Paulo Abrão

Professor, jurista e especialista em direitos humanos brasileiro

Paulo Abrão Pires Junior, ou Paulo Abrão, é um jurista, professor universitário e ativista dos direitos humanos. Ocupou diversas posições relevantes no Brasil e internacionalmente incluindo as de presidente da Comissão de Anistia, Secretário Nacional de Justiça do Ministério da Justiça durante o governo Dilma Roussef, presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Secretário-Executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul (IPPDH), baseado em Buenos Aires, e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, baseada em Washington. Foi vice-presidente da Associação Brasileira para o Ensino do Direito (Abedi).[1][2][3][4][5]

Paulo Abrão durante seu mandato como Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Na academia, foi professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e do programa de pós-graduação em Direitos Humanos da Universidade Pablo de Olavide, na Espanha, e acadêmico visitante da Universidade Brown, nos Estados Unidos.

Atualmente é Secretário-Executivo do Washington Brazil Office, do qual foi fundador. Numa das primeiras missões à frente do escritório foi um dos líderes da delegação de organizações da sociedade civil que foram aos Estados Unidos pedir proteção a democracia brasileira nas eleições de 2022[6], e denuncio o uso de expedientes de excessão durante a pandemia de Covid-19 para fazer avançarem ataques aos defensores dos direitos humanos e pautas de extrema direita na América Latina.[7]

Formação

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Abrão é graduado em direito pela Universidade Federal de Uberlandia, em Minas Gerais, e doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Comissão de Anistia

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Durante a gestão de Abrão à frente da Comissão de Anistia, a época ligada ao Ministério da Justiça, o órgão ampliou sua estrutura funcional, aumentou o número de processos julgados anualmente, estabeleceu novos patamares para o valor das anistias e estabeleceu uma série de iniciativas de memória e verdade, como as Caravanas de Anistia, que em quase 100 edições chegaram a todas as regiões do Brasil e implementou as Clínicas do Testemunho, programa de reparação psicológica às vítimas da ditadura militar.[8][9][10][11] Abrão chefiou o órgão entre 2007 e 2016, durante o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma.

Em 31 de julho de 2008 a Comissão de Anistia realizou a audiência pública "Limites e Possibilidades para a Responsabilização Jurídica dos Agentes Violadores de Direitos Humanos durante Estado de Exceção no Brasil" no Salão Negro do Ministério da Justiça, em Brasília. Foi a primeira vez que uma atividade oficial do Estado brasileiro discutiu abertamente a reinterpretação da lei de anistia de 1979 para que fossem punidas as graves violações contra os direitos humanos praticadas pela ditadura militar, gerando intenso debate nacional e internacional.[12]

Secretaria Nacional de Justiça

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Entre 2011 e 2014, no governo de Dilma Roussef, Abrão exerceu o cargo de secretário nacional de justiça. Em sua gestão priorizou temas como o combate a corrupção e a lavagem de dinheiro,[13][14] o enfrentamento ao tráfico de pessoas,[15][16] e a proteção aos refugiados que chegavam ao Brasil.[17] A migração haitiana foi um tema de especial atenção a sua gestão, com crises envolvendo a chegada em massa de migrantes do país caribenho na região norte do país e em diversas cidades de todo o território nacional.[18]

Uma das marcas da gestão de Abrão à frente da Secretaria Nacional de Justiça foi a realização da 1º Conferência Nacional sobre Migração, Refúgio e Apatridia (Comigrar). A etapa nacional da Comigrar contou com a participação de 788 pessoas, sendo 232 observadores, 556 delegados de 30 nacionalidades em 21 estados brasileiros, 65 voluntários e 22 veículos de imprensa. Os delegados foram eleitos entre migrantes, refugiados, estudiosos, servidores públicos e profissionais envolvidos na temática.[19]

Realizada em São Paulo, nos dias 30 de maio e 1º de junho de 2014,[20] a Conferência foi considerada "um marco histórico" pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados.[21] Uma segunda edição da Comigrar foi anunciada em 2023, a partir da boa prática estabelecida em 2014.[22][23]

Comissão Interamericana de Direitos Humanos

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Abrão em missão da Comissão Interamericana de Direito Humanos na Bolívia, 2020.

