Ana Rodrigues (Covilhã - Lisboa, 1593), também mencionada como Ana Röiz, Ana Roiz ou até Ana Ruiz em alguns documentos de época, onde era usual e comum abreviar o sobrenome patronímico Rodrigues. Ana Rodrigues Antunes foi uma cristã-nova portuguesa e uma colonizadora nas terras do Brasil Colônia, específicamente na Região Nordeste, enquanto era colónia do Reino de Portugal. No Nordeste açucareiro, Ana Rodrigues, foi a matriarca da família Rodrigues-Antunes, que foi acusada de heresia, práticas judaizantes e Criptojudaísmo, no período da primeira visitação do Tribunal do Santo Ofício e da Inquisição portuguesa no Brasil, sob o comando do Inquisidor-geral: Heitor Furtado de Mendonça. Ana Rodrigues foi moradora da Bahia e em 1591, ela foi acusada de ter levado sua família a praticar o judaísmo em uma sinagoga secreta nas terras de sua propriedade privada. Ela foi deportada para Lisboa, onde foi julgada e declarada culpada como uma líder herege e condenada à morte. Ela morreu na prisão em 1593, no entanto, sua imagem foi queimada em público como uma efígie em 1604.[1]

Ana Rodrigues
Nascimento Desconhecido
Morte 1593
Lisboa
Residência Bahia
Cidadania Reino de Portugal
Religião Converso

Tendo sido presa e processada pelo Tribunal do Santo Ofício em fins do século XVI, Ana Rodrigues morreu nos cárceres da Inquisição de Lisboa, onde foi condenada a uma segunda morte, mais de dez anos após o seu falecimento, tendo os seus ossos desenterrados e queimados num auto de fé, além de ter sua lembrança exibida de forma trágica num quadro, causando sua morte social quando rememoravam seu final trágico. Ana Rodrigues emigrou de Portugal ao lado de Heitor Antunes, seu primo e marido, em 1557 para o Estado da Bahia, no Brasil, tornando-se numa das primeiras e mais conhecidas vítimas da primeira visitação do Tribunal do Santo Ofício e da Inquisição Portuguesa no Brasil.[2][3][2][3][4][5]

Biografia editar

Natural da região da Serra da Estrela, em Portugal, partindo de Lisboa, Ana Rodrigues desembarcou no Brasil, a 28 de dezembro de 1557, na companhia do seu primo de segundo grau e marido, Heitor Antunes, mercador de profissão, natural da Covilhã, e dos primeiros dos seus sete filhos, após atravessar o Oceano Atlântico na mesma nau que viajava Mem de Sá para assumir o cargo de Governador-Geral do Brasil.[6][notas 1] Fixando-se na Bahia, apesar de Heitor Antunes ser considerado cristão-novo, tendo abandonado publicamente a fé judaica e se ter convertido à fé cristã, por gozar da confiança do Governador e ser Cavaleiro d'el Rey e da Ordem da Rosa Mística de Cristo, tornando-se assim no primeiro templário a pisar no Brasil, a sua família recebeu um tratamento raro para os conversos à época, tendo lhe sido entregues as terras de Matoim, a sudoeste de Caboto, no Recôncavo da Bahia, e aí construído o seu engenho de açúcar, conhecido como Engenho Matoim, propagando desde então os sobrenomes Rodrigues e Antunes na região bahiana.[7][8]

Livres da vigilância do Reino de Portugal, numa área remota do Brasil e impedidos de ascender na sociedade local, por serem considerados de sangue impuro, Ana Rodrigues e o seu primo-marido enriqueceram nos anos que se seguiram através do seu trabalho como comerciantes e produtores de açúcar assim como através dos casamentos dos seus filhos e filhas com cristãos-velhos, afastando suspeitas sobre as suas práticas religiosas e ganhando poder e prestígio na região. Após duas décadas a residir na região, entre 1575 e 1577, Ana Rodrigues enterrou o seu marido segundo a tradição judaica, envolto em mortalha e em terra virgem, com o intuito de alí também ser enterrada a seu lado, tal como ditava a tradição dos seus antepassados.[1]

Em 1591, com a chegada do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição portuguesa e do padre Heitor Furtado de Mendonça ao Brasil, especificamente ao Nordeste açucareiro, devido a várias desconfianças por parte de outros proprietários de terras de que a família Rodrigues-Antunes ainda praticava a sua fé original, assim vivendo como cripto-judeus e sendo o catolicismo a única religião permitida no reino de Portugal e suas colónias, toda a família Rodrigues-Antunes foi acusada de heresia e práticas judaizantes, como a preparação de alimentos cerimoniais, celebrações litúrgicas do calendário judaico tradicional, realização de jejuns, bênçãos e orações judaicas, posse e leitura de livros sagrados e de terem criado uma espécie de sinagoga clandestina na sua propriedade em Matoim.[9][notas 2] Embora todos os membros da família Rodrigues-Antunes terem sido denunciados por várias testemunhas, chegando alguns a confessar os crimes de que eram acusados, as acusações mais graves recaíram sobre as mulheres da família, referidas como "macabéias de Matoim", que eram consideradas as principais responsáveis pela transmissão dos valores e práticas da sua religião, e a matriarca Ana Rodrigues Antunes, que já era octogenária em 1591, tendo sido realizadas pelo menos dezesseis denúncias diretas contra esta apenas no primeiro mês dos trabalhos da visitação nas terras baianas.[10][2]

