Golpe de 11 de Março de 1975

O Golpe ou Intentona de 11 de Março de 1975 foi uma tentativa de golpe de estado dirigida por António de Spínola. Golpe adiado sucessivamente, terá sido finalmente desencadeado pela crença de Spínola de que a extrema-esquerda estava prestes a levar a cabo uma série de assassinatos, na suposta "Operação Matança da Páscoa". Resultou no exílio de Spínola.[1]

Paraquedistas e civis, nas imediações do RAL1, durante os acontecimentos do 11 de março.

Desenvolvimentos

editar
  • 28 de Setembro de 1974 - É frustrada uma manifestação, designada por maioria silenciosa, contra as forças comunistas instaladas no país.
  • 30 de Setembro de 1974 - O General António de Spínola demite-se do cargo de Presidente da República.[2]
  • 22 de Fevereiro de 1975 - Circulam rumores de que estava em preparação um golpe da direita, com ataque aéreo ao quartel do RALIS/RAL1, planeado para 1 de Março desse ano.[1][3]
  • 7 de Março de 1975 - Reunião de Spínola com militares, ex-militares e outros civis. Os de experiência militar organizam-se em corpos numa estrutura de "comandos" e criam-se pseudónimos de código. Os civis são organizados numa estrutura que "estava pronta a colaborar no que fosse preciso", designadamente na eventualidade de uma resposta a um eventual "esquema de violência terrorista".[4] O major Hoschedorn da RFA informa o major Pedro Cardoso, do Estado Maior, que se prepara um golpe em Tancos.[1]
  • 11 de Março de 1975 - Dá-se o golpe.[5][6][7]
    • 9h: a força que iria desencadear o golpe estava pronta na pista de Tancos.[5]
    • 11h45: dois aviões T-6, pilotados pelo major Neto Portugal e segundo-sargento Moreira, e quatro helicópteros, incluindo 2 Alouette III na versão de helicanhão de ataque, sob comando do General Spínola, sobrevoam e atacam o quartel do RAL1, perto do Aeroporto de Lisboa, com rajadas de metralhadora, foguetes ar-terra anti-pessoal SNEB e granadas de helicanhão.[5][8] Começam a registrar-se feridos. Os defensores procedem à ocupação quase imediata de três torreões de 10 andares, situados em frente ao quartel, o que permite detectar e rechaçar os 40 paraquedistas, comandados pelo capitão José Augusto Sebastião Martins, que têm a missão de tomar o quartel. Estava planeada a consolidação do ataque por 120 paraquedistas por 3 Nord-Atlas, que aterrariam no Aeroporto de Portela, para seguirem para a RAL1 na Encarnação, mas o impasse do ataque inicial viria a frustrar este desenvolvimento. Outros alvos planeados seriam as antenas da R.T.P. e do R.C.P., e o Forte do Alto do Duque, então quartel-general do COPCON. [1]
    • 14h00: O golpe é dado como perdido.[2]
    • 14h40: Ricardo Durão desloca-se com Salgueiro Maia a Tancos para dialogar com António de Spínola.
    • 14h45: A Emissora Nacional transmite o primeiro comunicado do gabinete do Primeiro-Ministro: "A aliança entre o Povo e as Forças Armadas demonstrará, agora como sempre, que a revolução do PREC é irreversível."[9]
    • 16h: Falece o soldado Joaquim Carvalho Luís devido aos ferimentos causados pelos atacantes. Constam outros 14 feridos.[8][10] Do lado atacante, um dos helicópteros foi alvejado, resultando daí um piloto, Alferes Chinita de Mira, e um paraquedista feridos.[1][7]
    • 16h20: O General Spínola escapa num grupo de 4 helicópteros Alouette IlI para a Base Aérea de Talavera La Real, em Espanha, em conjunto com a sua família e outros, como Mira Godinho[11], Rebordão de Brito[12], etcetera.[5][8][13] Outros, como Alpoim Calvão, escapam de carro rumo à fronteira, para serem recebidos pelo regime franquista, que contacta o governo brasileiro, no sentido de lhes procurar lá exílio político.[1][11]
    • 17h: Rendem-se os revoltosos. O General Damião, Xavier de Brito, Rosa Garoupa e um tenente conseguem fugir e pedir axilo na embaixada da RFA.[7]
    • 19h: A agência France Presse envia um telegrama a anunciar que Spínola, acompanhado da esposa e de 15 oficiais, chega à base aérea de Talavera de La Real, em Badajoz.[9]
    • 20h: Mensagem do Presidente da República Francisco da Costa Gomes em que dá a lista dos implicados naquela que intitula de "aventura reaccionária". Entre eles figuram António de Spínola, Alpoim Calvão, António Ramos, Neto Portugal, Rosa Garoupa, Rafael Durão, Freire Damião, Tavares Monteiro e Xavier de Brito.
