Subh umm Walad, também conhecida apenas como Subh, que nas crónicas cristãs é chamada Aurora,[1][2] (Reino de Pamplona, c. década de 940) – Córdova, 11 de dezembro de 999) foi uma jariya (escrava)[3] de origem navarra ou basca[4] (daí também ser conhecida como "a vascona" ou al-Baskunsiyya em árabe)[5][6] que foi a concubina favorita do califa de Córdova Aláqueme II, dominou a vida cortesã na Medina Azara[5] (a cidade palaciana onde estava instalada a corte) e teve uma grande influência política no califado cordovês durante a segunda metade do século X.[4]

Subh
Aurora
Nome completo Subh umm Walad
Outros nomes A Vascona
al-Baskunsiyya
Nascimento c. década de 940
Reino de Pamplona
Morte 11 de dezembro de 999
Córdova
Nacionalidade Califado de Córdova
Etnia navarra ou basca
Filho(a)(s) Abderramão • Hixame II
Ocupação concubina favorita do califa Aláqueme II
Outras ocupações política (de facto)
Religião cristã (nascimento)
muçulmana (conversa)

Origens

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O Bote de Zamora, um presente dum alto funcionário a Subh por ocasião do nascimento do seu primeiro filho

Levada cativa para Córdova, a capital do califado ibérico, quando era uma criança pobre,[6] foi criada na cultura árabe-islâmica, tendo adquirido vastos conhecimentos em várias áreas, nomeadamente em artes, pois o califa tinha um grande fascínio por todos os âmbitos do saber.[4] Teve formação em todos os saberes das jawari (escravas cantoras), que geralmente incluíam, além de canto, Fiqh} (direito islâmico), poesia e tradições, "para poder conversar com os alfaquis, poetas e tradcionalistas, respetivamente".[5] Fisicamente, é descrita como uma mulher loira e bela,[7] do tipo preferido dos andalusinos.[8]

Em 962 deu à luz o seu primeiro filho, Abderramão, o que a tornou a favorita do califa, pois a criança assegurava a sucessão do trono.[9] Como sinal de agradecimento pelo nascimento do filho, o califa deu-lhe o título de "Um ualade" (Umm al-Walad; "mãe do filho"),[2] e ofereceu-lhe ricos presentes[1] e terras, as quais, contudo, na prática eram do Estado.[10] Um dos presentes foi o chamado Bote de Zamora ("Frasco de Zamora") — também chamado Píxide de Zamora — uma pequena caixa esculpida em marfim, oferecido por um alto funcionário à mãe do primeiro filho do califa.[a] Em 965 teve outro filho — Hixame ibne Aláqueme (ʿHisham ben al-Ḥakam). Nessa altura, todo o poder já considerável de Subh devia-se ao seu ascendente sobre o califa por ser a mãe dos seus dois únicos filhos. O pequeno Abderramão morreu em 970, o que fez com que o seu irmão Hixame se tornasse o novo herdeiro do trono.[10] Como integrante do harém, Aurora tinha a sua vida muito restringida, como era habitual no califado, mas graças à tolerância do califa e como recompensa por lhe ter dado dois filhos varões, ocasionalmente podia deambular fora da Medina Azara, vestida de homem e usando um nome masculino, dado por Aláqueme II, que além disso lhe dava constantemente presentes e a rodeava de atenções.[9] Segundo lendas posteriores, na realidade Aláqueme seria homossexual, razão pela qual não tinha descendentes, pois não tinha relações sexuais com as mulheres do seu harém,[9] daí Subh costumar vestir-se de efebo seguindo a moda de Bagdade[2][5] e usar o nome masculino de Chaʿfar,[1][5]Yaʿfar[6] ou Djafar[9] para ganhar o afeto[12] e seduzir Aláqueme.[9]

Relação com Almançor

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Corria o ano de 967 quando a vida de Subh se cruzou com a do jovem árabe relativamente humilde de origem iemenita Abu Maomé ibne Abi Amir Almaafiri, que depois seria conhecido como Almançor. A vascona tinha ficado sem intendente para administrar os bens dos seus filhos, os príncipes herdeiros, pelo que pediu a ao hájibe Jafar Almuxafi que procurasse um.[13] Refira-se que nem Subh nem os seus filhos possuíam o quer que fosse a título pessoal; ela era uma escrava que tinha sido comprada e posteriormente casada com Aláqueme. Por serem menores, os filhos eram incapazes de administrar os seus bens. Subh sabia que que para manter a sua posição e assegurar o trono para os seus filhos precisava de funcionários eficientes e influentes além de recursos a seu favor.[10][14] Por outro lado, Almuxafi não queria que um cargo tão importante fosse parar às mãos de um eslavo e nessa altura Abu Amir trabalhava nos escritórios do cádi Maomé ibne al-Salim, onde se tinha tornado notado pela sua eficácia e austeridade.[13]