Questionada sobre os seus hábitos alimentares, expressões coloquiais, práticas e costumes religiosos, Ana Rodrigues apresentou sempre resposta para os seus inquisidores, muitas vezes criando novas versões ou até mesmo contradições durante o seu inquérito. Consideradas altamente suspeitas de gerenciarem um núcleo de resistência judaica na região, Heitor Furtado de Mendonça enviou para Lisboa toda a documentação recolhida sobre as mulheres da família Rodrigues-Antunes para a análise do Conselho Geral do Santo Ofício, sendo os processos de Ana Rodrigues e as suas filhas Violante, Beatriz e Leonor e uma das suas netas, Ana Alcoforado, que foi denunciada pelo seu próprio marido: Nicolau Folleiro de Vasconcelos. As acusações eram consideradas legítimas para serem levadas ao Tribunal da Inquisição.[11][12][7][8]

Mesmo frequentando missas e vivendo publicamente como cristã, Ana Rodrigues tomou as rédeas dos negócios do marido após seu falecimento, incluindo a sinagoga clandestina que mantinham em um de seus engenhos na Bahia e fazia em casa festas e ritos judaicos, se recusando a aceitar as práticas católicas. A Inquisição portuguesa acabaria com a tranquilidade da família.

De toda a família Rodrigues-Antunes, Ana Rodrigues foi a mais denunciada e com maior gravidade por criptojudaísmo e desrespeito. Muitos costumes da matriarca e de sua família foram denunciados ao Inquisidor-geral Heitor Furtado de Mendonça, como práticas de jejuns, bençãos e lutos judaicos, orações com guaias, respeito aos dias santos dos hebreus, guardar dias sagrados, não comer certos tipos de alimentos, como: frutos do mar e carne de porco, transmitir as cerimônias judaicas aos descendentes. A presença dos filhos, netos e sobrinhos nas acusações mostra a complexidade do criptojudaísmo na família Rodrigues-Antunes, principalmente quando percebe-se como algumas tradições foram filtradas e algumas práticas foram abandonadas através do próprio processo de aculturação da qual os cristãos-novos estavam submetidos. Assim como o restante de sua família, Ana Rodrigues depôs para Heitor Furtado de Mendonça na tentativa de aliviar as culpas impostas pelo inquisidor. Usou sua dissimulação, procurou confundir o inquisidor, negava coisas que antes havia afirmado, mudava seu depoimento e alterava sua idade de 80 anos para 86 e para 110 anos. Seu teatro, no entanto, não convenceu ao inquisidor, foi presa e enviada para Lisboa, onde foi enjaulada e ficou incomunicável. Ana Rodrigues morreu no cárcere, o que não a livrou de ser processada, teve sua memória amaldiçoada, seu corpo desenterrado e queimado e recebeu um quadro retratando seu corpo sendo queimado. Este quadro foi colocado na sinagoga particular da família Rodrigues-Antunes nas terras baianas de Matoim como um lembrete aos demais Cripto-judeus que ousassem ir contra a fé católica.[5][13]

Presa e enviada para Lisboa, em 1593, onde seria julgada, Ana Rodrigues faleceu dois meses depois nos cárceres da Inquisição, não chegando a ouvir a sentença que a condenou à morte na fogueira quase uma década depois. Postumamente, em 1604, a sua memória foi amaldiçoada e os seus ossos desenterrados e incinerados.[4][14]

Ana Rodrigues Antunes, teve ainda queimada sua Efígie, uma espécie de retrato pintado para a ocasião, envolto com figuras demoníacas e pendurada dentro da sinagoga que construiu junto com o seu primo-marido em suas terras.[15]

Actualmente Ana Rodrigues é relembrada como uma mártir da resistência judaica e Criptojudaísmo em tempos de perseguição religiosa e a primeira mulher a ser julgada e condenada à morte na fogueira na América portuguesa.[16]

Descendência editar

Do seu casamento com seu primo Heitor Antunes, teve sete filhos:[3][4]

