Guido Wilmar Sassi

Guido Wilmar Sassi (Lages-SC, 15 de setembro de 1922 - 5 de Maio de 2002) foi um funcionário público, bancário e escritor brasileiro.

Biografia editar

 
Foto do escritor Guido Wilmar Sassi nas dependências da Editora Boa Leitura, em São Paulo, 1962. Lançamento do romance São Miguel


Filho de Francisco Sassi e Ana Maria Hamitzsch. Passou sua infância e juventude entre Lages e Campos Novos, no interior de Santa Catarina. As duas cidades foram importantes fontes para as histórias que o autor escreveria anos mais tarde. Morou boa parte do tempo com a avó materna, Gertrudes Geising. Chegou a auxiliar o pai, por algum tempo, na padaria de sua família. Com a morte deste, em 1942, abandona os estudos e ingressa no Departamento de Estradas e Rodagem de Santa Catarina, ajudando financeiramente a família. O escritor não chegou a completar os estudos formais, tornando-se autodidata. Leitor dedicado, teve contato com as letras desde cedo. Em entrevista de 1990, a Giovanni Ricciardi e publicada na edição 53 de "Ô Catarina", Guido alegava que: "O pai era semi-analfabeto. Ele sabia ler, mas era incapaz de assinar o próprio nome. Tinha grande cultura oral e contava causos fabulosos. (...) Deixei os estudos, sem concluir a 4ª série ginasial. Tornei-me autodidata".[1]

Ainda em Lages publicou na imprensa local, a partir de 1946, primeiro sob pseudônimo (Nélio Cardoso) no jornal Guia Serrano, editado pelo Frei Sebastião da Silva Neiva. Mais tarde integra-se ao grupo de jovens idealizadores, os irmãos Evilásio e Edézio Nery Caon e Syrth Nicolléli, que assumiram a frente do jornal Correio Lageano. O grupo, além de imprimir uma feição mais moderna ao jornal, engajou-se na política partidária, fundando o Partido Trabalhista Brasileiro em âmbito local (Guido nunca filiou-se ao partido, nem encarou a vida partidária, mas convivia com os amigos na redação do jornal).

No início da década de 1950 também integrou o Grupo Sul (editora e grupo de escritores novos), de Florianópolis, tornando-se amigo de Salim Miguel e Eglê Malheiros. Guido chegou a lançar, em parceria com o amigo Nereu Góss (crítico de cinema e ilustrador), um suplemento literário de curta duração no jornal Correio Lageano. Influenciado pela Revista Sul, com o apoio de amigos, também tentou lançar uma revista literária, em 1951, intitulada Rumos, que contou com apenas três números. Além de artistas locais, regionais e estaduais, Guido também tentou divulgar, através de Rumos, a arte moderna, reproduzindo obras de Osvaldo Goeldi, Athos Bulcão, Santa Rosa, com clichês fornecidos pelo então deputado federal Jorge Lacerda, este vinculado ao suplemento literário mais importante do país, Letras e Artes, do jornal Correio da Manhã (RJ) de Assis Chateubriand. Em 1956 ajuda a fundar o Círculo de Cultura de Lages, entidade responsável pela organização de exposições, cursos de gravura, espetáculos de teatro, palestras, recitais e o Salão Lageano de Artes Plásticas.

Guido Wilmar Sassi, em 1952, após aprovação em concurso público, passa a trabalhar no Banco do Brasil, em Rio do Sul. Morou numa curta temporada em São Paulo (1957). Muda-se definitivamente para o Rio de Janeiro, em 1960, onde criou ampla rede de amigos, a exemplo dos escritores João Antônio, Paulo Rónai e Esdras do nascimento e do editor da Civilização Brasileira, Ênio Silveira.

Foi casado, desde 1946, com Adília Flora Miranda, com quem teve quatro filhos.

Faleceu em 2002, no Rio de Janeiro.

Obra literária editar

Sassi estreou a sua carreira literária em 1949 com a publicação do conto Amigo Velho na Revista do Globo, de Porto Alegre (Edição 495). O conto tinha um pinheiro como personagem principal e já anunciava temas que o autor trabalharia ficcionalmente mais tarde.

