Usuário:Yleite/Síndrome floral

Detalhe da inflorescência de um Girassol, Família Asteraceae.

A síndrome floral é um conjunto de características individuais de cada tipo de flor, utilizada para atrair um tipo específico de animal polinizador. As flores podem variar em forma, tamanho, cor, composição química do néctar, horário e época de floração, dentre outras características. Essas síndromes são resultado de uma evolução convergente em resposta a pressões seletivas similares entre os grupos de plantas e animais polinizadores (ou fatores abióticos). Às vezes observa-se uma dependência tão estreita que a extinção de um leva a extinção do outro.

Ocorrência e evolução editar

Poucas Gimnospermas são polinizadas por insetos e este tipo de polinização definitivamente se expandiu com a evolução das flores nas Angiospermas. Este grupo apresenta uma ampla diversidade adaptativa e a flor atinge graus impressionantes de especialização. Sendo a flor a estrutura responsável, em última instância, pela atração de polinizadores, pequenas alterações na estrutura floral atraem diferentes organismos. A variação morfológica das flores, como coloração ou morfologia, atua como um aviso das recompensas que o animal pode receber da flor, além de participar da localização da flor durante a polinização. Algumas flores parecem avisar terem algo para oferecer, mas não entregam. Já alguns animais visitam a flor, retiram a recompensa, mas não há polinização. Algo que atrai uma espécie pode repelir outra.

Os animais visitam flores porque elas têm recompensas, como o pólen, que é um elemento de alto valor proteico e energético com grande importância para a planta, pois carrega sua herança genética. O néctar, composto principalmente de glicose, tem alto valor nutritivo para os animais que o consomem, também sendo uma importante recompensa floral; assim como óleos, perfumes e resinas. Essas recompensas podem ser utilizadas na alimentação ou na reprodução dos animais polinizadores. O odor, por exemplo, atrai animais mesmo a longas distâncias, mas é difícil de localizar com exatidão. Posicionado numa área com um conjunto de flores, a cor da flor faz com que ela seja encontrada rapidamente. [1] A forma da flor pode ser percebida visualmente ou ecograficamente; e os sinais químicos detectados pelos sistemas de olfação e gustação do animal.

 
Orquídea Ophrys speculum mimetizando a forma de uma abelha (pseudocópula).

Ao longo do tempo, as angiospermas foram desenvolvendo características florais que lhe proporcionaram uma “mobilidade” relacionada com a busca de parceiros reprodutivos. A atração dos organismos polinizadores direcionando-as a uma fecundação cruzada fez com que as angiospermas superassem a sua condição de organismos sésseis. Quando determinada espécie é polinizada por poucos visitantes ou até somente um, a seleção natural favorece especializações relacionadas às características desses visitantes. Os insetos, por exemplo, que possuírem a adaptação especializada provavelmente voarão para outra flor do mesmo tipo, porque ali também receberão recompensas. [2] Para as plantas, a presença de visitantes florais afeta diretamente o fluxo de pólen, assim como os ciclos reprodutivos desses visitantes podes ser ajustados à disponibilidade de um determinado recurso floral. [3] Observa-se diferentes épocas de floração nas plantas durante a estação de crescimento. Isso ocorre, muitas vezes, para reduzir a competição por polinizadores e para fornecer os polinizadores uma quantidade constante de alimentos. [4] À medida que as angiospermas foram evoluindo, as relações com polinizadores especializados tornaram-se mais consistentes e a organização das estruturas florais ficaram mais estereotipadas. Entre as flores mais especializadas estão as das famílias Asteraceae e Orchidaceae.

Asteraceae editar

Em Asteraceae a adaptação é devido à evolução de inflorescências especializadas. Suas conseqüências para a biologia reprodutiva são muito relevantes: essa inflorescência se comporta como uma única flor. Dessa forma, o número de flores por capítulo é uma das características mais relevantes ecologicamente, que além de aumentar a atração de polinizadores, aumenta o potencial reprodutivo da planta, já que cada flor produz um fruto e uma semente. [5]

Orchidaceae editar

As Orquídeas possuem grande diversidade morfológica que, supostamente, é resultado da relação entre essas plantas e seus polinizadores. Morfologicamente, o labelo da flor pode atuar como plataforma de pouso para os polinizadores. Existem numerosas estratégias de atração aos polinizadores dentro desta família. Uma grande quantidade de flores oferece néctar aos polinizadores, outras oferecem óleos florais, assim como recompensas florais menos comuns, como tricomas, resinas ou compostos aromáticos. Tem-se ainda as orquídeas polinizadas por “pseudocópula”. Ocorre a produção de fragrâncias florais que são similares aos feromônios sexuais de fêmeas de insetos, geralmente da Ordem Hymenoptera. Também observa-se características que reforçam a semelhança das flores com a das fêmeas dos insetos mimetizados. [6]

