Dopinho, localizado em Porto Alegre, é reconhecido como o primeiro centro de detenção clandestina das ditaduras do Cone Sul.[1][2][3] O centro foi inaugurado logo após o golpe de abril de 1964, tendo suas atividades suspensas em setembro de 1966 após a morte do sargento Manoel Raymundo Soares.[4][5]

O centro ficou conhecido pelo seu nome, Dopinho, por ser um braço do Departamento de Ordem Politica e Social (DOPS) que, junto do Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), fazia parte do Serviço Nacional de Informações (SNI).[1][2]

Assim como os centros do DOI-CODI, o Dopinho era um centro de assassinato e tortura dos que se opunham à ditadura militar.[6][7]

"O Caso das Mãos Amarradas" editar

Em 24 de agosto de 1966, o corpo do Sargento Manoel Raymundo Soares foi encontrado boiando à beira do Guaíba com suas mão atadas por dois moradores da Ilha das Flores, João Gomes Peixoto e Leci Ramos Batalha.[8] Manoel havia sido preso em 11 de março de 1966, por volta das 16h30, em frente ao Auditório Araújo Vianna por dois sargentos à paisana, Carlos Otto Bock e Nilton Aguiadas, distribuindo panfletos de conteúdo subversivo.[9] Da sua prisão até a sua morte, Manoel foi mantido em cárcere, sendo torturado no Dopinho.[10] De acordo com apuração do Ministério Público, os responsáveis por sua morte o major de infantaria Luiz Carlos Menna Barreto, chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul e responsável pelo Dopinho, o delegado José Morsch, diretor da Divisão de Segurança Política e Social e substituto do titular do DOPS-RS, e os delegados da Polícia Civil Enir Barcelos da Silva e Itamar Fernandes de Souza, este último chefe da Seção de Investigações e Cartório do DOPS-RS.[10]

O caso atraiu a atenção da mídia na época, ficando conhecido como "O Caso das Mãos Amarradas."[5][10] Em decorrência da grande repercussão da morte de Manoel, as operações de repressão foram realocadas e o Dopinho deixou de ser utilizado como centro de tortura em 1966.[5][10][3]

Marcas da Memória editar

O prédio, localizado na Rua Santo Antônio, foi identificado como centro de tortura em junho de 2011.[11] Em agosto de 2015 o projeto Marcas da Memória instalou uma placa em frente ao endereço demarcando-o como um centro de tortura da ditadura militar.[11] O projeto é uma parceria entre o Ministério da Justiça e a Prefeitura de Porto Alegre.[11][12] Em 2016, o então governador Ivo Sartori oficializou o projeto em âmbito estadual para identificação de centros de tortura e repressão pelo Rio Grande do Sul.[13]

Em 2020, a placa do projeto foi coberta de cimento.[11][1] Alegou-se que a marcação apresentava um risco para pedestres. De acordo com a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, um idoso quase teria se machucado no local.[1] Ainda em 2020 o Ministério Público entrou em acordo com a proprietária do imóvel e uma nova placa foi produzida e instalada em 29 de abril de 2021.[1] A placa conta com o texto original, que lê:

""Primeiro centro clandestino de detenção do Cone Sul. No número 600 da Rua Santo Antônio, funcionou estrutura paramilitar para sequestro, interrogatório, tortura e extermínio de pessoas ordenados pelo regime militar de 1964. O major Luiz Carlos Menna Barreto comandou o terror praticado por 28 militares, policiais, agentes do DOPS e civis, até que apareceu no Guaíba, o corpo com as mãos amarradas de Manoel Raymundo Soares, que suportou 152 dias de tortura, inclusive no casarão. Em 1966, com paredes manchadas de sangue, o Dopinho foi desativado e os crimes ali cometidos ficaram impunes."[1]

Referências

  1. a b c d e f «Placa que denuncia crimes da ditadura é recolocada em frente ao antigo Dopinho em Porto Alegre». GZH. 30 de abril de 2021. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  2. a b Alegre, Prefeitura Municipal de Porto. «SMDH - Direitos Humanos». www2.portoalegre.rs.gov.br. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  3. a b Guaíba, Lucas Rivas / Rádio. «Casarão em Porto Alegre é identificado como primeiro centro clandestino de tortura no Cone Sul». Correio do Povo. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  4. «Recolocada placa que indica local de antigo centro de tortura da Ditadura Militar em Porto Alegre». G1. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  5. a b c «"O caso das mãos amarradas", "a ilha dos mendigos" e as prisões políticas: as histórias da Ilha do Presídio». GZH. 14 de fevereiro de 2020. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  6. «Memorial da Democracia - DOI-Codi, a máquina de torturar e matar». Memorial da Democracia. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  7. «Placa do projeto Marcas da Memória é recolocada no antigo Dopinho | Prefeitura de Porto Alegre». prefeitura.poa.br. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  8. «'Tem as características de um herói brasileiro', diz autor sobre personagem de 'Caso das Mãos Amarradas'». Sul 21. 13 de agosto de 2016. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  9. Curtinovi, Jéfferson. «O desfecho (i)lógico da tortura». Três por Quatro
  10. a b c d «Manoel Raimundo Soares». Memórias da ditadura. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  11. a b c d «Em Porto Alegre, placa para denunciar crimes da ditadura é coberta com cimento». Brasil de Fato. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  12. «Marcas da Memória». Núcleo de Pesquisa em História. 10 de novembro de 2015. Consultado em 31 de agosto de 2021 
  13. «Projeto Marcas da Memória demarca locais de tortura durante a ditadura militar». Portal do Estado do Rio Grande do Sul. 11 de agosto de 2016. Consultado em 31 de agosto de 2021