Escola dos Annales

movimento historiográfico do século XX, incorporando métodos das Ciências Sociais
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A escola dos Annales é um movimento historiográfico do século XX que se constituiu em torno do periódico acadêmico francês Annales d'histoire économique et sociale, tendo se destacado por incorporar métodos das Ciências Sociais à História. Fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929, propunha-se a ir além da visão positivista a história como crônica de acontecimentos (histoire événementielle), substituindo o tempo breve da história dos acontecimentos pelos processos de longa duração, com o objetivo de tornar inteligíveis a civilização e as mentalidades. Bloch foi morto pela Gestapo durante a ocupação alemã da França, na Segunda Guerra Mundial, e Febvre seguiu com a abordagem dos Annales nas décadas de 1940 e 1950. Nesse período, orientou Fernand Braudel, que se tornou um dos mais conhecidos expoentes dessa escola. A obra de Braudel definiu uma segunda geração na historiografia dos Annales e foi muito influente nos anos 1960 e 1970, especialmente por sua obra de 1946, O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II.[1][2] A terceira geração dos Annales é conduzida por Jacques Le Goff e ficou mais conhecida como a Nova História, segundo a qual, toda atividade humana é considerada história. Além de Le Goff, nesse período se destaca Pierre Nora.

Marc Bloch e Lucien Febvre, fundadores da Escola dos Annales.

A escola dos Annales renovou e ampliou o quadro das pesquisas históricas ao abrir o campo da História para o estudo de atividades humanas até então pouco investigadas, rompendo com a compartimentação das Ciências Sociais (História, Sociologia, Psicologia, Economia, Geografia humana e assim por diante) e privilegiando os métodos pluridisciplinares.[3] Sua nova geração de historiadores passou a questionar a hegemonia da História Política, imputando-lhe um número infindável de defeitos — era uma história elitista, anedótica, individualista, factual, subjetiva, psicologizante. Em contrapartida, esse grupo defendia uma nova concepção, em que o econômico e o social ocupavam lugar privilegiado.[4]

História e características

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Os fundadores do periódico (1929) e do movimento foram os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, então docentes na Universidade de Estrasburgo. Rapidamente foram associados à abordagem inovadora dos "Annales", que combinava a Geografia, a História e as abordagens sociológicas da "Année Sociologique".[5] Muitos dos seus colaboradores eram conhecidos em Estrasburgo e reuniam-se para produzir uma análise que rejeitava a ênfase predominante em política, diplomacia e guerras, característica de muitos historiadores dos séculos XIX e XX, liderados pelos "sorbonnistas" - designação dada por Febvre.

Notavelmente, os Annales trouxeram inovações ao campo historiográfico em vários aspectos, como no conceito de história-problema e na ampliação das fontes. As gerações dos Annales vieram a refletir sobre questões relevantes para o avanço historiográfico e ampliando as possibilidades de análise históricas pensando uma história total ou global.[6][7] A Escola dos Annales elaboram uma nova forma de pensar a construção histórica a partir de uma problemática. Inauguram a chamada história-problema. Apesar de ser divulgado amplamente como uma inovação, o conceito de história-problema, Jacques Revel afirma que os Annales vieram a retomar ideias já existente na obra de Simiand. Assim como a respeito da convergência das ciências humanas, mas com sentido e implicações diferentes.[8] Uma aproximação entre as ciências humanas, acabando com o isolamento em que a história se mantinha, veio a ser importante para a abertura de novas interrogações e a utilização de outros métodos de análise.[9] A questão da interdisciplinariedade presente na Escola dos Annales é apontada por historiadores como Peter Burke como uma grande inovação da Escola dos Annales.[10] Apesar de ser uma inovação dos Annales, Jacques Revel afirma que os metódicos já vinham buscando aproximação da história com outras ciências sociais.[11] Algo que já era feito por Henri Berr.[12] Braudel foi notório na questão da interdisciplinaridade, produziu publicações que uniram em suas análises diversas ciências sociais. Especialmente, com relação à história e a geografia. Sendo destaque o Mediterrâneo e o artigo “Da longa duração”.[13] Os Annales conseguiram efetivar a ideia de interdisciplinaridade que já estava presente em Simiand.[14] Mas diferente de ser uma normativa metodológica, um alinhamento científico, a interdisciplinaridade é utilizada de modo a obtenção de um conhecimento mais amplo.[15]

