Bumba meu boi

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Bumba meu boi ou boi-bumbá[1] é uma festa do folclore popular brasileiro, com personagens humanos e animais fantásticos, que gira em torno de uma lenda sobre a morte e ressurreição de um boi.[1][2]

Boi de reis no Paço Alfândega, no Recife

Em diversas cidades do Brasil, especialmente no Norte e no Nordeste mas também em algumas do Sudeste, existem agremiações chamadas de "bois" que realizam cortejos ou outros tipos de apresentações utilizando a figura do animal, tendo muitas vezes caráter competitivo.

A festa tem ligações com diversas tradições, africanas, indígenas e europeias, inclusive com festas religiosas católicas, sendo associada fortemente ao período de festas juninas.[3]

Embora com gênese no Piauí[4], e tido um de seus primeiros registros em Pernambuco, é mais popular no Maranhão. O bumba meu boi maranhense recebeu do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) o título de Patrimônio Cultural do Brasil, e o de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.[5][6]

Ao espalhar-se pelo país, a manifestação adquire nomes, ritmos, formas de apresentação, indumentárias, personagens, instrumentos, adereços e temas diferentes. Em Pernambuco é chamado boi-calemba ou bumbá; no Maranhão, Rio Grande do Norte, Alagoas e Piauí é chamado bumba meu boi; no Ceará, é boi de reis, boi-surubim e boi-zumbi; na Bahia é boi-janeiro, boi-estrela-do-mar e mulinha-de-ouro; em Minas Gerais e no Rio de Janeiro é bumba ou folguedo-do-boi; no Espírito Santo é boi de reis; em São Paulo é boi de jacá e dança-do-boi; no Pará, Rondônia e Amazonas é boi-bumbá;[2] no Paraná e em Santa Catarina é boi-de-mourão ou boi-de-mamão;[2] e no Rio Grande do Sul é bumba, boizinho ou boi-mamão.[2]

História editar

 
Detalhe da apresentação do bumba-meu-boi de Axixá, em São Luís

Manifestações culturais e religiosas em torno da figura do boi existiram em diversas culturas antigas pelo mundo.[7] A festa do bumba meu boi surgiu no norte do país.

A história econômica e social, a memória oral, as narrativas, as lendas e mitos de fundação de origem negra e indígena relacionados à cultura do boi apontam para esse fato de que o bumba meu boi tem sua gênese no Piauí palco de onde o auto pastoril teria migrado para o Maranhão, Pará e outras regiões do Brasil.[4] Outro fato conhecidamente certo sobre a história do surgimento dessa festa é o de um episódio ocorrido no período da dominação holandesa no estado de Pernambuco, mais precisamente no Recife. Esse acontecimento é denominado de episódio do Boi Voador, e que, a partir daí, teria evoluído para uma lenda com uma história mais elaborada tal como é hoje.

Seu primeiro registro ocorre num jornal do Recife, no ano de 1840.[8]

Mas é no Estado do Maranhão que o bumba meu boi tem sido mais valorizado em todo o Nordeste e, dali, foi exportado para o Estado do Amazonas com o nome de boi-bumbá, visitado anualmente por milhares de turistas que vão conhecer o famoso Festival Folclórico de Parintins, realizado desde 1965.[1]

Enredo editar

Existem algumas variações a respeito da lenda do boi. A história mais comum aborda a escrava Catirina (ou Catarina), grávida, que pede ao marido Chico (ou Pai Francisco) para comer língua de boi. O escravo atende ao desejo da esposa, matando o boi, e sendo preso a mando do dono da fazenda. Com a ajuda de curandeiros, o boi é então ressuscitado.[3]

Dependendo da versão, outros personagens podem ser incorporados, tais como: Battião, Arlequim, Pastorinha, Turtuqué, o engenheiro, o padre, o médico, o diabo, entre outros. Quase todos quase sempre interpretados por homens, que se travestem para compor os personagens femininos.[3]

Em algumas versões, Pai Chico chama-se Mateus[9] e o boi não é morto por ele, mas apenas se perde e acaba morto no decorrer da história, sendo também ressuscitado no fim.[9]

Concepção editar

A essência da lenda enlaça a sátira, a comédia, a tragédia e o drama, e demonstra sempre o contraste entre a fragilidade do homem e a força bruta de um boi. Esta essência se originou da lenda de Catirina e Pai Francisco, de origem nordestina. Ao ser levada para a região Norte, sofreu adaptação à realidade amazônica, e faz reverência ao boi como se esse fosse nativo da floresta Amazônica (o que é historicamente incorreto, pois o gado bovino não é nativo das Américas), também exaltando a alegria, sinergia e força das festas coletivas indígenas.

