Hiperinflação
Na economia, a hiperinflação é uma inflação muito alta e normalmente acelerada. Ela corrói rapidamente o valor real da moeda local, à medida que os preços de todos os bens aumentam. Isso faz com que as pessoas mudem para moedas estrangeiras mais estáveis, como o dólar americano.[1] Quando medidos em moedas estrangeiras estáveis, os preços normalmente permanecem estáveis.

Ao contrário da inflação baixa, onde o processo de aumento de preços é prolongado e geralmente não é perceptível, exceto pelo estudo dos preços de mercado anteriores, a hiperinflação é um aumento rápido e contínuo nos preços nominais, no custo nominal dos bens e na oferta de moeda.[2] Normalmente, no entanto, o nível geral de preços aumenta ainda mais rapidamente do que a oferta de dinheiro, à medida que as pessoas tentam se livrar da desvalorização da moeda o mais rápido possível. À medida que isso acontece, o estoque real de dinheiro (ou seja, a quantidade de dinheiro circulante dividido pelo nível de preços) diminui consideravelmente.[3]
Quase todas as hiperinflações foram causadas por déficits orçamentários do governo financiados pela criação de moeda.[4] A hiperinflação é frequentemente associada a algum estresse no orçamento do governo, como guerras ou suas consequências, convulsões sociopolíticas, colapso na oferta agregada ou nos preços de exportação ou outras crises que dificultam a arrecadação de impostos pelo governo. Uma queda acentuada na receita tributária real, juntamente com uma forte necessidade de manter os gastos do governo, associado a uma incapacidade ou falta de vontade de emprestar, pode levar um país à hiperinflação.[3]
DefiniçãoEditar
Em 1956, Phillip Cagan escreveu The Monetary Dynamics of Hyperinflation, o livro muitas vezes considerado como o primeiro estudo sério da hiperinflação e seus efeitos[5] (embora The Economics of Inflation de C. Bresciani-Turroni sobre a hiperinflação alemã tenha sido publicado em italiano em 1931[6]). Em seu livro, Cagan definiu um episódio hiperinflacionário como começando no mês em que a taxa de inflação mensal excede 50% e termina quando a taxa de inflação mensal cai abaixo de 50% e permanece assim por pelo menos um ano.[7] Os economistas geralmente seguem a descrição de Cagan de que a hiperinflação ocorre quando a taxa de inflação mensal excede 50% (isso equivale a uma taxa anual de 12.874,63%).[5]
O International Accounting Standards Board emitiu orientações sobre regras contábeis em um ambiente hiperinflacionário. Ele não estabelece uma regra absoluta sobre quando surge a hiperinflação, mas lista fatores que indicam a existência de hiperinflação:[8]
- A população em geral prefere manter sua riqueza em ativos não monetários ou em uma moeda estrangeira relativamente estável. As quantias de moeda local detidas são imediatamente investidas para manter o poder de compra;
- A população em geral considera os montantes monetários não em termos de moeda local, mas em termos de uma moeda estrangeira relativamente estável. Os preços podem ser cotados nessa moeda;
- As vendas e compras a prazo ocorrem a preços que compensam a perda esperada de poder aquisitivo durante o período de crédito, mesmo que o prazo seja curto;
- As taxas de juros, salários e preços estão vinculados a um índice de preços; e
- A taxa de inflação acumulada ao longo de três anos aproxima-se ou excede 100%.