Limitação de visitantes editar

É preciso que o pólen retirado de uma flor por um animal alcance outra flor da mesma espécie. Assim, para a planta, o melhor polinizador é aquele que visita uma só espécie, ou seja, o pólen vai para o lugar certo. Algumas formigas são consideradas “ladrões” de néctar já que, pelo reduzido tamanho corporal, conseguem consumir este recurso sem entrar em contato com estigma ou estames, não havendo assim polinização (embora algumas atuem também como polinizadores).[1]

A polinização cruzada, ou seja, entre diferentes plantas (indivíduos) da mesma espécie, é o principal mecanismo de recombinação genética para os vegetais, fonte de variabilidade das características. A polinização passará sempre por 3 fases: remoção do pólen das anteras, transporte e depósito do pólen no estigma receptivo. Em qualquer espécie de flor, a seleção natural favorecerá aquelas flores cujo pólen é transportado somente para flores da mesma espécie. A partir do momento em que a seleção natural favorece relações especializadas das plantas com os seus polinizadores, haverá uma tendência de aumento da diversidade desses organismos. As plantas polinizadas por um único animal tem vantagem porque menos pólen delas será desperdiçado. Uma planta sempre procura obter o máximo de polinização com um mínimo de investimento, por isso se tem uma vantagem dessa especialização de polinizadores, sendo um mais eficiente que outro. [7] Porém, também há vantagens no generalismo: os polinizadores podem flutuar em relação ao tamanho populacional. Dessa forma, a planta precisa que outros tipos de polinizadores estejam presentes se o habitual estiver ausente, e assim garantir o transporte de seu pólen para outro indivíduo.

Síndromes florais de polinização editar

Os sinais florais assumem um papel importantíssimo para a ecologia e a evolução das plantas e animais, pois participam da localização da flor na polinização. Deve-se ressaltar a diferença entre polinização e herbivoria em relação às consequências ecológicas: a herbivoria distingue-se pelo antagonismo entre as partes; a polinização é principalmente mutualista.[3]

A plantas com flores evoluíram dois métodos polinização: polinização sem o envolvimento de organismos, por meios abióticos; e mediada por animais, que são os métodos bióticos. Grande parte de toda a polinização das plantas é feita pelos animais. A polinização relacionada aos métodos abióticos é realizada pelo vento e pela água. A anemofilia (pelo vento) é comum entre plantas com sementes mais primitivas e aquelas de regiões temperadas. Nos trópicos há predominância de polinização realizada por animais. Cerca da metade dos animais que polinizam plantas são abelhas (síndrome de Melitofilia); o restante consiste em diversos animais, como pássaros, besouros, morcegos, vespas, moscas, borboletas e mariposas, entre outros insetos.

 
Melitofilia: Abelha polinizando uma flor da Família Asteraceae.

A seguir tem-se a caracterização das principais síndromes florais de polinização.

Melitofilia editar

Melitofilia é a polinização realizada por abelhas. É o grupo mais importante de insetos visitantes de flores, que tem se diversificado junto com as plantas floríferas ao longo dos últimos 80 mil anos. Os machos e fêmeas utilizam néctar, e o corpo desses animais possui estruturas especiais para coletar e transportar o néctar, assim como pólen. As flores apresentem áreas de pouso e a antese é diurna. Possuem pétalas chamativas com cores vivas, principalmente azul e amarelo. Como as abelhas são capazes de detectar colorações ultra-violeta, mas não distinguem a cor vermelha, as flores polinizadas por elas nunca apresentam coloração exclusivamente vermelha. Geralmente apresentam padrões distintivos por meio dos quais são reconhecidas com mais eficiência. Um exemplo são os guias de néctar, que são constituídos de marcas que fazem parte da pigmentação das flores, com o intuito de guiar o polinizador para o centro, onde néctar e órgãos reprodutores (que contêm o pólen) estão presentes. Estudos demonstraram que o estímulo primário que guia as abelhas até a flor é a percepção de aromas semelhantes aos seus próprios.

 
Psicofilia: Borboleta se alimentando de néctar em uma flor de Asteraceae.