Nestes primeiros anos publica alguns contos policiais e é premiado em concursos de magazines populares como a Policial em Revista.

Divulga conto em revistas e jornais do país. O seu primeiro livro, no entanto, foi lançado em 1953, “Piá” (Edições Sul), uma coletânea de contos em que as personagens principais são crianças, demonstrando habilidade num gênero difícil e traquejo para o tratamento de temas pouco trabalhados na literatura brasileira (os dilemas da infância, em diversas classes sociais, mas especialmente entre os pobres). Com ele, o autor foi finalista do Prêmio Fábio Prado. Em 1954 integra a antologia Contistas Novos de Santa Catarina[2] (Edições Sul), organizada por Osvaldo Ferreira de Melo Filho e Salim Miguel.

Em 1957 publicou Amigo Velho (Edições Sul),[3] segundo livro de contos, este reconhecido pelo Instituto Nacional do Livro como um dos melhores livros do gênero[4] naquele ano, dividindo o Prêmio Artur Azevedo com Autran Dourado e Moreira Campos, conforme noticiou o Jornal do Brasil, em 17 de outubro de 1958[5]. O livro logrou algum sucesso e inaugurou o "ciclo da madeira" na literatura brasileira, ao menos aquele ocorrido no sul do Brasil que devastou a mata nativa e praticamente extinguiu o pinheiro Araucária. As personagens principais estão todas vinculadas a atividade madeireira: motoristas, carregadores, empilhadores, serradores e operários. Com enredos trágicos, o livro problematiza, em várias escalas, os tipos de violência implicados no mundo do trabalho no Brasil daquele período, apresentando uma contra narrativa à história oficial que, pelo viés econômico e patronal, via o "ciclo da madeira" apenas como sinal de progresso e desenvolvimento.

Em 1960, o autor venceu o concurso de melhor romance para Editora Boa Leitura com “São Miguel”,[6] romance lançado em 1962, onde narra a história dos balseiros do rio Uruguai, uma vida pouco conhecida, que de pende das enchentes do rio, ocasião em que milhares de toras da madeira seguem para o mercado argentino.

Ainda em 1963, publicou “Testemunha do Tempo”,[7] livro que reunia contos de ficção científica, aproveitando um novo impulso à ficção científica escrita por brasileiros com a coleção de livros lançada pela Edições G.R.D. de Gumercindo Rocha Dorea, que passou a encomendar trabalhos dentro do gênero a autores já consagrados na literatura mainstream.

A sua obra mais importante, no entanto, é “Geração do Deserto”,[8] de 1964. A obra ganhou uma adaptação para o cinema em 1971 - A Guerra dos Pelados, filme de Silvio Back.[9] O romance trata da Guerra do Contestado, que envolveu os estados de Santa Catarina e do Paraná, trazendo a luta dos camponeses e o papel dos jagunços, assim como os heróis messiânicos. Lembra, assim, a Guerra de Canudos.

Já reconhecido como escritor de algum talento, publica cinco contos em parceria com o jornalista Alberto Dines, Esdras do Nascimento e Isaac Piltcher em 1960, no livro 20 Histórias Curtas. Ao lado destes, é divulgado como expoente da "Nova Geração". Em 1965, à convite, participa da coletânea A Cidade e as Ruas com vários autores, edição comemorativa do IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro, escrevendo sobre o bairro de Botafogo.

Depois disso, deixou a carreira literária por 16 anos. Acredita-se que a pausa aconteceu em função do golpe civil-militar de 1964, além da perda repentina de uma filha de 12 anos, que faleceu vítima de um afogamento. No mesmo ano também enfrentou a morte de um de seus melhores amigos de infância, Hélio Bosco de Castro, que pôs fim à própria vida.

