Miguel de Arruda
Miguel de Arruda (data de nascimento desconhecida — 1563), foi um arquiteto e engenheiro militar português.
Miguel de Arruda | |
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Morte | 1563 |
Ocupação | Arquiteto; Engenheiro militar |
Movimento | Renascimento, Maneirismo, Estilo chão |
Obras notáveis | Convento da Graça (Évora); Igreja do Convento do Bom Jesus de Valverde; Forte de São Julião da Barra |
Na sua obra inicial encontramos alguns dos primeiros casos exemplares da afirmação do novo gosto renascentista em território nacional (Igreja da Graça, Évora; igreja do Convento do Bom Jesus de Valverde; etc.). Iria também destacar-se enquanto arquiteto/engenheiro militar (Forte de S. Julião da Barra; etc.) e desempenhar um papel de relevo na inflexão maneirista de meados do século XVI, em particular na afirmação do estilo chão (Igreja da Misericórdia de Santarém; etc.) .
Biografia / Obra
editarFilho de Francisco de Arruda e sobrinho de Diogo de Arruda, Miguel de Arruda nasceu no seio de uma família com expressiva linhagem de engenharia militar. Ganhou especialização e fama no aprendizado com o pai e no contacto com Benedetto da Ravenna, engenheiro de Carlos V (Carlos I de Espanha). Em 1533 foi ordenado arquiteto do Mosteiro da Batalha por D. João III, sendo responsável pela varanda renascentista das Capelas Imperfeitas. [1][2]
Foi autor da Igreja da Graça (Évora) (Classificado como Monumento Nacional, 1910), cujas fachada e capela-mor integram esculturas atribuídas a Nicolau Chanterene (a construção do templo estaria bastante avançada em 1540). Os volumes recortados em granito desta igreja "reúnem elementos renascentistas e maneiristas, que refletem o ambiente humanista que então se vivia em Évora, revelando simultaneamente, a importância capital desta obra no panorama artístico nacional, por ter desempenhado um papel primordial na adesão do gosto régio à arquitetura do humanismo".[3][4]
De acordo com a atribuição de Reinaldo dos Santos e, mais recentemente, de Manuel Branco (comprovada documentalmente por este último em 1988-1993), Miguel de Arruda foi autor da igreja do Convento do Bom Jesus de Valverde, perto de Évora (1543-1544). Rodeada por outras edificações, esta pequena igreja mal se vê do exterior. Trata-se de um espaço simultaneamente minúsculo e monumental, cujo traçado, baseado numa rede de quadrados, parece obedecer a uma intenção matemática em que Paulo Pereira identifica a possível influência do tratado do sienense Francesco di Giorgio; "No interior, obtém-se uma infinidade de soluções perspéticas e uma combinatória espacial de grande apuro geométrico". O edifício é constituído pela articulação de cinco octógonos e utilização de cúpulas, sendo considerado por Vítor Serrão como uma das "joias do nosso classicismo experimental". A rapidez da construção (ultimada por Manuel Pires, mestre-de-obras do Cardeal D. Henrique), "permitiu preservar melhor o facies do risco de Arruda, tão elegante, cuidado e singular na sua microarquitectura quase florentina para eleitos".[1][5][6]
Em 1541 Arruda acompanha Benedetto da Ravenna a Mazagão quando este aí concebeu a reconfiguração das edificações fortificadas, uma iniciativa que viria a colocar Portugal "a par da última palavra em matéria de fortificação" (neste processo também participaram Diogo de Torralva e João de Castilho, este último como construtor). Trabalha em Tânger e Ceuta (1543), nas fortalezas da Ilha de Moçambique (Fortaleza de São Sebastião ) e da Baía de Todos os Santos (1546). Em 1548 concebe e dirige a empreitada de construção da Fortaleza de S. Jorge da Mina, incluindo uma grande cisterna idêntica à de Mazagão. Devido à sua competência e sucesso no empreendimento de S. Jorge da Mina, em dezembro desse mesmo ano é designado «mestre das obras das fortalezas do continente e ultramar». A culminar a sua vasta atividade no âmbito da arquitetura militar deve destacar-se o Forte de São Julião da Barra (1553-1568), localizado na ponta de São Gião, na margem direita do estuário do rio Tejo; segundo o historiador de arte Rafael Moreira, trata-se de uma das obras-primas da arquitetura portuguesa, "à altura das melhores criações do século XVI".[7][8]