    • Reunião Extraordinária do MFA. 200 membros do MFA reúnem-se com o então Presidente da República, general Costa Gomes, a Junta de Salvação Nacional e os membros militares do Governo na que viria a ser chamada "Assembleia Selvagem", de duração de cerca de 8 horas e meia. Alguns soldados do RAL1 pretendiam participar ainda armados, mas foram portanto convidados a sair.[11] Nesta, os apelantes a fuzilamento sumário dos culposos do golpe, em particular os soldados do RAL1 cujo porta-voz era o major Diniz de Almeida, são refreados pelos moderados como o capitão Cabral e Silva e major Costa Neves, que lembraram aos radicais presentes que nem a ditadura havia executado os responsáveis do fracassado Golpe das Caldas. Defendiam também a execução planeada da eleição Constituinte. Desta reunião decide-se também sobre a nacionalização da Banca e dos Seguros e a criação do Conselho da Revolução, que substituiria a Junta de Salvação Nacional criada por Spínola na tutela militar do poder político, e que tinha as funções adicionais de "vigilância do cumprimento do programa do MFA e das leis constitucionais" no processo de transição para a democracia.[14][15]
  • 12 de Março de 1975 - Inicia-se uma vaga de ocupações de empresas e propriedades contra os seus proprietários.[9]
  • 13 de Março de 1975 - Zeca Afonso e Sérgio Godinho cantam no RAL 1 para os militares.[16][17]
  • 14 de Março de 1975 - É instituido legalmente o Conselho da Revolução. O General Spínola faz rumo ao exílio no Brasil, por via de Madrid, depois Buenos Aires, em conjunto com vários dos revoltosos.[18]
  • 21 de Março de 1975 - Por decisão do Conselho da Revolução, António de Spínola e outros 18 oficiais são expulsos das Forças Armadas.[19]
  • 23 de Março de 1975 - O Exército Para a Libertação de Portugal (ELP) é denunciado pelo brigadeiro Eurico Corvacho (comandante da Região Militar Norte e representante do COPCON no Norte de Portugal) numa conferência de imprensa difundida em directo pela RTP, afirmando que "este tinha sido descoberto e que era uma organização fascista que visava espalhar o sangue e o luto no seio do povo português". As autoridades militares anunciam a detenção de doze indivíduos ligados ao ELP, cuja prisão ocorrera, de facto, em finais de Fevereiro. Os serviços de informação tornaram pública a notícia depois do 11 de Março, para fazerem crer que ela vinha na sequência do fracassado golpe spinolista.[20]
  • 29 de Março de 1975 - O ELP, em notícia divulgada pela imprensa, nega qualquer intervenção no Golpe de 11 de Março, mas afirma-se pronto a actuar em todo o território português contra o clima comunista que se tinha instalado no país.[20]
  • (data incerta de) Março de 1975 - O líder do governo franquista, Carlos Arias Navarro, procura apoio dos EUA no caso de decidir por uma invasão a Portugal, para combater a "crescente ameaça comunista".[21][22]
  • 5 de Maio de 1975 - Do exílio, Spínola forma o MDLP.
  • 15 de Maio de 1975 - No esforço de "saneamento" das forças armadas promovido pelo MFA[8] e a extrema-esquerda portuguesa, e face à crescente instabilidade socio-política e actividade terrorista, alguns oficiais vistos como "leais ao regime fascista" e a Spínola são perseguidos. Radicalizados pelo ataque de 11 de março, soldados do RAL1 são frequentemente agentes deste "saneamento". O fuzileiro José Jaime Coelho da Silva e a sua mulher Natércia Coelho da Silva são raptados e torturados dois dias, interrogados relativamente a um eventual golpe de estado em Portugal e à criação de um movimento contra o novo regime da Guiné-Bissau, ficando de seguida vários meses preso.
  • 17 de Maio de 1975 - Marcelino da Mata é raptado pelo MRPP de Saldanha Sanches, entregue aos soldados do RAL 1 que o mantêm temporariamente preso e torturado, interrogado quanto ao ELP e actividades conspiratórias contra o novo regime da Guiné-Bissau.[23][24][25] Ao ser libertado, foge para Espanha, onde ficará até ao 25 de Novembro.
  • 28 de Maio de 1975 - Alinhado com as preocupações franquistas, o embaixador americano em Espanha, Wells Stabler, declara que “com a sua longa fronteira com Portugal, seria difícil Espanha proteger-se de uma acção subversiva portuguesa”, justificando uma possível invasão.
  • Segue-se o Verão Quente, onde os radicais de extrema-esquerda e extrema-direita inflingem violência pela sociedade. Findará com o 25 de Novembro.
  • Ao longo do primeiro trimestre de 1976, os presos são soltos, vindo gradualmente a ser reintegrados nas forças armadas.[26]
  • 19 de Janeiro de 1976 - Ciente dos abusos do "saneamento", o Conselho da Revolução nomeia uma comissão de averiguação de violências sobre presos sujeitos às autoridades militares, publicada em Julho desse ano.[27]

Representações na cultura

editar

Zeca Afonso compôs a canção "O Dia da Unidade", editada em 1976, que memoriza a unidade entre militares e povo, que encontrou após visitar a base depois do ataque, e evoca a memória do soldado Joaquim Carvalho Luís.[28]

O golpe, na perspectiva de Salgueiro Maia, foi retratado no filme "Salgueiro Maia - O Implicado".