O livro “O Calendário da Eternidade[10] marca a volta de Sassi, lançado na década de 1980. O livro fala da vida dos mergulhadores de plataforma de petróleo. A obra foi lançada por insistência de Hélio Pólvora, Eglê Malheiros e Salim Miguel, então editor da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria com a Fundação Catarinense de Cultura. Desta parceria também foram publicados, nos anos 1980, o livro A bomba atômica de Deus (1986) e Os sete mistérios da casa queimada (1989).

Guido Wilmar Sassi foi um autor reconhecido pela sua geração, principalmente como contista e mais tarde com o romance Geração do Deserto. Críticos, como Paulo Rónai, Aurélio Buarque de Holanda, Assis Brasil e Wilson Martins, chegaram a distingui-lo dentre as revelações da literatura brasileira nos anos 1950. Retratou ficcionalmente a vida social da região do planalto serrano e do oeste catarinense, nas primeiras obras, com realismo implacável e fez da matéria local um caminho para discutir temas universais como a desigualdade social e a injustiça. Foi um importante escritor de sua geração, ainda que tenha sido rotulado como um autor regionalista (de intenção participante), como o fez Alfredo Bosi em História Concisa da Literatura Brasileira[11](p.456), o que restringiu o alcance crítico de sua obra.[12]

Guido Wilmar Sassi foi, em vários aspectos, um relevante autor da literatura contemporânea brasileira.[13] O pinheiro em particular, e a exploração da madeira, em geral, tornaram-se, por algum tempo, o tema principal de sua literatura, além de retratar a infância, os dilemas das classes populares e ser um dos principais responsáveis em dar destaque para o movimento do Contestado, com a obra Geração do Deserto (1964). Guido utilizou linguagem com características regionais[14] em seus narradores mas nunca se restringiu aos temas regionais. O autor aposta no coloquialismo e na linguagem popular brasileira ao modo do modernismo brasileiro.Percebe-se um certo tom amargo em seus textos, um pessimismo em relação ao desenvolvimento econômico e social do país.

Segundo Raul Arruda Filho, “depois de Guido Wilmar Sassi, poucos escritores significativos surgiram no Planalto Catarinense”. Para o jornalista Joel Gehlen, Sassi foi "um dos mais importantes prosadores de Santa Catarina, ao lado de Salim Miguel e Adolfo Boos Jr.".

Parte de sua obra voltou a ser publicada e foi reedita pela Editora Movimento, de Porto Alegre. Amigo Velho e Geração do Deserto ainda fazem parte de listas para leitura obrigatória dos vestibulares em âmbito nacional, mas especialmente nos certames realizados em Santa Catarina. Vários de seus contos integraram coletâneas e antologias de contos no Brasil, a exemplo de Maravilhas do Conto Moderno Brasileiro,[15] lançada pela Editora Cultrix e em Pinheirais e Marinhas,[16] obra organizada por Diaulas Riedel, com seleção, introdução e notas de Ernani Silva Bruno. Dois de seus contos também foram traduzidos e republicados em antologias de contos em Angola, publicações Imbondeiro Gigante (1963) e na Alemanha, em Moderne Brasilianische Erzahler[17] (1968).

Obras do autor editar

SASSI, Guido Wilmar. Piá. Florianópolis: Edições Sul, 1953.

SASSI, Guido Wilmar. Amigo Velho. Florianópolis: Edições Sul, 1957.

SASSI, Guido Wilmar. São Miguel. São Paulo: Editora Boa Leitura, 1962.

SASSI, Guido Wilmar. Testemunha do tempo. Rio de Janeiro: G.R.D. 1963.

SASSI, Guido Wilmar. Geração do Deserto. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1964.

SASSI, Guido Wilmar. O calendário da eternidade. Florianópolis. Ed. da UFSC, 1983.

SASSI, Guido Wilmar. A bomba atômica de Deus. Florianópolis: FCC,1986.

SASSI, Guido Wilmar. Os sete mistérios da casa queimada. Florianópolis. Ed. da UFSC, 1989.

Trabalhos acadêmicos dedicados à obra do autor editar

MORITZ, Heloísa Helena Clasen. Aspectos da narrativa de Guido Wilmar Sassi. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: UFSC, 1977.