O cádi recomendou o prometedor jovem e este foi aceite, instalando-se no palácio a 27 de fevereiro de 967.[13] Uma vez no cargo, Abu Amir procurou aceder aos círculos palacianos e atrair ou seduzir Subh.[15] Graças à proteção desta, o novo intendente iniciou a sua carreira fulgurante, tendo adicionado ao seu cargo o de supervisor da casa da moeda ainda nesse ano, tesoureiro e curador de sucessões em 968, cádi de Sevilha e Niebla em 969 e, finalmente, administrador da casa do príncipe herdeiro em 11 ou 14 de julho de 970, tendo juntado uma grande fortuna nesse período.[3][13]

Havia boatos que, ao mesmo tempo que Abu Amir ganhava o apoio de Subh e do harém oferencendo dinheiro e presentes requintados,[16] acabou por tornar-se amante de Subh.[16][13] Diz-se que, desconcertado e furioso com a proximidade entre ambos, Aláqueme teria dito — «É um mago ou apenas um lacaio inteligente? Embora tenham todo o ouro do mundo, as mulheres do meu harém não têm olhos senão para os seus dons: ele domina os seus corações e só ele parece satisfazê-las. Tremo quando penso no que está nas suas mãos!».[16]

Quando o protegido de Subh foi nomeado saíbe daa xurta sahib al-shurta (ou as-surta al-wusta, algo como comandante da polícia)[17], em 972, tornou-se um dos políticos mais importantes do califado andalusino, em aliança estreita com o hájibe. Um ano depois, quando o general eslavo Galibe ibne Abderramão foi enviado pelo califa para esmagar uma revolta berbere no Magrebe,[13] foi dada a Almançor a missão de corromper com ouro os líderes locais, comprando a sua lealdade e obtendo a possibilidade de formar o seu próprio exército de mercenários. Ao regressar à Península Ibérica, Almançor recebeu o seu primeiro cargo militar: o comando das tropas mercenárias aquarteladas na capital.[18]

Sucessão de Aláqueme II

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A 5 de fevereiro de 976, o califa Aláqueme, já idoso e doente, decidiu assegurar o trono para o seu filho, ordenando aos seus funcionários um juramento de lealdade.[1] Mas quando morreu, em 1 de outubro do mesmo ano, dois fatas (eunucos)[19] eslavos (saqalibas) — Faique Anizami e Chaudar[20] — propem ao irmão do defunto, Almuguira (Abu Almutarrife Almuguira), que assumisse o trono, com a condição de aceitar Hixame como seu herdeiro.[21] Justificavam este plano com a pouca idade de Hixame, que tinha apenas 11 anos, o que na prática o impedia desempenhar adequadamente o cargo de califa.[22] Se Almuguira aceitasse, os saqalibas teriam a sua posição na corte andalusina melhorada e o hájibe Almuxafi seria exonerado. Este último deu a entender que aceitava a proposta, mas imediatamente depois convocou os notáveis do palácio e atemorizou-os com as alegadamente previsíveis consequências para o que lhes iria acontecer se Almuguira fosse califa. Todos decidiram então assassinar o príncipe para assegurar que o jovem Hixame fosse coroado.[21]

Almançor foi encarregado de eliminar o pretendente[21] e entrou na residência de Almuguira, acompanhado de tropas da guarnição da capital, e enforcou-o diante as mulheres do seu harém.[19] A 8 de outubro de 976 teve lugar a (bayʿa) (coroação) de Hixame,[21] que governaria sob a regência do poderoso hájibe Almuxafi e tendo como vizir Almançor; tudo com o apoio da mãe, a "grande princesa".[19][21] Para evitar reações dos saqalibas, que constituíam uma fação poderosa do exército, os conspiradores não foram executados, mas Chaudar foi obrigado a demitir-se e Faique foi desterrado.[21]

Regime amirida

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Ruínas da Medina Azara, onde Subh viveu a maior parte da sua vida

Sendo uma mulher culta, inteligente e ativa, Subh tornou-se o principal suporte do poder amirida (de Abu ʿAmir, ou seja, Almançor) durante vinte anos.[4] Almançor submeteu rapidamente toda a oposição pró-omíada e colocou o exército sob o seu comando pessoal, levando Córdova ao auge do seu poerio político-militar.[15] Abu Amir depressa compreendeu que um exército profissional, mercenário e bem pago, era a chave do poder. Para justificar a sua posição, neutralizou os reinos cristãos do norte peninsular, os seus rivais muçulmanos do Magrebe e as intermináveis tentativas separatistas, apresentando-se como um campeão muçulmano da jiade e impulsionando fortemente um riquíssimo mercado de escravos graças às suas razias.[23]

