Batalha dos Aflitos

partida de futebol entre Náutico e Grêmio

A Batalha dos Aflitos é o nome usado para uma partida de futebol completamente atípica e que resultou na conquista,[1] pelo Grêmio, do Campeonato Brasileiro Série B de 2005. Foi disputada no sábado, 26 de novembro de 2005 entre Náutico e Grêmio em Recife, Pernambuco. O nome "Batalha dos Aflitos" é usado em referência ao local da partida, o Estádio Eládio de Barros Carvalho, no bairro dos Aflitos, e também à enorme tensão demonstrada por ambos os clubes durante a partida. O eventual vencedor seria promovido para o Campeonato Brasileiro Série A em 2006. Um pênalti no segundo tempo levou a uma confusão generalizada que paralisou o jogo por 27 minutos, com quatro jogadores gremistas expulsos e ingresso em campo da polícia e de dirigentes. Após a cúpula gremista desistir de tirar a equipe de campo e aceitar a cobrança do pênalti, o goleiro Rodrigo Galatto defendeu a penalidade, levando a um contra-ataque em que Anderson marcou o único gol da partida, dando o acesso e título da Série B ao Grêmio.

Batalha dos Aflitos
Evento Série B do Campeonato Brasileiro de 2005 onde os dois times disputavam a vaga para a Série A
Data 26 de novembro de 2005
Local Estádio Eládio de Barros Carvalho, Recife
Árbitro Rio de JaneiroRJ Djalma Beltrami

Prelúdio editar

O Grêmio foi rebaixado pela segunda vez após acabar o Brasileiro de 2004 na última colocação, enquanto o Náutico não disputava a primeira divisão desde 1994.[2] A Série B de 2005 foi a última edição do torneio antes de ser implementado o sistema de pontos corridos, tendo sido disputada em três fases e, ao final, promovendo apenas duas equipes.[3] Na primeira fase, o Grêmio acabou em quarto e o Náutico em sétimo. Na segunda, com dois grupos de quatro, o Náutico venceu seu grupo e o Grêmio ficou em segundo, e assim ambos foram para o quadrangular final que determinaria as equipes promovidas.

A última rodada, em 26 de novembro de 2005, teria duas partidas em Recife. No Estádio do Arruda, o Santa Cruz enfrentava a Portuguesa, enquanto no Estádio dos Aflitos o Náutico recebia o Grêmio. Apenas a Portuguesa tinha poucas chances de classificação. O Grêmio precisava de, no mínimo, um empate para se garantir na Série A do ano seguinte e de uma vitória para ser campeão da Série B. O Náutico precisava vencer a partida para garantir o acesso junto com o Santa Cruz.[4] A situação financeira problemática do Grêmio implicava que em caso de não se classificar, o clube poderia decretar falência.[5]

Classificação antes da partida editar

Pos. Time P J V E D GP GC SG
1   Grêmio 9 5 2 3 0 7 4 +3
2   Santa Cruz 7 5 2 1 2 5 7 –2
3   Náutico 6 5 2 0 3 6 5 +1
4   Portuguesa 5 5 1 2 2 8 10 –2
Promovidos para a Série A em 2006

Resumo editar

Prévia e primeiro tempo editar

Antes mesmo de começar, o Náutico e sua torcida demonstravam hostilidade ao Grêmio. Os dirigentes e torcedores gremistas foram forçados por funcionários do Náutico a entrar no estádio passando pela torcida pernambucana, enquanto os atletas entraram em um minúsculo vestiário recém-pintado, com uma porta fechada a cadeado que impedia acesso ao gramado para o aquecimento.[6] Desde o início da partida, muito disputada, o nervosismo era claro em todos os jogadores. Jogadas ríspidas e reclamações eram constantes. O Náutico atacava mais, esbarrando na fechada defesa gremista. O Náutico errou um pênalti na primeira etapa.[7]

