Galécia

província romana
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Disambig grey.svg Nota: Para o reino medieval conhecido como Galécia, veja Reino Suevo.

Galécia (em latim: Gallaecia ou Callaecia) é uma região localizada no noroeste da antiga Hispânia, um território que corresponde aproximadamente ao da moderna região do norte de Portugal e da Galiza, Astúrias e Leão na Espanha. Depois da conquista romana, era parte da província romana da Hispânia Tarraconense e foi posteriormente transformada numa província independente conhecida como Hispânia Galécia, um território que posteriormente seria incorporado ao Reino Suevo. Entre as cidades romanas na região estavam Bracara Augusta (Braga), Portucale (Porto), os centros administrativos de Bracara Augusta, Lucus Augusti (Lugo) e Astúrica Augusta (Astorga), capitais respectivamente do convento bracarense, convento lucense e do convento asturicense.

Galécia romana
Hispânia

DescriçãoEditar

Os romanos chamaram Galécia (Gallaecia) à porção noroeste da Península Ibérica, do nome da principal tribo que habitava a região, os galaicos/galécios (gallaeci).[1]

Os galécios, de origem celta, apareceram pela primeira nos registros históricos no épico do século I "Púnica", de Sílio Itálico, sobre a Segunda Guerra Púnica:

A região da Galécia estava, portanto, marcada no imaginário romano tanto por sua cultura céltica - a cultura castreja - quanto pela riqueza que emanava de suas minas de ouro. Esta cultura, que se estendia por toda a Galiza, o norte de Portugal, a porção ocidental das Astúrias, o "Berço" e a Póvoa de Seabra, era também distinta dos povos vizinhos de cultura lusitana que viviam ao sul de acordo com os autores clássicos Pompônio Mela e Plínio, o Velho.[2] Em uma data muito posterior, o mito encapsulado na Lebor Gabála Érenn ("Livro da Conquista da Irlanda") credita a Galécia como o ponto de partida dos gaels que posteriormente conquistaram a Irlanda à força, como já haviam feito com a Galécia.

HistóriaEditar

 
Povos pré-romanos na Península Ibérica

Antes dos romanosEditar

Estrabão, em sua Geografia, descreve os Galaicos da seguinte forma:

E os últimos são os Galaicos, que ocupam uma grande parte da zona montanhosa (por isso, ao serem também os mais difíceis de combater, eles próprios deram o sobrenome ao que submeteu os Lusitanos (Décimo Júnio Bruto Galaico) e fizeram com que à maior parte dos Lusitanos se chame ainda hoje Galaicos.
 
Estrabão, Geografia, livro III cap. 3, 2.[3] .
Todos os habitantes das montanhas são frugais, bebem água, dormem no chão, deixam o cabelo cair pelas costas abaixo, à maneira das mulheres, mas combatem cingindo as frontes com uma fita. Comem sobretudo carne de bode e é um bode que sacrificam a Ares, e também cativos de guerra e cavalos; e fazem ainda hecatombes de cada espécie, à maneira grega (como diz Píndaro: “de tudo se sacrifica à centena”). Realizam igualmente competições gímnicas, quer para hoplitas, quer para cavaleiros (com pugilato, corrida, escaramuça e combate por grupos). Os habitantes das montanhas, durante duas partes do ano, utilizam bolotas, depois de as terem secado e triturado; logo as moem e as transformam em pão, de modo que se conservem por algum tempo. E utilizam também cerveja, mas têm falta de vinho: o que arranjam, todavia, depressa o consomem , banqueteando-se com os parentes. Em vez de azeite, usam manteiga. Tomam a refeição sentados, em bancos construídos em torno das paredes, e acomodam-se de acordo com a idade e a honra (a refeição circula) e, enquanto bebem, dançam em círculo ao som da flauta e da trombeta, mas também saltam e põem-se de cócoras. Na Bastetânia, dançam inclusive as mulheres em conjunto com os homens, de mão dada. Todos eles vestem de negro, a maior parte com saios, e é com eles que se deitam sobre camas de folhagem.
 