O ambicioso Abu Amir não se conformou o segundo lugar na hierarquia cordovesa e ao constatar como o califa estava a ser afastado — tanto por ser uma criança como pelas teias do poder,[24] as mesmas que garantiam a sua permanência no trono[21] — compreendeu que o poder de facto ficaria nas mãoes dum general com o apoio do exército para obter a obediência dos súbditos. Por isso procurou o apoio do general Galibe, com quem comandou várias razias no Reino de Leão para conseguir popularidade entre as massas cordovesas. O hájibe Almuxafi tentou desesperadamente agradar o general eslavo casando o seu filho com a filha de Galibe,[24] mas na sua cidade palaciana de Medina Alzahira Almançor conspirou habilmente com Subh o cancelamento do contrato de casamento, acabando por ser ele a casar com a filha do general a 1 de janeiro de 978. Finalmente, a 29 de março Almuxafi e os seus filhos foram presos[25] e os seus bens confiscados.[26] O infeliz hájibe morreu na prisão cinco anos depois e Almançor foi nomeado hájibe. Subh pensou ter encontrado um bom protetor para o seu filho, sem perceber que tinha contribuído para nomear um amo indiscutível para Córdova.[25] Até vinte anos depois de Hixame ter subido ao trono Subh não se deu conta que Almançor se relacionava com o filho dum modo muito prejudicial a este último.[27]

No entanto, sucederam-se novas conspirações, em parte instigadas pelos injuriosos rumores sobre a verdadeira natureza de Almançor e Subh. Em 979 foi descoberta uma vasta conjura em que Chaudar estava envolvido, que acabou por ser executado; o único resultado foi o endurecimento do regime.[25] Depois da Batalha de Torrevicente[b] [es] (981), que valeu Abu Amir o seu epíteto de Almançor (al-Manṣūr; "o Vitorioso") e na sequência da qual Galibe morreu de causas naturais, o hájibe deixou de ter rivais internos graças à sua associação com Subh.[carece de fontes?]

Ao contrário dos reinos cristãos, no califado islâmico não havia uma separação de poderes. O califa era simultaneamente o chefe máximo religioso, jurídico e civil, o que resultava num frágil equilíbrio de poderes, que só podia ser sustentado com a existência dum exército poderoso, que no caso andalusino, eram formado por voluntários jiadistas, mercenários desejosos de obterem bons pagamentos e soldados escravos comprados. Devido a esta situação, à semelhança do que se passou em Bagdade e que rapidamente aconteceria no Cairo, os comandantes militares foram adquirindo um poder tal que na prática suplantava o dos califas reinantes.[28] O califado tendia a ser uma ditadura militar devido à debilidade resultante da inexistência da separação das funções religiosas e seculares, concentradas na figura do soberano, e portanto o que Almançor e os seus partidários fizeram mais não foi do que uma busca dum solução duradoura para esse problema. O ditador amirida impôs uma separação prática de poderes: o claifa era o líder nominal e detinha o poder religioso, mas concedia a um rei o poder civil e militar. Isto levaria a uma oposição determinada dos setores legitimistas, que várias vezes conspirariam para restabelecer o poder que por direito pertencia ao califa — que na realidade estava anulado e encerrado no seu palácio.[20]

Rutura com Almançor e morte

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Entre 996 e 998 ocorreu a wahsa (rutura) entre Subh e Almançor,[29] pois a primeira começou a conspirar como tantos outros tinham feito antes, ao ver como o seu filho era afastado de todas as funções inerentes ao seu título.[20] Tudo começou quando Almançor, dando-se conta da ilegitimidade da sua autoridade e a fragilidade jurídica do seus cargo, decidiu reforçar o seu poder modificando as leis. Decidiu fundar abertamente a sua própria dinastia e afastar oficialmente o califa dum cargo religioso. Em 991 nomeou hájibe e caide supremo o seu filho predileto, Abedal Maleque, e em 992-993 ordenou que os documentos oficiais levassem o seu selo em vez do selo do califa e que o seu nome fosse mencionado depois do de Hixame II em todas as orações nas mesquitas andalusinas.[30][31] Assim, entre 991 e 996 foram-se acumulando razões para a rutura entre os dois influentes personagens.[32]