HistóricoEditar
A hiperinflação não é uma novidade. Em diversos países e outros períodos históricos foram conhecidos também processos inflacionistas extraordinários. O mais estudado de todos eles é o sofrido pela Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial. A obrigação de pagar fortes indenizações às nações vencedoras e a caótica situação interna que impedia obter pela via fiscal os ingressos necessários, induziram a República de Weimar a financiar-se imprimindo papel moeda sem nenhuma contenção. Entre janeiro de 1922 e dezembro de 1923 a taxa acumulada de inflação ascendeu a um bilhão por cento. No ano de 1923 a situação alcançou um nível tão grande que os trabalhadores das fábricas recebiam a diária antecipada e davam o dinheiro a suas esposas para que fossem no mercado comprar tudo o que puder comprar.[9]
Ainda mais grave foi a hiperinflação sofrida pela Hungria imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial. Os preços se multiplicaram por mais de 1027 em doze meses, multiplicando-se duas vezes cada dia. Países como Rússia, Peru, Bolívia, Polônia, Áustria, Grécia, China, Argentina e mais recentemente Equador, Iugoslávia também tiveram hiperinflação.[10]
AlemanhaEditar
O governo recém eleito da jovem república de Weimar queria atender a todos os desejos de seus eleitores, mas não havia receitas de impostos suficientes para isso, então o mesmo recorreu a impressora de dinheiro, a república ainda tinha que pagar reparações de guerra astronômicas aos países vencedores e teve partes de seus territórios produtivos ocupados pelos países vencedores, deixando o estado debilitado.
América LatinaEditar
A hiperinflação latino-americana nunca alcançou essas taxas extremas, mas já foram muito mais perduráveis no tempo. A taxa média de inflação anual durante o período 1978-1987, por exemplo, foi de:
- 166% para o Brasil
- 257% para a Argentina
- 602% para a Bolívia
- 2 776% para o Peru (Alan García)
- 3 710% para o México (Miguel de la Madrid Hurtado)
Mas não foram as propostas estruturalistas senão as mais clássicas (restrição monetária e contenção do gasto público) as que conseguiram deter a espiral inflacionária. Isso sim, com efeitos muito desagradáveis para a população desses países. De fato, como consequência das repercussões de algumas políticas anti-inflacionistas excessivamente rígidas, no final dos anos 1980 ocorreram em vários países sul-americanos (Argentina, Peru, entre outros) motins espontâneos com assalto a lojas de alimentação por multidões procedentes dos bairros mais pobres. A cultura popular no México atribui a derrota do Partido Revolucionário Institucional (PRI) nas eleições do ano 2000 em parte às más políticas presidenciais diante da inflação e desvalorização que açoitaram aquele país em 1994, sob a presidência de Ernesto Zedillo Ponce de León.
Recentemente, a inflação na Venezuela passou da casa de um milhão porcento ao ano durante o ano de 2018. Estima-se que ela possa passar dos dez milhões por cento no ano de 2019.[11][12][13][14]
BrasilEditar
A Hiperinflação no Brasil ocorreu durante o período da década de 80 e 90, terminando só em 1994 com o Plano Real. A inflação atingiu 2 708% em 1993 e no período de 1980 a 1994 a moeda foi mudada várias vezes.[carece de fontes]
O Banco Central do Brasil foi criado pelo decreto 4.595, de 31 de dezembro de 1964. A moeda que circulava na época era o cruzeiro. O cruzeiro novo foi implantado no dia 13 de fevereiro de 1967. O cruzeiro, padrão monetário desde 1942, perdia três zeros e se transformava em cruzeiro novo. Portanto, 1 cruzeiro = 0,001 cruzeiro novo. O cruzeiro substituiu o cruzeiro novo em 15 de Maio de 1970, sendo que um cruzeiro valia um cruzeiro novo. Durou até 27 de fevereiro de 1986. O cruzado é proveniente do Plano Cruzado, implantado pelo governo Sarney. A partir do dia 28 de Fevereiro de 1986, mil cruzeiros passaram a valer um cruzado. Para implantar o cruzado o governo aproveitou as cédulas de 10 mil, 50 mil e 100 mil cruzeiros, carimbando-as para o novo padrão. Portanto, 1 cruzeiro de 1986 passou a valer 0,001 cruzado.