon on 23 June. 
  2. Práticas organizacionais em escolas de movimentos sociais
  3. William Penn Cresson, The Holy Alliance. The European Background of the Monroe Doctrine, Oxford: Oxford University Press, 1922
  4. Albert Guèrard, France, A Modern History, p. 301.

Bibliografia editar

  • Jackson, J.H. (1963). Marx, Proudhon e o Socialismo Europeu. Rio de Janeiro: Zahar.
  • Proudhon, P.-J. (1904). Psicologia della Rivoluzione. Firenze: G. Nerbini.