Psicofilia e falenofilia editar

Psicofilia é a polinização realizada por borboletas e a falenofilia realizada por mariposas. Para as borboletas, as flores tem formato geralmente tubular, com coloração viva: vermelho, azul, amarelo e são direcionadas para cima, além de terem antese diurna. As mariposas preferem as flores brancas ou outra cor pálida e com perfume doce e penetrante, geralmente emitido após o pôr-do-sol. As flores são pendentes para baixo e possuem abertura noturna ou crepuscular (para as mariposas noturnas). Os estames e estigmas se sobressaem, de forma que tocam o corpo da mariposa enquanto se mantem no ar. O nectário é localizado na base do tubo da corola longo e estreito, ou em um calcar. Desta forma, o néctar não fica prontamente disponível para organismos sem probóscide. Várias mariposas esfingídeas, com probóscides excepcionalmente longas, são capazes de obter néctar da orquídea Angraecum sesquipedale e polinizá-la. Essa orquídea junta seu néctar em longos esporões, que podem chegar a 45 centímetros de comprimento. A espécie dessa orquídea foi reconhecida por Darwin, que previu que havia um polinizador altamente especializado, com uma longa língua.[7]

 
Ornitofilia: detalhe para o formato da flor tubular, uma das características de flores polinizadas por aves.

Ornitofilia editar

Ornitofilia é a polinização realizada por aves. Flores geralmente tubulares, que produzem grandes quantidades de um néctar que é mais diluído em relação às flores polinizadas por abelhas (ao redor de 25% em peso). É mantido de maneira que dificulte o acesso de animais menores, como besouros. São flores inodoras, pelo fato de o sentido do olfato não ser muito desenvolvido nas aves. Geralmente são vermelhas e amarelas pela boa percepção de cores desses animais. A explicação para a maioria das plantas polinizadas por aves serem vermelhas é que, como o vermelho é imperceptível para as abelhas, ele evoluiu para evitar que as abelhas esgotem o néctar das flores polinizadas pelos pássaros (sem efetuar a polinização). [8] Já é comprovado que os beija-flores visitam vários tipos de flores que não apresentam características ornitófilas, contudo, poucos são os registros de flores com características ornitófilas que apresentem odor. [9]

 
Mucuna holtonii, polinizada por morcegos.

Quiropterofilia editar

Quiropterofilia é a polinização feita por morcegos, que obtém a maior parte de seu alimento a partir das flores e acabam transportando os grãos de pólen presos nos seus pelos. Muitas vezes são semelhantes às flores polinizadas por aves, mas são grandes e robustas. Produzem copiosas quantidades de néctar e a coloração é pouco vistosa (branco ou esverdeado); muitas se abrem só a noite (a maioria dura somente uma noite). Tais flores pendem de longos pedicelos abaixo da folhagem ou se fixam nos troncos das árvores, de forma que fiquem expostas. Tem odores muito fortes de fermentação ou odores parecidos com aqueles produzidos por morcegos com finalidade de atração. Em Mucuna holtoni (da Família Fabaceae), a pétala superior é levantada quando a flor se abre. É côncava e funciona como um refletindo os sinais enviados pelo morcego. É um guia acústico, um tipo incomum de síndrome. Para pegar o néctar, o morcego precisa pressionar a base da flor com o focinho. Dessa forma, uma outra pétala que abriga os estames se abre bruscamente e libera os grãos de pólen na traseira do morcego. [1] Muitos cactos são polinizados por morcegos.

 
Cantarofilia: Polinização feita por besouros

Cantarofilia editar

Cantarofilia é a polinização realizada por coleópteros. As flores são isoladas, grandes e robustas, brancas (ou pouco coloridas) ou esverdeadas, com odor forte. São flores abertas em forma de disco ou de bacia e são pouco atrativas visualmente. Sem guias de néctar, já que as peças bucais dos besouros são do tipo mastigatórias e não são adequadas para sugar. Os órgãos sexuais da flor são expostos e há grande produção de pólen.

Miofilia editar

Miofilia é a polinização feita por moscas. As flores têm anteras e estigmas expostos, pétalas e sépalas com cores claras (cor-de-rosa, amarelo e verde). O néctar geralmente é ausente. A antese é diurna. Algumas plantas estão adaptadas exclusivamente à polinização por moscas, atraindo-as com mutualismo, pois exalam odores perceptíveis, como odor de matéria orgânica em decomposição, fezes ou cadáveres; e ainda tem cor e aparência de carne podre. O néctar e o pólen geralmente são abundantes e facilmente acessíveis. Algumas flores tubulares recebem visitas apenas de espécies de moscas com probóscide mais longa.

 
Anemofilia: Inflorescência de uma gramínea.

Anemofilia editar

Anemofilia ocorre quando a polinização é realizada pelo vento. Os mecanismos de atração de visitantes florais são reduzidos ou não existem. As flores possuem cores apagadas (geralmente brancas), são inodoras e sem néctar. Produzem grãos de pólen com tamanho bastante reduzido e em grandes quantidades, e as pétalas são pequenas ou ausentes. Tem anteras expostas que soltam seu pólen para o vento e estigmas que também são expostos e com projeções plumosas para captura do pólen trazido pelo vento. Alguns exemplos são as bétulas, carvalhos e gramíneas.