MELO, Leonete Neto Garcia. O regionalismo na literatura de Guido Wilmar Sassi. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: UFSC, 1978.[18]

SACHET, Celestino. Antologia de autores catarinenses. Rio de Janeiro: Editora Laudes S.A.

MIRANDA, Heloisa Pereira Hübbe. Travessias pelo Sertão do Contestado: entre ficção e história, no deserto e na floresta. Dissertação de Mestrado. Florianópolis: UFSC, 1997.[19]

SOARES, Iaponam; MIGUEL, Salim (org.) Guido Wilmar Sassi: literatura e cidadania. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1992.

ARRUDA FILHO, Raul José Mattos de. Baruio di purungo: literatura no Planalto Serrano de Santa Catarina. Dissertação em Letras – Literatura e Teoria Literária. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2000.[20]

Referências

  1. Revista Ô Catarina. N.53, Fundação Cultural de Cultura: Florianópolis, 1990.
  2. Melo, Osvaldo Ferreira de. Miguel, Salim, editor. (1954). Contistas novos de Santa Catarina. [S.l.]: Ed. Sul. OCLC 18042669 
  3. Sassi, Guido Wilmar, 1922- (2005). Amigo Velho : contos. [S.l.]: Movimento. OCLC 817868764 
  4. «Correio da Manhã (RJ) - 1950 a 1959 - DocReader Web» 
  5. «Jornal do Brasil (RJ) - 1950 a 1959 - DocReader Web». memoria.bn.br. Consultado em 12 de agosto de 2022 
  6. Sassi, Guido Wilmar, 1922- (1979). São Miguel. [S.l.]: Edições Antares. OCLC 948412035 
  7. Sassi, Guido Wilmar, 1922- (1963). Testemunha do tempo. [S.l.]: Edições GRD. OCLC 948427589 
  8. Sassi, Guido Wilmar. (2012). Geração do deserto : romance. [S.l.]: Movimento. OCLC 817314587 
  9. A Guerra dos Pelados | Cine Nacional | TV Brasil | Cultura, 22 de janeiro de 2014, consultado em 7 de maio de 2020 
  10. Sassi, Guido Wilmar, 1922- (1983). O calendário da eternidade : romance. [S.l.]: Universidade Federal de Santa Catarina. OCLC 977681863 
  11. Bosi, Alfredo, 1936- (1982). História concisa de literatura brasileña. [S.l.]: Fondo de Cultura Económico. OCLC 10285395 
  12. Miguel, Salim, 1924- (2002). Memória de editor. [S.l.]: Escritório do Livro. OCLC 817722424 
  13. Soares, Iaponan, 1936- Miguel, Salim. (1992). Guido Wilmar Sassi : literatura e cidadania. [S.l.]: Editora da UFSC. OCLC 697051071 
  14. Universidade Federal de Santa Catarina Ortiga, Odilia Carreirão Goss, Fernando (18 de outubro de 2012). Discursos e narrativas da Guerra do Contestado. [S.l.]: Florianópolis, SC. OCLC 815910019 
  15. Paes, José Paulo, editor. (1961). Maravilhas do conto moderno brasileiro. [S.l.]: Cultrix. OCLC 1264730 
  16. Bruno, Ernani Silva, 1912-1986. Riedel, Diaulas. (1961). Pinheirais e marinhas : Paraná e Santa Catarina. [S.l.]: Editôra Cultrix. OCLC 898865061 
  17. Heupel, Karl. (1968). Moderne brasilianische Erzähler. [S.l.]: Walter. OCLC 253855429 
  18. MELO, Leonete (1978). «O regionalismo na literatura de Guido Wilmar Sassi». Universidade Federal de Santa Catarina 
  19. Miranda, Heloísa (1997). «Travessias pelo sertão Contestado : entre ficção e historia, no deserto e na floresta». Universidade Federal de Santa Catarina 
  20. ARRUDA FILHO, RAUL (2000). «Baruio di purungo: Literatura no Planalto Serrano de Santa Catarina» (PDF). Universidade Federal de Santa Catarina 

Ligações externas editar