A Vida Não É Útil

livro de Ailton Krenak

A Vida Não É Útil é um livro de Ailton Krenak, publicado pela Companhia das Letras. Trata-se de um conjunto de cinco textos elaborados pelo autor: Não se come dinheiro, Sonhos para adiar o fim do mundo, A máquina de fazer coisas, O amanhã não está à venda e A vida não é útil. A reunião desses escritos gerou o livro, lançado no ano de 2020.

A Vida Não É Útil
A Vida Não É Útil
Capa do livro A Vida Não É Útil.
Autor(es) Ailton Krenak
Idioma português
País Brasil Brasil
Assunto ambientalismo
Arte de capa Alceu Chiesorin Nunes
Editora Companhia das Letras
Formato brochura
Lançamento 2020
Páginas 128
ISBN 978-85-3593-369-7

Na obra, o escritor questiona a lógica capitalista, urbana e industrial, além de criticar o padrão de consumo do corpo social, a perda da biodiversidade, a depredação ambiental e a poluição.

Autor e obra editar

O livro é o resultado de cinco textos escritos por Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta, escritor brasileiro da etnia indígena krenaque e Imortal da Academia Brasileira de Letras.[1][2][3] Em cada texto, Krenak questiona a lógica do sistema capitalista e seus efeitos sobre a sociedade humana e meio ambiente.[1][4][5]

Não se come dinheiro editar

No texto — desenvolvido a partir de uma live para o The Intercept Brasil (abr. 2020), palestra no Plante Rio (nov. 2017) e entrevista a Amanda Mussuela e Bruno Weis (nov. 2019) — Krenak propõe uma ideia outra de perceber o mundo, expande o conceito de humanidade, diz que não só os seres humanos que possuem vida e relevância, mas também os outros seres que ocupam este mundo. No entanto, para o escritor, a incapacidade de compreender essa forma de vida atribui um papel de subserviência aos outros animais e, com isso, julgam correto à matança, além da destruição que é realizada em nome do progresso.[4]

A chegada da pandemia da Covid-19, de acordo com o pensador, escancarou a vulnerabilidade dos seres humanos e como esses são irrisórios perante o mundo. Ao longo do processo histórico, algumas construções sociais foram consolidadas e validadas na vida social, como a economia. Porém, o escritor reflete que, com a pandemia, ficou claro que o lucro estava em detrimento da vida.[4] Krenak sublinha que os sujeitos estão dopados pelo consumo e pelo entretenimento e, por isso, há indiferença ao planeta Terra, que pede socorro.[4] Somado a isso, o pensador reflete sobre o uso das tecnologias que, para ele, ora cria, ora destrói. Ailton cita o rio Doce como exemplo de devastação, mas pontua que há diversos casos. Por último, o escritor discute o significado de “vida”, na qual, para o intelectual, entender o termo para do dicionário é uma alternativa para reconhecer o planeta como organismo vivo e, por conseguinte, desenvolver uma melhor relação com esse.[4]

Sonhos para adiar o fim do mundo editar

No texto — desenvolvido a partir de uma live no festival Na Janela (maio 2020) e entrevista a Amanda Mussuela e Bruno Weis (nov. 2019) — Krenak debate a tragédia ambiental do planeta e os malefícios causados pelo agronegócio. O autor apresenta dois aspectos que são característicos das comunidades indígenas e essenciais para melhor compreender a forma de vida desses: o sonho e a orientação coletiva para tomada de decisões.[4]

Outrossim, o pensador discute a concepção de que há uma suposta qualidade especial na humanidade. Inúmeros são os discursos que endossam a pauta, da “predestinação” humana. Ainda nesse mesmo viés, Ailton frisa que, caso isso fosse uma verdade, não existiria guerras, destruição do planeta e da natureza e banalização da morte. Prova dessa realidade, para o escritor, são as movimentações do século XX, em que os seres humanos criaram armas com potencial de destruir o mundo e a própria humanidade.[4]

Para Ailton, urge, pois, que haja mudanças para transformar positivamente essa realidade. Krenak diz ser necessária uma reconfiguração da ordem vigente, e que é preciso pensar para além da lógica capitalista, um outro modo de se relacionar com o mundo.[4]