Os historiadores dos "Annales" foram os pioneiros na abordagem do estudo de estruturas históricas de longa duração ("la longue durée") para explicar eventos e transformações políticas. Geografia, cultura material e o que posteriormente os "annalistas" chamaram "mentalidades" (ou a psicologia da época) também eram áreas características de estudo.[16]

Um eminente membro desta escola, Georges Duby, no prefácio de seu livro "O domingo de Bouvines", escreveu que a História que ele ensina, "rejeitada na fronteira do sensacionalismo, era relutante à simples enumeração dos eventos, esforçando-se, ao contrário, por expôr e resolver problemas e, negligenciando as trepidações da superfície, procurava situar no longo e médio prazos a evolução da economia, da sociedade e da civilização."

Enquanto autores como Emmanuel Le Roy Ladurie e Jacques Le Goff continuam a carregar a bandeira dos "Annales", hoje em dia a sua abordagem tornou-se menos distintiva enquanto mais e mais historiadores trabalham a história cultural e a história econômica.

Vale lembrar que, enquanto alguns autores, como Peter Burke, consideram a geração de historiadores franceses da geração de Jacques Le Goff em uma perspectiva de continuidade em relação ao movimento dos Annales (e os próprios historiadores deste grupo também se vêem desta maneira), já outros autores - como o François Dosse de A História em Migalhas - procuram enfatizar a ruptura entre a Nova História e o movimento dos Annales de Bloch a Braudel.[17] Para Dosse, por exemplo, o princípio de História Total - tão zelosamente cultivado por Bloch, Febvre e Braudel - teria sido traído por uma perspectiva historiográfica fragmentada, que já seria típica dos historiadores ligados à Nova História.

Gerações

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Primeira geração (1929-1949)

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A primeira geração dos Annales é composta por seus fundadores, Marc Bloch e Lucien Febvre que vão inaugurar no campo historiográfico o conceito de história-problema. Contestavam a chamada história política, narrativa e dos acontecimentos. A partir de múltiplas abordagens no campo social, os Annales vão estabelecer uma renovação historiográfica.[18] Bloch passou a relativizar o apreço aos documentos e fontes e a valorizar à problemática, as interrogações feitas à fonte, de modo muito mais a compreender o presente do que apenas organizar e sistematizar cronologicamente o passado.[19]

Segunda geração (1946-1968)

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Na segunda geração dos Annales, é Braudel que dá sequência na direção da revista Annales d’historie économique et sociale. Braudel teve grande importância para a inovação no conceito de tempo e da geo-história. Como afirma Braudel, “a história é filha do seu tempo”.[20] E por essa razão, suas ideias relacionam-se com pesquisas que ocorreram e vinham ocorrendo em seu tempo. A influência de Ranke na disciplina é percebida de forma negativa, a história produzida sob sua percepção é vista por Braudel como uma história sem contexto, vinculada à filosofia da história e a ideia de eterno retorno.[21]

Terceira geração (1968-1989)

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A terceira geração dos Annales foi composta por diversos historiadores, entre eles, Jacques Le Goff e Pierre Nora. Le Goff,aluno de Febvre, Bloch e Braudel,afirma que os interesses de Bloch e Febvre com a revista Annales d’historie économique et sociale era construir uma nova história de esfera internacional.[22] Mesmo reconhecendo que os Annales tiveram inspiração em diversas revistas como Revue Historique, a Revue de Synthèse, e a Vierteljahrschrift fur Sozial-und Wirtschaftsgeschichte, Le Goff afirma que o trabalho de Bloch e Febvre na construção dos Annales é de grande originalidade e produziu uma ruptura historiográfica.[23] Eles teriam estabelecido um novo paradigma historiográfico.[24] Divergindo em partes com Le Goff, Peter Burke afirma que este novo fazer historiográfico já vinha sendo pensado e produzido em trabalhos na Alemanha com Gustav Schmoller e Karl Lamprecht, e na França com Henri Sée, Henri Hauser e Paul  Mantoux.[10] Segundo Peter Burke, a revista dos Annales foi pensada com intuito de exercer liderança intelectual no campo da história e sua principal inovação está na abordagem interdisciplinar.[10] Le Goff e Pierre Chaunu afirmam que há história enquanto ciência é fruto do trabalho dos Annales e que se inicia em 1929.[25]

Quarta geração

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A partir de 1989 inicia-se a quarta geração da escola dos Annales, destacando-se entre seus membros Bernard Lepetit.