[carece de fontes] o cruzado novo entrou em circulação no dia 15 de janeiro de 1989, no Plano Cruzado II. A nova moeda substituía o cruzado, sendo que 1 cruzado novo valia 1 000 cruzados. O cruzeiro foi reintroduzido como padrão monetário em substituição ao cruzado novo, como parte do Plano Collor, em março de 1990, sem ocorrer a perda de três zeros. O cruzeiro real foi implantado no 1º de Agosto de 1993, substituindo o cruzeiro, sendo 1 cruzeiro real equivalente a 1 000 cruzeiros de 1991. O Real foi lançado em 01 de junho de 1994, pelo Plano Real, no governo Itamar Franco. Um real valia 2 750 cruzeiros reais no momento da conversão.[15][16]
HungriaEditar
A maior hiperinflação da história foi registrada na Hungria, logo após a Segunda Guerra Mundial, quando sua moeda era o pengő. À época, o país registrou uma taxa de inflação mensal de 41 900 000 000 000 000%, ou 207% ao dia. Assim, os preços duplicavam a cada 15 horas.[17]
IugosláviaEditar
Entre 1993 e 1994 a Iugoslávia viveu sua pior crise inflacionária. O aumento de preços chegou a uma taxa de 313 milhões por cento ao mês, ou 64,6% ao dia. A cada dia e meio os produtos dobravam de valor.[10]
ZimbábueEditar
Em 2008, a economia do Zimbábue viveu um surto hiperinflacionário que foi um dos maiores da história e o primeiro registrado no século XXI, chegando a 231 000 000% no ano em 2008.[18]
Dez maiores hiperinflaçõesEditar
Taxas de inflação mensais mais altas da história[19][20] | |||||||
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# | País | Moeda | Mês com maior taxa de inflação | Maior taxa de inflação mensal | Taxa de inflação diária equivalente | Tempo necessário para os preços dobrarem | Denominação mais alta |
1 | Hungria | Pengő | Julho de 1946 | 4,19×1016 % | 207,19% | 15,6 horas | 100 Quintilhões (1020) |
2 | Zimbabwe | Dólar do Zimbábue | Novembro de 2008 | 7,96 × 1010 % | 98,01% | 24,7 horas | 100 Trilhões (1014) |
3 | Yugoslavia | Dinar iugoslavo | January 1994 | 3,13 × 108 % | 64,63% | 1,4 dias | 500 Bilhões (5×1011) |
4 | Republika Srpska | Dinar da Republika Srpska | Janeiro de 1994 | 2,97 × 108 % | 64,3% | 1,41 dias | 10 Bilhões (10×1010) |
5 | Alemanha (República de Weimar) | Marco de papel | Outubro de 1923 | 29,500% | 20,87% | 3,7 dias | 100 Trilhões (1014) |
6 | Grécia | Dracma | Outubro 1944 | 13,800% | 17,84% | 4,3 dias | 100 Bilhões (1011) |
7 | China | Yuan | April 1949 | 5,070% | 14,1% | 5,34 dias | 6 Bilhões |
8 | Armenia | Dram arménio e Rublo russo | Novembro de 1993 | 438% | 5,77% | 12,5 dias | 50,000 (rublos) |
9 | Turcomenistão | Manate do Turcomenistão | Novembro de 1993 | 429% | 5,71% | 12,7 dias | 500 |
10 | Taiwan | Yen taiwanês | Agosto de 1945 | 399% | 5,50% | 13,1 dias | 1,000 |
Ver tambémEditar
Referências
- ↑ O'Sullivan, Arthur; Steven M. Sheffrin (2003). Economics: Principles in action. Upper Saddle River, New Jersey 07458: Pearson Prentice Hall. pp. 341, 404. ISBN 0-13-063085-3
- ↑ Where's the Hyperinflation? Arquivado em 2018-08-02 no Wayback Machine, Forbes.com, 2012
- ↑ a b Bernholz, Peter 2003, capítulo 5.3
- ↑ Bernholz, Peter 2003, capítulo 5.2 e tabela 5.1
- ↑ a b Palairet, Michael R. (2000). The Four Ends of the Greek Hyperinflation of 1941-1946. [S.l.]: Museum Tusculanum Press. p. 10. ISBN 9788772895826. Consultado em 27 de junho de 2015. Arquivado do original em 10 de novembro de 2015
- ↑ Robinson, Joan (1 de janeiro de 1938). «Review of The Economics of Inflation». The Economic Journal. 48 (191): 507–513. JSTOR 2225440. doi:10.2307/2225440
- ↑ Phillip Cagan, The Monetary Dynamics of Hyperinflation, in Milton Friedman (Editor), Studies in the Quantity Theory of Money, Chicago: University of Chicago Press (1956).