Personagens editar

 
Bumba-Meu-Boi Mimoso, de São Bento, no Maranhão, em apresentação

O Capitão é o comandante do espetáculo. Há também Francisco e Catirina, personagens bastante conhecidos que apresentam os bichos, cantam e dançam de forma cômica.[9] Existem vários personagens e variam bastante entre os diferentes grupos, mas os principais são os seguintes:

  • Amo: representa o papel do dono da fazenda, comanda o grupo com auxílio de um apito e um maracá (maracá do amo) canta as toadas principais;
  • Pai: Chico ou Mateus
  • Mãe: Catirina ou Catarina
  • Boi: é a principal figura, consiste numa armação de madeira em forma de touro, coberta de veludo bordado. Prende-se, à armação, uma saia de tecido colorido. A pessoa que fica dentro e conduz o boi é chamado miolo do boi;
  • Vaqueiros: são também conhecidos por rajados. Nos bois de zabumba, são chamados caboclos de fita. Em alguns bois, existe o primeiro vaqueiro, a quem o fazendeiro delega a responsabilidade de encontrar pai Chico e o boi sumido, e seus ajudantes, que também são chamados vaqueiros;
  • Índios, índias e caboclos: têm a missão de localizar e prender Pai Chico. Na apresentação do boi, proporcionam um belo efeito visual, devido à beleza de suas roupas e da coreografia que realizam. Alguns bois, principalmente os grupos de sotaque da ilha, possuem o caboclo real, ou caboclo de pena, que é a mais rica indumentária do boi;
  • Burrinha: aparece em alguns grupos de bumba meu boi. Trata-se de um cavalinho ou burrinho pequeno, com um furo no centro por onde entra o brincante. A burrinha fica pendurada nos ombros do brincante por tiras similares a um suspensório';
  • Cazumbá: Personagem divertido, às vezes assustador, que usa batas coloridas e máscaras de formatos e temática muito variada. Não são todos os grupos de bumba meu boi que possuem cazumbás.

Instrumentos editar

Os bois de influência predominantemente indígena, bois de matraca, utilizam principalmente os seguintes instrumentos:

  • maracá: instrumento feito de lata, cheio de chumbinhos ou contas de Santa Maria. É um instrumento de origem tanto africana como indígena;
  • matraca: feita de madeira, principalmente pau d'arco, é tocada batendo-se uma contra a outra;
  • pandeirão: pandeiro grande, coberto geralmente de couro de cabra. Alguns têm mais de 1 metro de diâmetro e cerca de 10 cm de altura. São afinados a fogo.
  • tambor onça: É uma espécie de cuíca, toca-se puxando uma vareta que fica presa ao couro e dentro do instrumento. Imita o urro do boi, ou da onça.

Os bois de zabumba utilizam principalmente:

  • tamborinho: pequeno tambor coberto de couro de bicho. O mais comum é usar couro de cutia. É tocado com a ponta dos dedos.
  • zabumba: é um grande tambor, conhecido também como bumbo, é um instrumento tipicamente africano;
  • tambor de fogo: feito de uma tora de madeira ocada à fogo e coberto por um couro cru de boi preso à tora por cravelhas. É um instrumento tipicamente africano;

Os bois de orquestra têm instrumentação muito variada: utilizam instrumentos de sopro como saxofones, trombones, clarinetas e pistões; banjos, bumbos e taróis, também mara.

Festival Folclórico de Parintins editar

 Ver artigo principal: Festival Folclórico de Parintins

O Festival Folclórico de Parintins é um festival de boi-bumbá que acontece todos os anos na cidade de Parintins, no interior do Amazonas. É considerado Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).[10]

Ver também editar

Referências

  1. a b c Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (agosto de 1999). «O Boi-Bumbá de Parintins, Amazonas: breve história e etnografia da festa». Consultado em 15 de junho de 2013 
  2. a b c d Silvio Essinger. «Bumba-Meu-Boi, Uma tradição que corre o Brasil de Norte a Sul». Consultado em 15 de agosto de 2013. Cópia arquivada em 22 de junho de 2009 
  3. a b c Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. «Bumba-Meu-Boi». Consultado em 15 de agosto de 2013. Cópia arquivada em 19 de dezembro de 2012 
  4. a b FERREIRA, Elio (2016). O Bumba-Meu-Boi do Piauí: poesia afro-brasileira, cantigas, gênese, memórias e narrativas de fundação do Boi de Né Preto de Floriano Piauí. Teresina: Revista Vozes. p. 1. 15 páginas 
  5. Ministério da Cultura: "Iphan entrega títulos de patrimônio cultural a grupos de Bumba-meu-boi no Maranhão"
  6. «Bumba Meu Boi do Maranhão agora é Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade». UNESCO. 11 de dezembro de 2019. Consultado em 16 de dezembro de 2019 
  7. Enciclopédia Nordeste. «Bois do Carnaval». Onordeste.com. Consultado em 5 de janeiro de 2012. Arquivado do original em 5 de janeiro de 2012 
  8. Cíntia Cristina. «Bois do Carnaval». Mundo Estranho. Consultado em 15 de agosto de 2013 
  9. a b c Fonte: GASPAR, Lúcia. Bumba-meu-boi. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar>. Acesso em: 15/08/2013.
  10. «Complexo Cultural do Boi-Bumbá do Médio Amazonas e Parintins». portal.iphan.gov.br. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Consultado em 29 de setembro de 2019 

Bibliografia editar

  • BARROS, Antonio Evaldo Almeida. 2007. O Pantheon Encantado: Culturas e Heranças Étnicas na Formação de Identidade Maranhense (1937-65). Dissertação de Mestrado em Estudos Étnicos e Africanos. Salvador: PÓS-AFRO/CEAO/UFBA.
  • CARVALHO, Maria Michol Pinho de. 1995. Matracas que desafiam o tempo: é o bumba-boi do Maranhão. São Luís: s/e.
  • PRADO, Regina de Paula Santos. 1977. Todo ano tem: as festas na estrutura social camponesa. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Rio de Janeiro: PPGAS-MN/UFRJ.

Ligações externas editar