Principais nomes

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Ver também

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Referências

  1. BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na época de Felipe II. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
  2. Prefácio à primeira edição de O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico[ligação inativa].
  3. JAPIASSU, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª edição, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001; apud Vocabulário da Filosofia[ligação inativa]
  4. Ferreira, Marieta de Moraes (dezembro de 2002). «História, tempo presente e história oral». Topoi (Rio de Janeiro): 314–332. ISSN 1518-3319. doi:10.1590/2237-101X003006013. Consultado em 3 de janeiro de 2024 
  5. Revista fundada em 1898, por Émile Durkheim.
  6. BRAUDEL 2009, p. 33-5.
  7. REVEL 1989, p. 37-9.
  8. REVEL 1989, p. 21-3.
  9. REVEL 1989, p. 17-8.
  10. a b c ROCHA 2010, p. 29.
  11. REVEL 1989, p. 18.
  12. CARBONELL 1992, p. 137.
  13. REVEL 1989, p. 28-33.
  14. REVEL 1989, p. 36.
  15. REVEL 1989, p. 37.
  16. Colin Jones, "Olwen Hufton's 'Poor', Richard Cobb's 'People', and the Notions of the longue durée in French Revolutionary Historiography," Past & Present, 2006 Supplement (Volume 1), pp. 178–203 Project Muse
  17. BARROS et al. 2010, p. 77.
  18. REVEL 1989, p. 23.
  19. BOSI 2005, p. 16.
  20. BRAUDEL 2009, p. 17.
  21. BRAUDEL 2009, p. 24.
  22. ROCHA 2010, p. 28.
  23. ROCHA 2010, p. 28-30.
  24. ROCHA 2010, p. 39.
  25. CARBONELL 1992, p. 135-6.

Bibliografia

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  • BRAUDEL, Fernand (2009). Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva. ISBN 9788527303347 
  • CARBONELL, Charles-Olivier (1992). Historiografia. [S.l.]: Teorema. ISBN 9789726951728 
  • REVEL, Jacques (1989). A Invenção da Sociedade. Lisboa: Difel. ISBN 9722902067 
  • BOSI, Antônio de Pádua (2005). «A Escola Metódica revisitada». Espaço Plural. VI (12). Consultado em 14 de agosto de 2018 [ligação inativa]
  • ROCHA, Sabrina Magalhães (2010). Lucien Febvre, Marc Bloch e as ciências históricas Alemães (1928-1944) (Dissertação de Mestrado). Ouro Preto: UFOP .
  • François Dosse. The New History in France: The Triumph of the Annales. University of Illinois Press, 1994.
  • Lynn Hunt and Jacques Revel (eds). Histories: French Constructions of the Past. The New Press, 1994. (Uma coleção de ensaios com muitos excertos dos "Annales": a extensa Introdução é recomendada e contém muitas boas referências).
  • Philippe Poirrier. Aborder l'histoire, Paris: Seuil, 2000.
  • BARROS, José D'Assunção A Escola dos Annales e a crítica ao Historicismo e ao Positivismo. Revista Territórios & Fronteiras, vol.3, jan/jun 2010 Cuiabá: UFMT, 2010.
  • BARROS, José D'Assunção. Teoria da História, volume V - A Escola dos Annales e a Nova História. Petrópolis: Editora Vozes, 2012.
  • BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou le Métier d’historien. Paris: A. Colin, 1941.
  • BOURDÉ, Guy et MARTIN, Hervé. Les écoles historiques. Paris: Éditions du Seuil, 1983, pp. 215–243.
  • BRAUDEL, Fernand. Écrits sur l’histoire. Paris: Flammarion, 1969.
  • BURGUIÈRE, A. Dictionnaire des sciences historiques. Paris: PUF, 1986.
  • BURKE, Peter. A Escola dos Annales: 1929-1989. São Paulo: Edit. Univ. Estadual Paulista, 1991.
  • FEBVRE, Lucien. Combats pour l’histoire. Paris: A. Colin, 1953.
  • LE GOFF, Jacques et alii. La Nouvelle Histoire. Paris: CEPL, Retz, 1978.
  • LE GOFF, Jacques et NORA, Pierre (dir.). Faire de l’histoire. Tomo I, Nouveaux Problèmes ; Tomo II, Nouvelles Approches; Tomo III, Nouveaux Objets. Paris: Gallimard, 1974.

Ligações externas

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