Tradicionalismo

sistema filosófico ou político
 Nota: Não confundir com Escola Tradicionalista (Tradicionalismo esotérico desenvolvido por autores dos séculos XX e XXI).

O tradicionalismo também conhecido como conservadorismo clássico é uma filosofia política que coloca a tradição como critério e regra de decisão, entendendo-a como o conjunto de hábitos e tendências que procuram manter uma sociedade no equilíbrio das forças que lhe deram origem.[1] Enfatiza a necessidade dos princípios de uma ordem moral transcendente, manifestada através de certas leis naturais às quais a sociedade deve se conformar de maneira prudente.[2]

Edmund Burke (à direita), considerado o precursor do tradicionalismo.

No tradicionalismo, conceitos de costume, convenção e tradição são fortemente enfatizados e a razão teórica é considerada de importância secundária em relação à razão prática.[3] Para os conservadores tradicionais, as mudanças sociais surgem espontaneamente, a partir das tradições da comunidade, e não como consequência de um pensamento racional, teórico ou idealizado.[4]

O tradicionalismo surgiu na Europa ao longo do século XVIII como uma reação à Revolução Francesa. Nesse contexto, destaca-se o panfleto Reflexões sobre a Revolução na França, escrito pelo estadista irlandês Edmund Burke, considerado como o precursor do conservadorismo.[5][6] Burke dedicou-se a reagir contra as inovações "filosóficas e destrutivas" oriundas de Paris. Contudo, o tradicionalismo e começou a se estabelecer como uma força intelectual e política em meados do século XX.[7]


Doutrina Tradicionalista Editar

Segundo os tradicionalistas, as sociedades não resultam de um acto de exclusiva vontade pessoal ou de uma imposição deliberada de um grupo. Consideram que a sociedade é uma criação e não uma construção ou um mecanismo. Sendo uma criação, a sua existência é condicionada por leis naturais.[8]

Mas ter atenção que atitude tradicionalista distingue-se da mentalidade conservadora, alicerçada no conservadorismo, que apenas vê o tradicionalismo como apego às tradições sem que estas tenham a possibilidade de evolução, por este último não ser hostil às inovações políticas, sociais, individuais ou grupais. Enquanto o espírito conservador tem uma atitude que se caracteriza pela deliberação em manter a ordem social, política ou económica existente, o espírito tradicionalista é aberto à mudança e até pugna frequentemente pela mudança.

Tradicionalismo em Portugal Editar

 
Juan Manuel de Prada, autor tradicionalista católico espanhol.

A gênese do tradicionalismo português está na obra contra-revolução de Pascoal de Meio Freire.[9] Rejeitando os ideais da Revolução Francesa, do movimento das rebeliões liberais do Porto e separatista do Brasil, os tradicionalistas se identificaram com o tradicionalismo de D. Miguel I.

Obras panfletárias do naipe de Dissertação a favor da monarquia (1799) do marquês de Penalva; os escritos antifranceses de José Acúrcio das Neves (1808 – 1817) e de José Agostinho de Macedo (1809 – 1812); a Refutação metódica das chamadas bases da Constituição política da monarquia portuguesa (1824); Os povos e os reis (1825), de Faustino da Madre de Deus; enquanto no Brasil, a obra propagou tais ideais o Visconde de Cairu.

Após a derrota do miguelismo, José da Gama e Castro (1795 – 1873) continua viva a chama tradicionalista lusitana com a sua obra magna O Novo Príncipe ou o espírito dos governos monárquicos (Rio, 1841). Além da influência patente de Maquiavel, inspirou-se em Burke, Vico e Montesquieu para justificar a monarquia absolutista com base na história e na experiência dos povos, rejeitando qualquer especulação aprioristamente dedutivista.

“A monarquia origina-se diretamente das famílias, tendo se verificado o mesmo por toda a parte. As famílias --que tiveram originariamente o chefe, os filhos e os fâmulos-- fizeram nascer os estados, onde as denominações passam a ser rei ou monarca, nobres e plebe. Examinando-se o curso histórico dos povos verifica-se que a particular organização política que chegaram a adotar dependia das circunstâncias concretas. Uma nação comerciante organiza-se de muito diferente maneira que uma nação agrícola; o mesmo podendo-se dizer da posição geográfica, se marítima ou continental. Assim, quando se diz fazer a constituição, trata-se de declarar direitos pré-existentes ou relações anteriormente formadas. A constituição de uma nação não faz a posição política dessa nação, explica-a. Examinada a experiência europeia verifica-se que a estabilidade e felicidade das nações não depende da forma da sua constituição, mas das qualidades do príncipe.”[10]

Em Portugal, no século XIX, distinguiram-se nesse campo autores como Camilo Castelo Branco e a generalidade dos integralistas como Luís de Almeida Braga, António Sardinha ou Hipólito Raposo, em que a tradição transformou-se na palavra-chave congregadora do Integralismo Lusitano.