- ↑ International Accounting Standards. «IAS 29 — Financial Reporting in Hyperinflationary Economies». IASB. Consultado em 10 de abril de 2012. Arquivado do original em 4 de abril de 2012
- ↑ Von Mises, Ludwig (2009). As Seis Lições. São Paulo: Instituto Mises Brasil
- ↑ a b «Os 6 piores casos de hiperinflação da história | EXAME». exame.abril.com.br. Consultado em 14 de março de 2018
- ↑ «Inflação da Venezuela supera 1.000.000% em 12 meses». G1. Consultado em 1 de março de 2019
- ↑ Econômico, Brasil (10 de dezembro de 2018). «Venezuela: inflação nos últimos 12 meses ultrapassa 1.000.000% - Home - iG». Economia. Consultado em 1 de março de 2019
- ↑ «Inflação na Venezuela ultrapassa 1.000.000% em 12 meses pela primeira vez». Folha de S.Paulo. 11 de dezembro de 2018. Consultado em 1 de março de 2019
- ↑ «Bloomberg - Are you a robot?». www.bloomberg.com. Consultado em 1 de março de 2019
- ↑ Jorge Iorio, Ubiratan (2013). Dez Lições Fundamentais de Economia Austríaca. São Paulo: Instituto Mises Brasil. 68 páginas
- ↑ «História da Inflação no Brasil». br.advfn.com. Consultado em 2 de setembro de 2018
- ↑ msn.com/ Como se resolveram os 5 maiores episódios de hiperinflação da história
- ↑ «Zimbábue chegou a ter nota de 100 trilhões para combater a inflação». R7.com. 9 de dezembro de 2017. Consultado em 24 de janeiro de 2020
- ↑ «World Hyperinflations | Steve H. Hanke and Nicholas Krus | Cato Institute: Working Paper». Cato.org. 15 de agosto de 2012. Consultado em 15 de outubro de 2012
- ↑ «World Hyperinflations» (PDF). CNBC. 14 de fevereiro de 2011. Consultado em 13 de julho de 2012
BibliografiaEditar
- Peter Bernholz (30 abril 2015). Monetary Regimes and Inflation: History, Economic and Political Relationships, Second Edition. [S.l.]: Edward Elgar Publishing. ISBN 978-1-78471-763-6
- Cagan, Phillip, "The Monetary Dynamics of Hyperinflation." In Milton Friedman, ed., Studies in the Quantity Theory of Money. Chicago: University of Chicago Press, 1956.
- Shun-Hsin Chou, The Chinese Inflation 1937–1949, New York, Columbia University Press, 1963, Library of Congress Cat. 62–18260.
- Andrew Dickson White (1933). Fiat Money Inflation in France. [S.l.]: Ludwig von Mises Institute. ISBN 978-1-61016-449-8 a popular description of the 1789–1799 inflation
- Wolfgang Chr. Fischer (Editor), "German Hyperinflation 1922/23 – A Law and Economics Approach", Eul Verlag, Köln, Germany 2010.
- Pierre L. Siklos, ed. (1995). Great Inflations of the 20th Century: Theories, Policies, and Evidence. [S.l.]: Edward Elgar Publishing. ISBN 978-1-78195-635-9