Barco feito duma armação de vime e de 3 peles de vaca (Currach) no Bedford River Festival
Usam [...] de cabra, como os Celtas. As mulheres, por seu turno, apresentam-se com capas e vestidos floridos. Em vez de moeda, os que estão bem no interior utilizam a troca de produtos ou, cortando uma lasca de prata, dão-na como pagamento. Aos condenados à morte, precipitam-nos de um penhasco, e aos parricidas, lapidam-nos fora dos limites das montanhas ou dos rios. Casam-se do mesmo modo que os Gregos. Aos enfermos, tal como faziam os Egípcios no passado, expõem-nos nos caminhos, para que quem tem experiência da doença dê conselhos. Até ao tempo de Bruto, usavam embarcações de couro para atravessar as enchentes da maré e as zonas pantanosas, mas agora, mesmo as canoas feitas de um só tronco são raras. O sal é púrpura, mas branco depois de moído. É este o modo de vida dos habitantes das montanhas, como disse refiro-me àqueles que delimitam o lado norte da Ibéria: Galaicos, Ástures e Cântabros, até à região dos Vascos e dos Pirenéus, pois o modo de vida de todos eles é semelhante...
 
Estrabão, Geografia, livro III cap. 3, 7.[3] .


A Galécia nasceu política e administrativamente com a invasão romana, embora ao nível cultural já existisse uma unidade regional, desde a Lusitânia em território dos "povos/gentes dos castros" (populi castrorum) ou galaicos (gallaeci; latinização do etnônimo grego kallaikói), nome por que eram conhecidas essas tribos do noroeste da Península Ibérica na Antiguidade Clássica.

Os galaicos estavam distribuídos em três tribos principais à que corresponde a etimologia celta, latinizada nos documentos clássicos:

Já aparecem documentados os galaicos nas guerras da Lusitânia lutando no exército de Viriato contra o Império Romano.

A conquista romanaEditar

 
Campanhas militares romanas:
  Bruto em (138–136 a.C.)
  Júlio Cesar em (62 a.C.)
  Augusto 1ª expedição das guerras cantábricas
  Augusto 2ª expedição ( as duas entre 26–19 a.C.)

Durante as Guerras Púnicas, os romanos iniciaram a conquista da Hispânia.

Provincia Hispania Gallaecia
Província da Hispânia Galécia
Província do(a) Império Romano
  
284409  

 
Mapa da Diocese da Hispânia (c. 400) mostrando o território da Galécia.
Capital Bracara
Líder Praeses

Período Antiguidade Tardia
284 d.C. Reforma de Diocleciano
411 d.C. Conquistada pelos suevos
711 d.C. Invasão muçulmana da Península Ibérica

A seguir a morte de Viriato, nos anos 138 - 136 antes de Cristo, o cônsul romano Décimo Júnio Bruto Galaico,[4] lidera a primeira expedição no Noroeste e ganha, segundo ele, uma grande batalha, nas margens do rio Durius, contra a tribo dos galaicos, de 60 000 homens segundo Paulo Orósio, em 137 a.C.. O general romano vitorioso, Décimo Júnio Bruto, tornou-se um herói e recebeu o agnome Galaico (Gallaicus; "conquistador dos galaicos"), mas a conquista era relativa. Porque entre 96 a.C. e 94 a.C., nova expedição romana, por P. Licinius Crassus que abriu aos romanos as portas da mineração no Noroeste. Pouco tempo depois em 74 a.C. é a vez de M. Perpena, que terá tomado Cale. Por volta de 62 a.C., veio Júlio César na qualidade de procônsul numa expedição até Brigantium (Betanzos), Corunha. Os povos da regiões das Astúrias e Cantábria revoltaram-se por varias vezes e obrigaram os romanos a intervir no ano de 43 por Lépido; em 38 por C. Domício Flaco; em 35 por C. Norbano Flaco; em 34 por L. Márcio Filipo; em 33 por Ap. Claúdio Pulcro; em 29 Autarciapor T. Statílio Tauro e em 28 por Caio Calvísio Sabino.[5]Augusto conseguiu pacificar a região com as violentas e implacáveis Guerras Cantábrias, entre 26 e 19 a.C. A resistência dos galécios chocou os romanos: suicídios coletivos ao invés de rendições; mães assassinando os filhos antes de tirarem a própria vida; prisioneiros crucificados cantando hinos de triunfo; e finalmente constantes revoltas de prisioneiros escravizados que assassinavam seus guardas e voltavam para casa vindos da Gália. A partir daí, guerreiros galécios se juntaram às legiões romanas e serviram em territórios tão distantes quanto a Dácia e a Britânia.[6]

