Nociceptina

composto químico

A nociceptina / orfanina FQ (N/OFQ), um neuropeptídeo de 17 aminoácidos, é o ligante endógeno do receptor de nociceptina (NOP, ORL-1) e atua em inúmeras atividades cerebrais, como na sensação de dor e aprendizado do medo. É derivada da proteína prepronociceptina, assim como outros 2 peptídeos, nocistatina e NocII, que inibem a função do receptor N/OFQ.[1] A nociceptina atua como um potente anti-analgésico, efetivamente neutralizando os efeitos dos analgésicos. O gene que codifica a prepronociceptina está localizado no Ch8p21 em humanos e atua no receptor de nociceptina (receptor NOP), anteriormente conhecido como ORL1.[2] A nociceptina é o primeiro exemplo de farmacologia reversa.[3][4]

Nociceptina
Nociceptina
Estrutura química da nociceptina

Papéis da nociceptina editar

Desde a sua descoberta, a nociceptina tem sido de grande interesse para os pesquisadores. Este ligante é um peptídeo relacionado à classe de opioides, como a morfina e a codeína, porém não atua nos receptores opióides clássicos que normalmente agem como analgésicos. A nociceptina é amplamente distribuída no SNC; é encontrada no hipotálamo, tronco cerebral e prosencéfalo, bem como nos cornos ventral e dorsal da medula espinhal. O receptor NOP também é amplamente distribuído por áreas do cérebro, incluindo o córtex, núcleo olfativo anterior, núcleos septais, hipotálamo, hipocampo, amígdala cerebelosa, substância cinza periaquedutal, núcleo pontino, núcleo interpeduncular, substância negra, complexo de rafe, cerúleo e medula espinhal.[5]

Dor editar

O sistema N/OFQ-NOP é encontrado no tecido nervoso central e periférico, onde está posicionado para modular a nocicepção e a sensação de dor do corpo.[2] Ao contrário da morfina e de outros opioides usados para aliviar a dor, o papel da nociceptina na nocicepção não é este. Estudos mostraram que a administração de N/OFQ no cérebro causa hiperalgesia.[3] Isso a torna única e distinta dos peptídeos opioides clássicos, que normalmente agem como analgésicos, pois a nociceptina pode inclusive neutralizar a analgesia, agindo como um anti-opioide. Além disso, o bloqueio do receptor de nociceptina pode levar a um aumento do limiar da dor e à diminuição da tolerância aos opioides analgésicos.[6] Estudos recentes propuseram que a função anti-analgésica da nociceptina decorre da inibição da ação do cinza periaquedutal, que é responsável por controlar a modulação da dor no sistema nervoso central. Esse efeito pode levar ao seu uso como um método para reduzir a dose de morfina e, dessa maneira, reduzir o desenvolvimento de tolerância e dependência.[5] Vale ressaltar porém que quando a nociceptina é administrada na medula espinhal, produz efeitos analgésicos semelhantes aos opioides clássicos.[7]

Transtornos de Humor editar

Há inúmeros estudos em animais que sugerem que o sistema N/OFQ-NOP tem um importante papel na ansiedade e na depressão.[8] Nesses estudos, a nociceptina apresentou-se como um ansiolítico, mas, em contrapartida, apresentou-se também como um perpetuador da depressão, pois impediu que o N/OFQ se ligasse ao NOP.[9][10]

Tratamento do Abuso de Drogas editar

Em estudos, verificou-se que áreas do hipotálamo e da amígdala que se correlacionam com o processo de recompensa no abuso de drogas contêm receptores NOP. A nociceptina foi também associada à inibição da produção de dopamina relacionada ao processo de recompensa. Especificamente, a nociceptina age para inibir as recompensas neurais induzidas por drogas como anfetaminas, morfina, cocaína e especialmente o álcool em animais, embora o mecanismo exato de como isso ocorre ainda não tenha sido comprovado. Além disso, a nociceptina também possui capacidade terapêutica para atuar no tratamento de dependência de vários medicamentos, potencialmente fazendo parte da composição de compostos que diminuíram as tendências de abstinência.[6]

Aprendizagem e memória editar

Em estudos com animais, foi descoberto que a via do receptor N/OFQ-NOP desempenha tanto papéis positivos quanto negativos na aprendizagem e na memória. Os pontos negativos estão ligadas à alteração do aprendizado do medo em distúrbios cerebrais, como por exemplo no estresse pós-traumático (TEPT).[11] A nociceptina também pode desempenhar um papel inibitório na função de memória, pois alguns estudos in vivo mostraram que ela prejudica o aprendizado, enquanto estudos in vitro, mostraram inibição da potenciação a longo prazo e da transmissão sináptica.[5]

Sistema cardiovascular editar

O sistema N/OFQ-NOP também tem sido implicado no controle do sistema cardiovascular, pois a administração de nociceptina levou ao aumento da pressão sanguínea e à bradicardia. Dessa maneira, entende-se que a nociceptina tem efeitos significativos nos parâmetros cardiovasculares, como pressão arterial e freqüência cardíaca. Porém, variam de acordo com as espécies, pois é, por exemplo, excitatório para roedores e inibitório para ovelhas.[5]

Sistema urinário editar

No sistema urinário, a nociceptina desempenha um papel importante no balanço hídrico, no balanço eletrolítico e na regulação da pressão arterial. Dessa maneira, demonstrou que pode ser usada em um potencial tratamento diurético para aliviar doenças relacionadas à retenção de líquidos.[5]