Subh receava que o seu filho, que não tinha descendentes, fosse definitivamente destituído e procurou formar uma fação que se opusesse a Almançor. Porém, o plano do ditador continuava a ser que o débil Hixame desempenhasse um papel nominal,[31] mas cometeu o erro de deixar de lado a mãe do califa como fazia com o próprio soberano.[30] Com a ajuda de alguns saqalibas leais, subornou os guardas do tesouro califal, roubando 80 000 dinares, que fez transportar numa centena de cântaros, ocultos debaixo de mel, marmelada e fruta. Posteriormente, na primavera de 996, juntamente com o prefeito da capital, tirou o dinheiro de Córdova,[33] com o objetivo de financiar uma revolta que pusesse fim ao regime almirida.[30] Esta seria encabeçada pelo caide do Magrebe em 997.[34] Almançor decidiu então transladar o tesouro califal para o seu próprio palácio, uma manobra da qual se encarregou o filho Abedal Maleque, pois o pai tinha adoecido.[35] Depois obrigou Hixame a assinar um documento no qual delegava todos os poderes temporais aos amiridas. Assim nasceu uma nova dinastia e Almançor tomou oficialmente os títulos de sayyid (saíde; "senhor") e málik karim ("nobre rei") em 998. Subh foi obrigada a abandonar a corte. Morreu em 11 de dezembro de 999, deixando ainda mais vulnerável o seu filho às maquinações de Almançor.[36]

Mais tarde, Almançor comandou, juntamente com Abedal Maleque e o general de Medinaceli, Aluadi, uma campanha militar contra o conspirador magraua Ziri ibne Atia, caide do Magrebe, que se opunha à forma como o califa era tratado.[37] O rebelde viu-se obrigado a ir para o deserto e Abedal Maleque permaneceu algum tempo em Fez, atuando como uma espécie de vice-rei de Marrocos. Ziri submeteu-se em 999, juntamente com numerosos clãs, alguns deles leais ao governo fatímida de Cairuão.[37][38] Após a pacificação ter tido êxito, Abedal Maleque e al-Wadih voltaram para Córdova e continuaram muito próximos de Almançor até à morte deste em 1002.[37]

Notas e referências

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  • Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em castelhano cujo título é «Subh», especificamente desta versão.
  1. O Bote ou Píxide de Zamora foi conservado na Catedral de Zamora e atualmente está no Museu Arqueológico Nacional, em Madrid.[11]
  2. Torrevicente é uma localidade do atual município de Retortillo de Soria.

Referências

  1. a b c d Acosta Montoro 1995, p. 57.
  2. a b c Cruz Hernández 1992, p. 129.
  3. a b Ballestín Navarro 2004, p. 45.
  4. a b c d Marín 1997, p. 444.
  5. a b c d e Ballestín Navarro 2004, p. 46.
  6. a b c Delgado Pérez 2010, p. 112.
  7. Caparrós Sánchez 2002, p. 56.
  8. Bellido Bello 2006, p. 342.
  9. a b c d e Egaña 2009, p. 23.
  10. a b c Ballestín Navarro 2004, pp. 45–46.
  11. «Bote de Zamora» (em inglês, espanhol, francês, e árabe). Discover Islamic Art. Museum With No Frontiers (MWNF). islamicart.museumwnf.org. Consultado em 3 de junho de 2022 
  12. Bariani 2003, pp. 57-58.
  13. a b c d e f Suárez Fernández 1976, p. 332.
  14. Bariani 2003, p. 58.
  15. a b Martínez Enamorado 2001, p. 92.
  16. a b c Bariani 2003, p. 57.
  17. Lévi Provençal 1957, p. 401.
  18. Suárez Fernández 1976, p. 333.
  19. a b c Alemparte 1961, p. 367.
  20. a b c Suárez Fernández 1976, p. 339.
  21. a b c d e f g Suárez Fernández 1976, p. 340.
  22. Bariani 2003, p. 70.
  23. Suárez Fernández 1976, p. 378.
  24. a b Suárez Fernández 1976, p. 341.
  25. a b c Suárez Fernández 1976, p. 342.
  26. Alemparte 1961, p. 368.
  27. Bariani 2003, p. 189.
  28. Suárez Fernández 1976, pp. 338-339.
  29. Bariani 2003, pp. 168, 265.
  30. a b c Bariani 2003, p. 166.
  31. a b Suárez Fernández 1976, p. 356.
  32. Bariani 2003, pp. 166, 168.
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  34. Bariani 2003, p. 180.
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  36. Vallvé Bermejo 2002, p. 175.
  37. a b c Suárez Fernández 1976, p. 358.
  38. Bariani 2003, p. 168.

Bibliografia

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