A máquina de fazer coisas editar

No texto — desenvolvido a partir da live Conversa Selvagem (abr. 2020), entrevista a Fernanda Santana (jan. 2020), live ao canal GNT com Emicida (jun. 2020) e live com os Jornalistas Livres (jun. 2020) — Krenak apresenta a relação de afetividade e proximidade dos povos originários com a natureza, a tratam com sentimento, pois acreditam que são organismos dotados de vida espiritual e, por conseguinte, protegê-la torna-se uma missão, um dever. Contudo, salienta que as políticas com o objetivo de frear o desmatamento são ineficientes.[4] Desse modo, o intelectual pontua que, caso os seres humanos queiram ocupar este espaço por mais tempo, é preciso rever práticas e atitudes.[4]

O autor prossegue afirmando que as ferramentas tecnológicas possuem uma espécie de ilusão imbuída nelas, escondem o que há para além da superfície e faz com que os sujeitos se enganem sobre o que é importante. Ailton compara essas tecnologias digitais com brinquedos, e ainda afirma que os brinquedos saem caros, pois para serem criados devastam o planeta.[4] Ademais, Krenak sublinha que a lógica capitalista estimula o consumismo, forjam necessidade, e as pessoas aderem a essas novas modas, sem que haja reflexão dos danos causados ao planeta Terra.[4] Conforme Krenak, a natureza não admite certos tipos de experiência, visto que os recursos são finitos. Ao curso do tempo, capitalismo e natureza mostraram divergências logo em suas essências. Isso posto, o pensador aponta que essa ideologia não é sustentável para o mundo, pois a urgência pelo acúmulo de capital pode levar a devastar além da Terra, por exemplo, Lua e Marte.[4]

O amanhã não está à venda editar

No texto — desenvolvido a partir de três entrevistas concedidas em abril de 2020 — Krenak discorre sobre a pandemia da Covid-19, as suas implicações e o conceito de isolamento. De início, o autor expõe a forma de vida que as comunidades indígenas viveram o isolamento, por exemplo, plantando milho e árvores. Uma dinâmica completamente diferente da sociedade urbana.[4] Para o escritor, A pandemia colocou em xeque o modo capitalista de funcionamento do mundo. Ademais, o intelectual ressalta que o vírus só afligia os seres humanos e que esses não são o centro do planeta Terra. Há outros seres vivos além da humanidade, os quais possuem o mesmo grau de relevância no mundo.[4] Dessa forma, considerando o fato de que os humanos depredam uma parcela significativa da natureza e da biodiversidade, o intelectual salienta que a humanidade é pior que o vírus. Somado a isso, o coronavírus escancarou pensamentos opostos à noção de humanidade. Isso posto, o autor afirma que a necropolítica e a banalização da morte se destacaram, e o discurso de que “algumas vão morrer” tornou-se comum.[4]

Em seguida, Ailton fala sobre a possibilidade de não o haver amanhã, no caso, devido ao vírus. Por isso, diz que é preciso viver a experiência do hoje, viver como se cada dia fosse, de fato, inédito e único. Em conclusão, o intelectual afirma que a sociedade não pode viver como antes da pandemia da Covid-19 e, caso isso se efetive, a morte das pessoas terão sido em vão, pois o ritmo da "normalidade" é nefasto.[4]

A vida não é útil editar

No texto — desenvolvido a partir de uma conversa para "O Lugar" (mar. 2020), live com os Jornalistas Livres (jun. 2020) e entrevista a Fernanda Santana (jan. 2020) — Krenak questiona a ideia de que os humanos “marcam” o mundo de forma individual. A esse respeito cita o exemplo de um bebê com seus produtos de higiene, como fraldas e lenços, que colabora a depredar a natureza. Logo, é de maneira coletiva que os sujeitos atuam sobre o mundo, ou seja, a responsabilidade sobre o planeta é coletiva. Portanto, para o autor, o modo de vida capitalista é insustentável, haja vista que os recursos naturais são finitos. Em contrapartida, a lógica do capitalismo e o consumismo são insaciáveis, não possuem limite, sempre querem mais e, nesse cenário, o planeta é a vítima. Não há como interferir na Terra e acreditar que nada acontecerá. Contudo, ainda não há criticidade sobre a temática.[4]

Outro aspecto relevante é quando Ailton acentua que a ideia de sustentabilidade trata-se de uma vaidade pessoal. As mudanças precisam acontecer de maneira coletiva, pois os indivíduos vivem em conjunto e atuam sobre o mundo em conjunto. Diante disso, o pensador aponta que é preciso rever bases estruturantes, ideias consolidadas, formas de viver estabelecidas.[4]