Galécia romanaEditar

Até ao século III, a Galécia fazia parte da Hispânia Tarraconense e fazia fronteira ao sul com a Lusitânia. Ela estava dividida em dois conventos (conventi) - lucense e o bracarense - e, de acordo com os registros, se distinguia claramente de outras zonas como a Astúrica. No século III, Diocleciano reformou completamente a administração das províncias e criou uma divisão administrativa que incluía os convento da Galécia, Astúrica e, possivelmente, Cluniense. A nova província passou a ser chamada de Galécia, pois ela era a região mais populosa e importante da província. Em 411, conforme ruía o controle romano, as conquistas suevas transformaram a Galécia romana (lucense e bracarense) no Reino da Galiza (o Galliciense Regnum relatado por Hidácio e Gregório de Tours).

Governadores romanosEditar

Depois dos romanosEditar

 Ver artigo principal: Reino Suevo

Na noite de 31 de dezembro de 406, diversos povos — alanos (de origem iraniana) e vândalos e suevos (povos germânicos) — atravessaram a fronteira romana no Reno, que havia congelado. Eles avançaram para o sul saqueando a Gália e atravessaram os Pireneus em 409 d.C. Dois anos mais tarde, dividiram entre si as províncias romanas da Hispânia: Cartaginense, Tarraconense, Galécia e Bética. Os suevos se apoderaram duma parte da Galécia e lá fundaram um reino. Depois que os vândalos e os alanos partiram para conquistar o norte da África, os suevos assumiram o controle da maior parte da Península. Porém, a maior parte do território foi perdido para os visigodos, que, depois de emergirem vitoriosos das inúmeras guerras que se seguiram, anexaram a Galécia.

Depois que os visigodos foram derrotados e a Hispânia foi anexada pelos mouros, um grupo de estados visigóticos sobreviveu nas região montanhosa ao norte, inclusive a Galécia. Na obra de Beato de Liébana (m. 798), Galécia passou a ser o termo para designar a porção cristã da Península Ibérica ao passo que Hispania era o nome da porção muçulmana. Os emires do sul jamais tentaram tomar a região, que consideravam muito montanhosa e sem valor econômico, pois não tinham azeite e nem vinho.

Na época de Carlos Magno, os bispos da Galécia compareceram ao Concílio de Frankfurt (794). Em sua residência em Aquisgrão, ele também recebeu embaixadas de Alfonso II das Astúrias segundo as crônicas francas.

Sancho III da Navarra, em 1029, faz referência a Vermudo III como Imperator domus Vermudus in Gallaecia.

Ver tambémEditar

Referências

  1. Luján, Eugenio R. (2000) "Ptolemy's 'Callaecia' and the language(s) of the 'Callaeci', in: David N. Parsons & Patrick Sims-Williams, editors (2000) Ptolemy; towards a linguistic atlas of the earliest Celtic place-names of Europe: papers from a workshop sponsored by the British Academy, Dept. of Welsh, University of Wales, Aberystwyth, 11–12 April 1999, pp. 55-72.
  2. Entre eles os prestamarcos (praestamarci), supertamarcos (supertamarci), nérios (nerii) e ártabros (artabri), mas também todos os povos que viviam na costa com exceção dos gróvios (grovi) do sul da Galícia e do norte de Portugal - Pompônio Mela, Corografia, III.7-9.
  3. a b Estrabão, Geografia, livro III, Introdução.tradução do grego e notas de Jorge Deserto, Susana da Hora Marques Pereira. Imprensa da Universidade de Coimbra
  4. Topografia e urbanismo fundacional de Bracara Augusta, Manuela Martins Uminho, UAUM; Maria do Carmo Ribeiro UMinho; UAUM; Jorge Ribeiro Bolseiro de p6s doc FCT; Uminho e Ricardo Mar Universidade Rovira i Virgili, Tarragona
  5. Morais, Rui. Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (UAM) em parceria , com o NARQ· Núcleo de Arqueologia da Universidade do Minho, eds. Autarcia e Comércio em Bracara Augusta, Contributo para o estudo económico da cidade no período Alto-Imperial. [S.l.: s.n.] ISBN 972-9382-14 Verifique |isbn= (ajuda) 
  6. Estrabão, Geografia, livro III cap. 4, 17

BibliografiaEditar

  • Coutinhas, José Manuel (2006). Aproximação à identidade etno-cultural dos Callaeci Bracari. Porto: [s.n.] 

Ligações externasEditar

 
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