Em 1548 assume as funções de arquiteto das obras alcobacenses, para a qual provavelmente desenhou a atual Sala dos Reis. Desta mesma fase é a Capela palatina de Salvaterra de Magos (pertencente ao antigo Paço de Salvaterra de Magos, também da sua traça, de que só restam a capela e a falcoaria), "que combina o sistema de planta centralizada provido de cúpula com um tratamento espacial já de recorte palladiano", e apresenta inequívocas semelhanças com a Capela de Bom Jesus de Valverde. Contemporânea desta capela é o açougue da cidade de Beja (mais tarde adaptada e hoje a Igreja da Misericórdia de Beja ), que Vítor Serrão atribui também à traça de Miguel de Arruda. Segundo esse historiador esta edificação recria o espaço das igrejas-salão clássicas e poderá ter aberto o caminho às hallenkirshen portuguesas da segunda metade do sáculo XVI, "onde o estilo chão e a aceitação dos módulos maneiristas passam a impor, pela sua funcionalidade e distorção do «clássico», um novo sistema construtivo, doravante dominador".[1][9]
É consensual a atribuição a Miguel de Arruda de um papel determinante na configuração daquele que seria classificado por George Kubler de Estilo Chão (c. 1580-1680), uma tipologia arquitetónica caracterizada por um apurado sentido clássico e despojamento decorativo que reflete aspetos inerentes à arquitetura militar (área em que Arruda foi uma figura de referência). Miguel de Arruda foi autor da Igreja da Misericórdia de Santarém (1559), "espaço de templo-salão em que o sentido monumental das proporções ligado ao sistema de cobertura e ao despojado perfilhamento das colunas toscanas […] nos revela esse não-escondido utilitarismo de signo militar".[10]
Vários indícios permitem deduzir a sua ligação à corte, onde terá desempenhado um papel teórico e didático, esboçando soluções para uma grande diversidade de edificações, tendo sido responsável por importantes obras de iniciativa régia durante o reinado de D. João III. Estará na origem da tipologia e, provavelmente, da traça, das novas sés edificadas nesse reinado, que obedecem a princípios comuns (todas elas são igrejas-salão, com três naves de igual altura e abóbada única de nervuras, onde predomina um despojamento de feição militar), o que pressupõe uma ação coordenada: Sé de Leiria, em geral atribuída a Afonso Álvares (genro de Miguel de Arruda); Sé de Miranda do Douro (onde a figura de Miguel de Arruda se documenta em 1552); Sé de Portalegre (obras a cargo do mestre João Vaz); Sé de Velha Goa, que também poderá ser derivada de desenhos de sua autoria (através do seu discípulo Inofre de Carvalho, residente na India desde 1551, embora a execução tenha estado a cargo de Júlio Simão).[10][11][12][13]
Foi ainda autor do portal principal da Sé de Elvas, encomendado pelo cardeal D. Henrique (1550)[14], da Fonte da Vila de Alter do Chão (1556) e do projeto da Varanda do Grão Prior, na Vila do Crato. Embora sem confirmação, talvez lhe possa ser atribuída a conceção da Igreja de Santa Maria de Estremoz (1556-1562) e de outras igrejas-salão então edificadas no sul de Portugal.[15][16]
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Convento do Bom Jesus de Valverde
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Igreja da Graça, Évora
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Igreja da Misericórdia de Santarém
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Igreja da Misericórdia de Santarém
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Igreja da Misericórdia de Santarém
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Sé de Leiria
Bibliografia
editar- Pereira, Fernando António Baptista (1992). História da arte portuguesa: época moderna. Lisboa: Universidade Aberta
- Pereira, Paulo (2011). Arte Portuguesa: História Essencial. Lisboa: Círculo de Leitores; Temas e Debates. ISBN 978-989-644-153-1
- Serrão, Vítor (2002). História da Arte em Portugal: o renascimento e o maneirismo. Lisboa: Editorial Presença. ISBN 972-23-2924-3
- Serrão, Vítor (1986). História da arte em Portugal: o maneirismo. Lisboa: Publicações Alfa
Referências
- ↑ a b c Serrão 2002, pp. 74-76.
- ↑ «Miguel de Arruda». Mosteiro da Batalha. Consultado em 14 de maio de 2016
- ↑ Pereira 1992, p. 49.
- ↑ Rosário Carvalho. «Frontaria da igreja da Graça». DGPC. Consultado em 14 de maio de 2016
- ↑ Pereira 2011, pp. 530, 531.
- ↑ Manuel Branco (1993). «Convento do Bom Jesus de Valverde». Monumentos. Consultado em 14 de maio de 2016
- ↑ Serrão 2002, pp. 74-76, 187-189.
- ↑ Serrão 1986, pp. 140-144.
- ↑ Maria de Lurdes Craveiro. «Capela e falcoaria das ruínas do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos». DGPC. Consultado em 14 de maio de 2016
- ↑ a b Serrão 2002, pp. 187-189.
- ↑ «Sé de Miranda do Douro». Património do Território – Direção Regional da Cultura do Norte. Consultado em 14 de maio de 2016. Arquivado do original em 6 de janeiro de 2014
- ↑ Catarina Oliveira. «Sé de Portalegre». DGPC. Consultado em 14 de maio de 2016
- ↑ Pereira 2011, pp. 572-576.
- ↑ Rosário Gordalina (2007). «Catedral de Elvas / Sé de Elvas / Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Assunção». DGPC. Consultado em 14 de maio de 2016
- ↑ Serrão 2002, pp. 76, 189.
- ↑ Pereira 2011, p. 576.