Segundo tempo editar

O segundo tempo via o Náutico ainda pressionando, mas incapaz de abrir o placar, mesmo após alcançar vantagem numérica com a expulsão do lateral gremista Alejandro Escalona aos trinta minutos.[7] O Grêmio, com o 0x0, ia atingindo seu objetivo. Porém, aos 35 minutos da etapa complementar, o juiz Djalma Beltrami anotou uma bola que acertou o cotovelo do defensor gremista Nunes como pênalti para os pernambucanos, acusando Nunes de ter tocado com a mão na bola. Considerando a marcação injusta, os gremistas se revoltaram e foram tirar satisfação com o árbitro, que expulsou Nunes e Patrício após ser agredido pelos atletas. A Polícia Militar de Pernambuco invadiu o campo, agrediu os gremistas, e instalou-se uma confusão generalizada com reservas, dirigentes e torcedores entrando no gramado. A partida ficou parada por mais de vinte minutos, com o meia Marcel arrancando a grama da marca do pênalti visando impedir a cobrança da penalidade e Domingos sendo expulso após tirar a bola das mãos do juiz. Os dirigentes do time tricolor ameaçaram tirar o time de campo em diversas oportunidades. Na visão deles, essa poderia ser a única chance de, nos tribunais, tentar reverter um quadro que, no campo, parecia irreversível: já com sete jogadores, uma expulsão a mais do tricolor encerraria a partida porque as regras impedem um time de ter menos de sete jogadores, e se o Grêmio sofresse o gol de pênalti precisaria, com quatro jogadores a menos, fazer um gol para empatar o jogo desta forma e subir para a elite do futebol brasileiro. Porém ao se constar que o jogo havia sido interrompido por falta de condições de segurança, os tribunais desportivos poderiam anular o resultado para ajudar o time gaúcho. No entanto, o técnico Mano Menezes decidiu que retirar a equipe em campo seria uma marca negativa, e decidiu conter os jogadores que tentavam impedir a entrada de Beltrami antes de falar com o árbitro e o presidente gremista Paulo Odone. Após discutir com um assessor advogado, Odone decidiu que o risco de depender uma decisão da justiça desportiva não valia a pena, e pediu ao goleiro Galatto que tomasse parte na cobrança. Os ânimos arrefeceram e os gremistas voltaram às suas posições. O árbitro, mesmo agredido com chutes, não expulsou o quinto jogador do Grêmio, o que implicaria na vitória da equipe pernambucana.[8][9]

O jogador Ademar, zagueiro do Náutico, foi escolhido para bater a penalidade que poderia decretar a falência do clube gaúcho. Porém, Galatto defendeu a cobrança, e no escanteio resultante, o Grêmio armou um contra-ataque no qual Anderson disparou para o campo de ataque e, sozinho, entrou a dribles na zaga pernambucana para anotar o único gol da partida aos sessenta e um minutos do segundo tempo: Grêmio 1×0 Náutico. Atônitos, os jogadores e torcedores do Náutico ficaram sem reação com o que estava acontecendo, enquanto os jogadores e comissão técnica gremista corriam para todos os lados chorando e comemorando algo que, minutos antes, conforme colocado pelo narrador Pedro Ernesto Denardin, da Rádio Gaúcha, "só aconteceria por um milagre". O tricolor gaúcho voltava à elite do futebol brasileiro.

Como no outro jogo o Santa Cruz havia vencido por 2 a 1, o tricolor pernambucano confirmara o acesso e mantinha o título enquanto o jogo nos Aflitos não acabava, e chegou a dar a volta olímpica no Arruda com um troféu improvisado. Porém, o gol do Grêmio garantiu o título da Série B aos gaúchos.[10]

"É inacreditável. I-na-cre-di-tá-vel: com sete homens em campo, com sete homens em campo o Grêmio está fazendo uma façanha. Só o Grêmio, a sua força, a sua fé, eu nunca vi disso, o mundo nunca viu nada parecido. O Grêmio está fazendo uma façanha extraordinária, uma façanha que não tem na história do futebol mundial".
 
Pedro Ernesto Denardin, narrador brasileiro[11].