Sistema imunológico editar

Pesquisas adicionais sugerem que a nociceptina pode estar envolvida no sistema imunológico e na sepse.[12] Um estudo da Universidade de Leicester analisou pacientes gravemente doentes com sepse e descobriu que os níveis de N/OFQ no sangue eram significativamente mais altos em pacientes que morreram dentro de trinta dias em comparação com os sobreviventes.[13]

Sistema digestório editar

Em ambos os intestinos e no estômago, verificou-se que a nociceptina tem efeitos variados na contratilidade desses órgãos, além de estimular o aumento do consumo de alimentos.[5]

Referências

  1. «Nocistatin, a peptide that blocks nociceptin action in pain transmission». Nature. 392: 286–9. PMID 9521323. doi:10.1038/32660  Verifique o valor de |display-authors=Okuda-Ashitaka E, Minami T, Tachibana S, Yoshihara Y, Nishiuchi Y, Kimura T, Ito S (ajuda)
  2. a b «Structure, tissue distribution, and chromosomal localization of the prepronociceptin gene». Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 93: 8666–70. PMC 38730 . PMID 8710928. doi:10.1073/pnas.93.16.8666  Verifique o valor de |display-authors=Mollereau C, Simons MJ, Soularue P, Liners F, Vassart G, Meunier JC, Parmentier M (ajuda)
  3. a b «Isolation and structure of the endogenous agonist of opioid receptor-like ORL1 receptor». Nature. 377: 532–5. PMID 7566152. doi:10.1038/377532a0  Verifique o valor de |display-authors=Meunier JC, Mollereau C, Toll L, Suaudeau C, Moisand C, Alvinerie P, Butour JL, Guillemot JC, Ferrara P, Monsarrat B (ajuda)
  4. Reinscheid. «Orphanin FQ: A Neuropeptide That Activates an Opioidlike G Protein-Coupled Receptor». Science (em inglês). 270: 792–794. ISSN 0036-8075. doi:10.1126/science.270.5237.792 
  5. a b c d e f «Pharmacology of nociceptin and its receptor: a novel therapeutic target». British Journal of Pharmacology. 129: 1261–83. PMC 1571975 . PMID 10742280. doi:10.1038/sj.bjp.0703219  Verifique o valor de |display-authors=Calo' G, Guerrini R, Rizzi A, Salvadori S, Regoli D (ajuda)
  6. a b «The nociceptin/orphanin FQ receptor (NOP) as a target for drug abuse medications». Current Topics in Medicinal Chemistry. 11: 1151–6. PMC 3899399 . PMID 21050175. doi:10.2174/156802611795371341  Verifique o valor de |display-authors=Zaveri NT (ajuda)
  7. «Antinociceptive effects of spinally administered nociceptin/orphanin FQ and its N-terminal fragments on capsaicin-induced nociception». Peptides. 32: 1530–5. PMID 21672568. doi:10.1016/j.peptides.2011.05.028  Verifique o valor de |display-authors=Katsuyama S, Mizoguchi H, Komatsu T, Sakurada C, Tsuzuki M, Sakurada S, Sakurada T (ajuda)
  8. «The nociceptin/orphanin FQ receptor: a target with broad therapeutic potential». Nature Reviews. Drug Discovery. 7: 694–710. PMID 18670432. doi:10.1038/nrd2572  Verifique o valor de |display-authors=Lambert DG (ajuda)
  9. «Orphanin FQ acts as an anxiolytic to attenuate behavioral responses to stress». Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 94: 14854–8. PMC 25127 . PMID 9405703. doi:10.1073/pnas.94.26.14854  Verifique o valor de |display-authors=Jenck F, Moreau JL, Martin JR, Kilpatrick GJ, Reinscheid RK, Monsma FJ, Nothacker HP, Civelli O (ajuda)
  10. «Antidepressant-like effects of the nociceptin/orphanin FQ receptor antagonist UFP-101: new evidence from rats and mice». Naunyn-Schmiedeberg's Archives of Pharmacology. 369: 547–53. PMID 15197534. doi:10.1007/s00210-004-0939-0  Verifique o valor de |display-authors=Gavioli EC, Vaughan CW, Marzola G, Guerrini R, Mitchell VA, Zucchini S, De Lima TC, Rae GA, Salvadori S, Regoli D, Calo' G (ajuda)
  11. «Nociceptin and the nociceptin receptor in learning and memory». Progress in Neuro-Psychopharmacology & Biological Psychiatry. 62: 45–50. PMC 4458422 . PMID 25724763. doi:10.1016/j.pnpbp.2015.02.007  Verifique o valor de |display-authors=Andero R (ajuda)
  12. «Nociceptin system as a target in sepsis?». Journal of Anesthesia. 28: 759–67. PMID 24728719. doi:10.1007/s00540-014-1818-6  |hdl-access= requer |hdl= (ajuda); Verifique o valor de |display-authors=Thomas R, Stover C, Lambert DG, Thompson JP (ajuda)
  13. «Nociceptin and urotensin-II concentrations in critically ill patients with sepsis». British Journal of Anaesthesia. 100: 810–4. PMID 18430746. doi:10.1093/bja/aen093   Verifique o valor de |display-authors=Williams JP, Thompson JP, Young SP, Gold SJ, McDonald J, Rowbotham DJ, Lambert DG (ajuda)