Hidrofilia editar

Hidrofilia é a polinização que ocorre na água, podendo ser dentro ou na superfície. Quando ocorre na superfície, o pólen é filiforme (adaptado para flutuação) e flutua até alcançar um estigma exposto. Os estigmas são grandes, podendo possuir ramificações para facilitar a captura do pólen. As flores femininas e masculinas possuem pedicelos que se esticam ou crescem até a superfície. Em Vallisneria sp. as flores estaminadas são liberadas, indo para a superfície e os estames funcionam como velas. A flor feminina fica flutuando um pouco acima da zona de tensão da superfície da água e cria uma depressão na qual a flor masculina cai. [1]

Considerações Finais editar

Existem plantas que apresentam síndromes mistas, por exemplo, miofilia e cantarofilia. Neste caso, diferentes espécies de polinizadores podem contribuir para o seu sucesso reprodutivo. Palicourea guianensis e P. marcgravii (Família Rubiaceae) se enquadram na síndrome de ornitofilia exceto pelo fato da presença de odor floral. Além de receberem visitas de beija-flores, estas duas espécies também são visitadas (e possivelmente polinizadas) por borboletas, o que poderia ser interpretado como uma síndrome de polinização mista. O odor produzido poderia servir para atrair polinizadores alternativos. [10] As síndromes de polinização (diretamente relacionada à síndrome floral) e dispersão são fundamentais nos processos reprodutivos das plantas. São processos ecológicos críticos que afetam diretamente o sucesso reprodutivo das plantas, sendo que sua ruptura pode levar à perda de espécies vegetais. São essenciais também para o conhecimento da dinâmica do ecossistema natural e auxiliam em planos de recuperação ou manejo de áreas degradadas. O conceito de síndrome de polinização tem sido criticado por alguns autores, que observaram que muitas flores são visitadas por numerosas espécies de polinizadores generalistas. Porém, muitos outros têm relatado que a comunidade de polinizadores frequentemente converge com as síndromes de polinização, de modo que, o estudo dessas síndromes é um importante meio para entender os mecanismos de diversificação das características florais. [11] O sucesso da transferência de pólen entre flores da mesma espécie de plantas conduz a fertilização, o desenvolvimento bem sucedido de sementes e a produção de frutos. O ovário é usualmente a porção da flor que persiste e se desenvolve no fruto.

Referências

  1. a b c d GUREVITCH, Jessica; SCHEINER, Samuel M.; FOX, Gordon A. Ecologia vegetal. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. 574 p.
  2. RAVEN, Peter H.; EVERT, Ray Franklin; EICHHORN, Susan E. Biologia vegetal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. xxii, 830 p.
  3. a b SILVA, A. G. & Lutz, L. V. Sinalização ou atração floral? Uma abordagem química para a polinização. Natureza online. 2(1): 10–14, 2004.
  4. Plant Pollination Strategies. Disponível em: http://www.fs.fed.us/wildflowers/pollinators/plantstrategies/index.shtml
  5. SCHIMITZ, Jessica ; MACHADO, Isabel Cristina. Biologia Floral, Polinização e estratégias reprodutivas de SPHAGNETICOLA TRILOBATA (L.) PRUSKI (Asteraceae). In: XVIII Conic e II Coniti. UFPE I CTG. 24 a 26 de novembro de 2010.
  6. SINGER, Rodrigo B. Orquídeas brasileiras e Abelhas. Disponível em: http://www.webbee.org.br/singer/texto_singer.pdf
  7. a b RIDLEY, M. Evolução. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
  8. RODRÍGUEZ-GIRONÉS, M. A., SANTAMARÍA, L. Why Are So Many Bird Flowers Red? PLoS Biol 2(10): e350. doi:10.1371/journal.pbio.0020350. October 12, 2004.
  9. BUCHMANN, S.L. & NABHAN, G.P. The forgotten pollinators. Island Press, Washington, DC. 1996.
  10. KOSCHNITZKE, C.; RODARTE, A. T. A.; GAMA, R. C. R.; TÂMEGA, F. T. S. Flores ornitófilas odoríferas: duas espécies de Palicourea (Rubiaceae) na Estação Biológica de Santa Lúcia, ES, Brasil. Hoehnea, v. 36, p. 497 - 499, 2009.
  11. YAMANOTO, Leila, F.; KINOSHITA, Luiza, S.; MARTINS, Fernando, R. Síndromes de polinização e de dispersão em fragmentos da Floresta Estacional Semidecídua Montana, SP, Brasil. Acta Botânica Brasílica. 21(3): 553-573. 2007

Ligações Externas editar