Partida editar

26 de novembro de 2005 Náutico   0 – 1   Grêmio Estádio dos Aflitos, Recife
16:00
Relatório
Súmula
Anderson   90+16' Público: 29 891
Árbitro:  RJ Djalma Beltrami
Náutico
Grêmio
Náutico:
GK 1   Rodolpho
RB 2   Bruno Carvalho   15'   64'
CB 3   Tuca
CB 4   Batata       67', 84'
LB 6   Ademar
RM 8   Cleisson
CM 5   Tozo   43'   81'
CM 7   David   71'
LM 10   Danilo
CF 11   Kuki
CF 9   Paulo Matos   55'
Substituições:
GK 12   Dida
DF 13   Ricardo Henrique
DF 14   Aldivan
MF 15   Luciano
MF 16   Beto   81'
CF 17   Miltinho   64'
CF 18   Romualdo   71'
Técnico:
  Roberto Cavalo
Grêmio:
GK 1   Galatto
RB 2   Patrício   80'
CB 3   Domingos   32'   80'
CB 4   Pereira   61'
LB 6   Alejandro Escalona     12', 78'
DM 5   Nunes   80'
DM 8   Sandro Goiano  
AM 10   Marcelo Costa
AM 11   Marcel   80'   60'
CF 7   Ricardinho   46'
CF 9   Marcelo Lipatín   81'
Substituições:
GK 12   Marcelo Grohe
CB 13   Marcelo Oliveira   81'
RB 14   Alessandro
CM 15   Lucas Leiva   46'
AM 16   Marco Aurélio Jacozinho
AM 17   Anderson   60'
CF 18   Samuel
Técnico:
  Mano Menezes

Legado editar

A partida foi amplamente comentada pela imprensa gaúcha, nacional e, inclusive, internacional. Em especial foi ressaltado como o jogo marcava a redenção do Grêmio, que ia fechando uma temporada em baixa com um jogo dramático, mas conseguiu superar todas as dificuldades em apenas setenta e um segundos para voltar à Série A com o título da segunda divisão.

O jornal britânico The Times ressaltou os feitos do Grêmio e o caráter atípico da partida, denominando o tricolor gaúcho como o "Fight Club", em referência ao premiado filme homônimo de David Fincher. O portal uruguaio Fútbol destacou o desempenho do Grêmio como "milagroso e heróico". O diário esportivo argentino Ole disse que nem o sonho dos mais otimistas gremistas poderiam ter imaginado algo "tão lindo".[12] O narrador Pedro Ernesto Denardin, que acompanhou a partida pela Rádio Gaúcha, ressaltou no ato do gol da vitória que o Grêmio realizava uma façanha sem igual na história do futebol. No aniversário de dez anos da partida, o narrador destacou que o feito segue vivo na memória do torcedor e do esporte como um todo:

É uma coisa realmente inacreditável o que aconteceu, jamais imaginei que pudesse ver alguma coisa parecida com aquilo. O Grêmio, com sete homens contra 11, conseguiu fazer o gol que deu a vitória. Temos aí a Batalha dos Aflitos, um dos episódios mais marcantes da história do futebol brasileiro.[11]

Posteriormente, o feito originou um livro, 71 Segundos - o Jogo de Uma Vida (2006), e o documentário Inacreditável - A Batalha dos Aflitos (2006).[13][14]

A revista especializada Panenka publicou o artigo "Cuando el Inmortal estuvo a punto de morir" na edição de novembro de 2015, comemorando o aniversário do jogo.

No ano seguinte, o Náutico ficou em terceiro no Campeonato Brasileiro de Futebol de 2006 - Série B, garantindo seu retorno à primeira divisão após treze anos. Novamente a última rodada teve um jogo decisivo e sofrido nos Aflitos, onde o Náutico precisava vencer o já eliminado Ituano para fechar o torneio na zona de classificação, e só fez os gols da vitória no segundo tempo. A campanha foi registrada pelo Náutico em um documentário, Batalha dos Aflitos 2 - A volta por cima (2007).[15]

Referências

Ligações externas editar