Abrão assumiu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em meio a uma crise de financiamento, tendo de negociar novos fundos com os doadores. Durante sua gestão foi criada a relatoria especial sobre direitos econômicos, políticos e culturais e nomeado um especialista para a investigação dos assassinatos na Nicaragua.[24] Foi implementado o mecanismo interamericano de monitoramento e avaliação de direitos humanos e criada uma sala de situação para a resposta à pandemia de Covid-19.[25] Foram realizadas missões a diversos países da região como Chile[26] e a fronteira Sul dos Estados Unidos.[27]

Polêmica

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Em agosto de 2020 o secretario-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, informou que não renovaria o contrato de Abrão devido a denuncias anónimas de funcionários da Comissão.[28] Os comissários aprovaram a permanência de Abrão de forma unanime, mas ele optou por se afastar para não prejudicar os trabalhos do órgão.[29][30] O caso gerou fortes reações contra Almagro, acusado de intervir na Comissão, que é um orgão autonomo do Sistema da OEA.[31] Em outubro de 2022 a Corte Administrativa da OEA condenou Almagro a indenizar Abrão pela forma como conduziu o processo.[32] Comentando o veredido Abrão declarou que "para mim isso é uma vitória muito significativa, porque limpa meu nome”.[33]

Contribuições acadêmicas

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Abrão publicou diversos livros e artigos acadêmicos sobre temas de educação e direitos humanos e sobre direito tributário (área pela qual recebeu seu doutorado), em parceria com intelectuais como Tarso Genro e Boaventura de Sousa Santos.[34][35]

 
Capa de A Anistia na Era da Responsabilização (Ministério da Justiça, Universidade de Oxford: 2011).

Em 2011 publicou no Brasil, juntamente com Leigh Payne e Marcelo Torelly, a obra coletiva “A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em Perspectiva Internacional e Comparada”,[36] prefaciada pelo então ministro da justiça José Eduardo Martins Cardozo, com contribuições dos organizadores e de acadêmicos como Kathryn Sikkink, Par Engstrom, Naomi Roht-Arriaza, Leslie Vinjamuri, Roberta Baggio, Deisy Ventura e Louise Malinder. A obra foi produto de uma conferência organizada no ano anterior na Universidade de Oxford.[37]

O livro foi publicado em um momento de intenso debate político e jurídico sobre a revisão da lei de anistia no país, após um julgamento do Supremo Tribunal Federal na ADPF 153 validando a lei de anistia de 1979 e uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia") versus Brasil em sentido oposto, apontando a inconvencionalidade das medidas de impunidade para greves violações contra os direitos humanos, ao mesmo tempo em que o país discutia a instalação de uma Comissão Nacional da Verdade (finalmente tida em 2013). Para além dos pesquisadores acadêmicos, entre os autores do livro estavam os representantes das vítimas do caso Gomes Lund junto ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

A obra consolidou-se como uma das referências no tema, utilizada por acadêmicos, gestores públicos e jornalistas, estando disponível nas principais bibliotecas do país, com acesso on-line gratuito, tendo seus capítulos amplamente citados na literatura acadêmica e nos debates políticos apontado a fragilidade da transição política brasileira no campo da responsabilização criminal dos agentes violadores de direitos humanos.

Uma versão resumida voltada ao público internacional foi publicada no ano seguinte pela Cambridge University Press sob curadoria de Leigh Payne e de Francesca Lessa com o título “Amnesty in the Age of Human Rights Accountability”.[38]