  • Isabel Rodrigues Antunes, casada com o cristão-velho António Alcoforado, proprietário de terras e produtor de açúcar, do qual deixou descendência: Ana Alcoforado (1565-);
  • Violante Rodrigues Antunes, casada com o cristão-velho Diogo Vaz Escobar, do qual deixou descendência: Lucas de Escobar e Isabel Antunes;
  • Beatriz Rodrigues Antunes, casada com o cristão-velho Sebastião de Faria, capitão-mor e senhor de engenho que participou na conquista de Sergipe aos índios aimorés, do qual deixou descendência: Manuel de Faria, Valentim de Faria, Inês Brites Antunes, casada com Gaspar Pereira de Menezes, e Custódia de Faria, casada com Bernardo Pimentel de Almeida;
  • Leonor Rodrigues Antunes (1560-1641), casada com o cristão-velho Henrique Moniz Barreto Teles, o Velho (1551-1620), fidalgo escudeiro da casa real e irmão de Duarte Moniz Barreto, alcaide-mor de Salvador, do qual deixou descendência: Diogo Moniz Teles (1579-1657), casado primeiramente com Catarina Vitória e, depois, com Maria de Menezes, Antónia de Menezes (1584-?), casada com Diogo Lopes Franco, Inês de Menezes (1588-?), casada com o capitão António Coelho Pinheiro, Joana Teles, casada com Nuno Dares ou d'Álvares, Henrique Moniz Teles, o Novo, casado com Maria Soares, e de Maria Beatriz de Menezes, casada com João Rodrigues Colaço, capitão-mor do Rio Grande do Norte;
  • Jorge Rodrigues Antunes, casado com a cristã-velha Joana de Bettencourt de Sá, filha do fidalgo Francisco Álvares Ferreira de Bettencourt, do qual deixou descendência: Francisco de Bettencourt, casado com Arcângela de Melo, e de Maria de Sá, casada com Luís de Melo e Vasconcelos;
  • Álvaro Lopes Röiz Antunes (-1600), casado com a cristã-velha Isabel Ribeiro, do qual deixou descendência: Manoel Antunes e Joana Antunes;
  • Nuno Ruiz Fernandes Antunes.

Notas

  1. Citado por Mem de Sá em relatório enviado ao rei D. Sebastião, em 1572, Heitor Antunes tornou-se senhor de terras e do engenho Matoim (cujas ruínas encontram-se, atualmente, no município de Candeias), e parecia desfrutar da confiança do governador, uma vez que se tornou responsável pela coleta do imposto do açucar.
  2. Ou "esnoga", como se dizia à época.

Bibliografia editar

  • Lipiner, E. Santo Ofício de Lisboa: confissões da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 1997
  • Vainfas, Ronaldo (direção). Dicionário do Brasil Colonial: 1500 - 1808. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2000

Referências editar

  1. Lipiner, E. Santo Ofício de Lisboa: confissões da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 1997
  2. a b AC00310194, Anonymus (1971). Encyclopaedia Judaica (em inglês). [S.l.]: Macmillan 
  3. a b Schumaher, Maria Aparecida (1 de outubro de 2000). Dicionário mulheres do Brasil: De 1500 até a atualidade - Biográfico e ilustrado. [S.l.]: Editora Schwarcz - Companhia das Letras 
  4. a b Assis, Angelo Adriano Faria de (29 de dezembro de 2021). «Morrer mil vezes! As várias mortes de Ana Rodrigues, moradora na Bahia, condenada pela Inquisição». Revista M. Estudos sobre a morte, os mortos e o morrer (12): 318–330. ISSN 2525-3050. Consultado em 13 de julho de 2023 
  5. a b ASSIS, Angelo Adriano Faria de (2006). «As "mulheres-rabi" e a Inquisição na colônia: narrativas de resistência judaica e criptojudaísmo feminino - os Antunes, macabeus da Bahia (séculos XVI-XVII)». A Inquisição em Xeque. Rio de Janeiro: UERJ. pp. 184–190
  6. Chiavenato, Julio José (1985). O inimigo eleito: os judeus, o poder e o anti-semitismo. [S.l.]: Mercado Aberto 
  7. a b Izecksohn, Isaac (1967). Os marranos brasileiros. [S.l.]: Livraria Freitas Bastos 
  8. a b Nossa história. [S.l.]: Biblioteca Nacional. 2006 
  9. Araújo, Nélson de (1991). 1591, a Santa Inquisição na Bahia e outras estórias. [S.l.]: Editora Nova Fronteira 
  10. Serebrenick, Salomão; Lipiner, Elias (1962). Breve história dos judeus no Brasil. [S.l.]: Edições Biblos 
  11. Portugal, Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de (1997). Confissões da Bahia: Santo Ofício da Inquisição de Lisboa. [S.l.]: Companhia das Letras 
  12. Brasileiro, Instituto Histórico e Geográfico (1946). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. [S.l.]: Imprensa Nacional 
  13. "Mártir da religião proibida, Ana sofreu pressões, ofensas, intolerâncias, calúnias, discriminações e punições por lutar pelo resgate e continuidade da identidade de seu povo. Não foi vencida, pois ensinava a tradição mosaica aos filhos e contribuía para manter vivos a memória e os ideais da religião oculta que insistia em acreditar".
  14. Tavim, José Alberto R. Silva; Barros, Maria Filomena Lopes de; Mucznik, Lúcia Liba (2015). In the Iberian Peninsula and Beyond: A History of Jews and Muslims (15th-17th Centuries) Vol. 1 (em inglês). [S.l.]: Cambridge Scholars Publishing 
  15. Siqueira, Sonia A. (1978). A Inquisição Portuguesa e a sociedade colonial. [S.l.]: Editora Ática 
  16. Ragusa, Helena (14 de junho de 2021). Os cristãos-novos no Brasil colonial e a escrita nos livros didáticos (em inglês). [S.l.]: EDUEL