Recepção editar

O livro recebeu resenhas de diferentes acadêmicos sobre protagonismo intelectual de autores indígenas.[6][7] Fabiana Canaviera aponta o tom de crítica do livro, principalmente no que diz respeito à temáticas sobre o meio ambiente e o modo de vida na Terra.[6]

“Sua narrativa reflexiva e ao mesmo tempo irônica revela uma cosmovisão na qual não estamos tão acostumados a ver/ler, é totalmente anticolonista e antiantropocêntrica, rompe com uma argumentação cientificista centrada nos saberes que desconsideraram por anos os saberes tradicionais, ancestrais e populares, oriundos daquelas e daqueles que conseguem estabelecer uma comunicação respeitosa com as linguagens da natureza, seus ciclos, elementos e formas” (CANAVIEIRA, 2020, p. 1532).[6]

Victor Aversa aponta que através dos olhos dessa liderança indígena, é possível observar uma outra forma de se relacionar com a Terra e com a Natureza, com respeito, dignidade e humildade.[8]

A Vida Não É Útil é uma obra que nos tira da nossa zona de conforto e que nos provoca de maneira direta. Como dito no início desta resenha, as palavras de Ailton Krenak têm peso, e nos fazem pensar como a vida poderia ser diferente se, simplesmente, soubéssemos ouvir mais a sabedoria ancestral ao invés da ideologia destrutiva da ganância, que nos é transmitida desde o momento em que nascemos” (AVERSA, 2021, p. 232-237).[8]

Jair Ferrari comenta como a obra demonstra que intelectuais indígenas estão ganhando relevância nos espaços públicos de debate, como o próprio Ailton Krenak, Daniel Munduruku, Davi Kopenawa, Julie Dorrico e outras lideranças.[7][9][10]

“a obra pode ser inserida em um contexto relativamente recente no que tange ao trato dos discursos referentes aos povos originários, trazendo para o lugar de foco os seus próprios pontos de vista não só sobre sua vida e comportamento, como também participando de um movimento que os inclui nas esferas acadêmicas como participantes ativos e não objetos de estudo” (FERRARI JÚNIOR, 2022, p. 191-192).[7]

Referências

  1. a b «Eleito intelectual do ano, Aílton Krenak ensina: "A vida não é útil"». Uol - Ecoa. Consultado em 22 de novembro de 2020 
  2. «Ailton Alves Lacerda Krenak». Museu da Pessoa. Consultado em 22 de novembro de 2020 
  3. Maciel', 'Nahima (3 de setembro de 2019). «Questões de sobrevivência definem ideias do escritor Ailton Krenak». Correio Braziliense. Consultado em 5 de agosto de 2021 
  4. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s KRENAK, Ailton (2020). A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras 
  5. «Crítica: Ailton Krenak crê que a pandemia faz pensar sobre a nossa extinção». Folha de S.Paulo. 14 de agosto de 2020. Consultado em 2 de dezembro de 2023 
  6. a b c Canavieira, Fabiana Oliveira (28 de dezembro de 2020). «"A vida não é útil": sonhar e suspender o céu». Zero-a-Seis (Especial): 1530–1537. ISSN 1980-4512. doi:10.5007/1980-4512.2020v22nespp1530. Consultado em 2 de dezembro de 2023 
  7. a b c Júnior, Jair Ferrari (2 de dezembro de 2022). «Decolonialidade e a Ausência de Futuro em "A Vida Não É Útil", de Ailton Krenak». Revista Contraponto (1). ISSN 2358-3541. Consultado em 2 de dezembro de 2023 
  8. a b Aversa, Victor Pereira (27 de dezembro de 2021). «"A vida não é útil" de Ailton Krenak». Último Andar (38): 232–237. ISSN 1980-8305. doi:10.23925/ua.v24i38.53901. Consultado em 2 de dezembro de 2023 
  9. deutschewelle. «"Humanidade vive divórcio da vida na Terra", diz Ailton Krenak». Terra. Consultado em 2 de dezembro de 2023 
  10. «Ailton Krenak: Não quero salvar os índios, mas evitar a extinção da espécie humana». Folha de S.Paulo. 11 de dezembro de 2022. Consultado em 2 de dezembro de 2023