Segundo Sardinha, tradição não é somente o passado; é antes a permanência no desenvolvimento. Assim como Almeida Braga que salienta que a tradição não é contrária ao progresso: o passado é força que nos arrasta, não é cadeia que nos prende. Toda a exata noção de Progresso está numa sã interpretação da Tradição, pois o verdadeiro tradicionalismo é, antes de tudo, uma interpretação crítica do Passado, quer dizer, uma atitude de razão. Nega-se assim a identificação da tradição com a inércia, o passadismo e a rotina.[11]

A mudança, porém, deve realizar-se sem romper com os antecedentes morais que são o fundamento de uma dada sociedade.[12] O tradicionalismo reage, normalmente, de forma negativa às revoluções, em especial aquelas que pretendem fazer tábua rasa do passado e do fundamento moral que constituiu uma dada sociedade. Opta antes pela contra-revolução. Para o tradicionalista, deve ser a História, e não as nossas predilecções doutrinárias, o melhor guia na determinação dos regimes políticos. Se uma dada instituição, como a Instituição Real, por exemplo, foi derrubada, é decerto contraproducente tentar voltar e reerguê-la tal como existia, mas deverá ser observado se a função que essa instituição desempenhava encontrou um substituto capaz.

Enquanto carácter filosófico-teológico católico, que se pode confundir com o ultramontanhismo, representa uma oposição do racionalismo extremado, característica principal do século XVIII. Os critérios para encontrar a sua verdade consiste, basicamente, na sua antiguidade, perpetuidade e universalidade. Deste modo, o tradicionalismo defende a submissão de toda ordem moral e social ao poder da Igreja, e a reinstauração da antiga monarquia (não constitucional) como o sistema de governo mais verdadeiro, partindo da aceitação do seu princípio divino.[13]

Obviamente os partidários das ideias consideradas de esquerda são os adversários imediatos, pois defendem ser preciso superar a desigualdade social, o domínio de classes e opressões causadas por estruturas que permanecem imutáveis por muitos séculos. Ou seja, argumentam que manter as tradições é uma forma de perpetuar a exploração e antigas formas de preconceito.[8]

No início do século XX, o tradicionalismo recebeu um contributo insuspeito da ciência nas descobertas de René Quinton, com a «lei da constância do meio vital dos seres». Nessa lei, Quinton não negou a Evolução⁣, mas concretizou-lhe as possibilidades: “os organismos vivos, para se manterem, procuram sempre restabelecer a pureza do seu meio vital, isto é, procuram manter a inviolabilidade das circunstâncias especiais que os geraram e de cuja guarda e duração depende a sua existência”. Os tradicionalistas viram aí uma estrondosa confirmação do princípio tradicionalista: “res eodem modo conservatur quo generantur” (“as coisas existem pelas mesmas razões porque se geram”).

A renovação da biologia seguiu o seu próprio caminho, mas ajudando a destronar o rudimentar ideário do progresso indefinido. Situado na órbita dos fenómenos sociais, o tradicionalismo continua a entender a política como uma realidade, ou uma experiência, garantida e comprovada pelo decurso da história. “As instituições do passado não são boas por serem antigas, mas são antigas por serem boas[8] — é uma famosa máxima tradicionalista.

Referências

  1. Hilton Japiassú, Danilo Marcondes (1993). 'Dicionário básico de filosofia, Zahar. p. 270. ISBN 978-85-378-0341-7.
  2. Duffy, Bernard K. e Martin Jacobi (1993) The Politics of Rhetoric: Richard M. Weaver and the Conservative Tradition . Santa Bárbara, CA: Greenwood Press. p.2
  3. Vicente, André (2009). Ideologias Políticas Modernas . John Wiley & Filhos. ISBN 978-1-444-31105-1. p. 63
  4. Quinton, "Tradicionalism", A Companion to Contemporary Politicla Philosophy, pp. 248-9.
  5. Andrew Heywood, Political Ideologies: An Introduction. Third Edition (Palgrave Macmillan, 2003), p. 74.
  6. F. P. Lock, Edmund Burke. Volume II: 1784–1797 (Clarendon Press, 2006), p. 585.
  7. Sedgwick, Mark (2009). Against the Modern World: Traditionalism and the Secret Intellectual History of the Twentieth Century. [S.l.]: Oxford University Press 
  8. a b c Tradicionalismo, InfoEscola
  9. PAIM, Antonio. “O ponto de partida comum”
  10. MACEDO, U. Diferenças Notáveis Entre o Tradicionalismo Português e o Brasileiro
  11. Tradicionalismo, Polipédia
  12. os tradicionalistas se distinguem dos conservadores por não serem avessos às inovações sociais, políticas, grupais ou individuais. Enquanto o conservador deseja manter a ordem social, política e econômica existente, o tradicionalista é mais sensível a mudanças. No entanto, por serem tradicionalistas, esta mudança não pode ser completa e radical, ela deve acontecer sem rompimento com os antecedentes morais que supostamente fundamentam a sociedade. - Tradicionalismo, InfoEscola
  13. Tradicionalismo, Algosobre Vestibular

Ligações externas Editar

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