Ver também

editar

Referências

editar
  1. a b c d e f Noronha, Ricardo (30 de dezembro de 2016). «Anatomia de um golpe de Estado fracassado: 11 de março de 1975». Ler História (69): 71–87. ISSN 0870-6182. doi:10.4000/lerhistoria.2487. Consultado em 3 de outubro de 2023 
  2. a b c d «O falhanço de Spínola». Correio da Manhã. 11 de março de 2005. Consultado em 4 de abril de 2014 
  3. A Revolução dos Cravos e a Criação da 2.ª República Portuguesa (PDF). Lisboa: Âncora Editora. 2024. p. 43 
  4. Guerra, João Paulo (11 de março de 1989). «Nos Idos de Março: O Reverso dos Cravos». O Diário 
  5. a b c d «11 de Março de 1975 O golpe do general». Jornal de Notícias. 8 de março de 2009. Consultado em 4 de abril de 2014 
  6. «CD25A - O Pulsar da Revolução.Março 1975». www.cd25a.uc.pt. Consultado em 26 de junho de 2024 
  7. a b c Neves, Orlando (Junho de 1975). Textos Históricos da Revolução (PDF). [S.l.]: Diabril Editora Sociedade Cooperativa 
  8. a b c d «Boletim Informativo do Movimento das Forças Armadas» (PDF). Rua das Trinas, nº 49, Lisboa: Instituto Hidrográfico. Boletim Informativo do Movimento das Forças Armadas (16). 23 de abril de 1975 
  9. a b c «Pulsar Março 1975». Centro de Documentação 25 de Abril. Consultado em 4 de abril de 2014 
  10. «Funeral de soldado morto no 11 de Março» 
  11. a b c «A Gravação Secreta da Assembleia "Selvagem" de 24 abr 2019 - RTP Play - RTP». RTP Play. Consultado em 30 de junho de 2024 
  12. Vargas, Vargas (2008). «Boletim da Associação dos Pupilos do Exército, nº210, 2008». Pupilos do Exército. Boletim da Associação de Pupilos do Exército (210): 184 
  13. «Spínola e o futuro de Portugal». Jornal de Notícias. 25 de abril de 2010. Consultado em 4 de abril de 2014 
  14. Contreiras, Carlos de Almada; Lourenço, Vasco; Godinho, Jacinto, eds. (março de 2019). A noite que mudou a Revolução de Abril: a Assembleia Militar de 11 de Março de 1975 (transcrição da gravação original da assembleia). Col: Memórias de guerra e revolução. Lisboa: Edições Colibri  Verifique data em: |ano= (ajuda)
  15. «| Cc | Arquivos». casacomum.org. Consultado em 25 de junho de 2024 
  16. «Panegírico a Zeca Afonso | Segunda parte». Consultado em 27 de junho de 2024 
  17. «O patrono – Escola Secundária Dr. José Afonso». Consultado em 27 de junho de 2024 
  18. Rodrigues, Luís Nuno (junho de 2014). «António de Spínola no exílio: a estadia no Brasil». História (São Paulo): 66–96. ISSN 0101-9074. doi:10.1590/S0101-90742014000100005. Consultado em 26 de junho de 2024 
  19. Decreto-Lei n.º 147-D/75, de 21 de março. Diário do Governo n.º 68/1975, 2º Suplemento, Série I de 1975-03-21. Lisboa: Governo da República Portuguesa. 1975. pp. 4, 5 
  20. a b Março de 1975, Cronologia Pulsar da revolução, Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, 2012
  21. «Reportagem do "El País" dá conta que Espanha, em 1975, quis decretar guerra contra Portugal». www.jornaldenegocios.pt. Consultado em 5 de julho de 2024 
  22. Delfín, Martin (3 de novembro de 2008). «Arias quería ir a la guerra con Portugal». Madrid. El País (em espanhol). ISSN 1134-6582. Consultado em 5 de julho de 2024 
  23. «Presos 400 militantes do MRPP». www.cmjornal.pt. Consultado em 5 de julho de 2024 
  24. «Jornal Objectivo | SOCIEDADE | Relatório "secreto" descreve torturas a Marcelino da Mata a seguir ao 11 de março de 1975». Jornal Objectivo. 15 de março de 2021. Consultado em 1 de julho de 2024 
  25. «A história de Marcelino da Mata, vilão e herói». www.sabado.pt. Consultado em 1 de julho de 2024 
  26. «Protagonistas viriam a ser todos reabilitados». Jornal de Notícias (em inglês). Consultado em 1 de julho de 2024 
  27. «Relatório das Sevícias — Instituto +Liberdade». Mais Liberdade. Consultado em 5 de julho de 2024 
  28. José Afonso - Topic (24 de novembro de 2022), O Dia da Unidade, consultado em 27 de junho de 2024 

Ligações externas

editar
  Este artigo sobre história ou um(a) historiador(a) é um esboço. Você pode ajudar a Wikipédia expandindo-o.