Referências

  1. «Paulo Abrão é confirmado como novo secretário nacional de Justiça». Gazeta do Povo 
  2. «Paulo Abrão, do Ministério da Justiça, vai dirigir Instituto de Direitos Humanos do Mercosul». O Globo. 21 de novembro de 2014. Consultado em 24 de julho de 2024 
  3. «Brasileiro Paulo Abrão dirigirá a Comissão Interamericana de DH». noticias.uol.com.br. Consultado em 24 de julho de 2024 
  4. MERCOSUR, IPPDH (17 de agosto de 2016). «Paulo Abrão encerra gestão com avanços nas áreas institucionais, de pesquisa e articulação regional». IPPDH. Consultado em 24 de julho de 2024 
  5. ConJur, Redação (24 de janeiro de 2011). «Paulo Abrão assume Secretaria de Justiça no lugar de Pedro Abramovay». Consultor Jurídico. Consultado em 24 de julho de 2024 
  6. «O dia em que brasileiros pediram ajuda aos Estados Unidos para barrar um golpe de Bolsonaro | revista piauí». Consultado em 24 de julho de 2024 
  7. Chade, Jamil (20 de outubro de 2020). «Paulo Abrão: "Há um grave incremento de ataques à atuação de defensores de direitos humanos"». El País Brasil. Consultado em 24 de julho de 2024 
  8. «Presidente da Comissão de Anistia defende ajustes na política de indenização - 23/08/2009 - Poder - Folha de S.Paulo». m.folha.uol.com.br. Consultado em 24 de julho de 2024 
  9. Povo, Chico Marés, especial para a Gazeta do. «Secretário nacional de Justiça defende punição de militares da ditadura». Gazeta do Povo. Consultado em 24 de julho de 2024 
  10. «Lançado programa Clínicas do Testemunho». www.al.sp.gov.br. Consultado em 24 de julho de 2024 
  11. «G1 > Política - NOTÍCIAS - Governo já gastou R$ 2,6 bilhões em indenizações para anistiados». g1.globo.com. Consultado em 24 de julho de 2024 
  12. «Folha de S.Paulo - Presidente de comissão quer punir tortura - 29/08/2008». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 24 de julho de 2024 
  13. Estado de Minas (18 de março de 2013). «Combate ao crime de lavagem de dinheiro poe Brasil a prova». Estado de Minas. Consultado em 24 de julho de 2024 
  14. «Na Turquia, Paulo Abrão discute combate a crimes fiscais e lavagem de dinheiro». Ministério da Justiça e Segurança Pública. Consultado em 24 de julho de 2024 
  15. «Secretaria Nacional de Justiça avalia II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas». www.unodc.org. Consultado em 24 de julho de 2024 
  16. «Campanha de combate ao tráfico de pessoas tem Ivete Sangalo como embaixadora da ONU». O Globo. 9 de maio de 2013. Consultado em 24 de julho de 2024 
  17. «ATUAÇÃO CONJUNTA DA SNJ, DPU E CONARE». O Estrangeiro. 6 de novembro de 2012. Consultado em 24 de julho de 2024 
  18. , Gov.Br (25 de julho de 2013). «Em dez anos, Enccla preparou o País para enfrentar a corrupção e a lavagem de dinheiro» 
  19. «Comigrar reúne 788 pessoas para discutir Política Nacional de Migrações e Refúgio». www.unodc.org. Consultado em 24 de julho de 2024 
  20. «1ª Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio debate a construção de políticas para a população de imigrantes | Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania | Prefeitura da Cidade de São Paulo». www.prefeitura.sp.gov.br. 28 de maio de 2014. Consultado em 24 de julho de 2024 
  21. «Brasil: 1ª Conferência Nacional sobre Migração e Refúgio é considerada um marco histórico». ACNUR Brasil (em inglês). Consultado em 24 de julho de 2024 
  22. Governo Federal, Ministério da Justiça. «INFORME II COMIGRAR». Consultado em 24 de julho de 2024 
  23. «Comigrar: Sem data e sem resposta». O Estrangeiro. 30 de junho de 2024. Consultado em 24 de julho de 2024 
  24. MIRANDA ABURTO, WILFREDO (4 de Julho de 2018). «IACHR Names Experts to Investigate the Killings in Nicaragua». Logo de Confidencial Digital 
  25. OAS (1 de agosto de 2009). «OAS - Organization of American States: Democracy for peace, security, and development». www.oas.org (em inglês). Consultado em 24 de julho de 2024 
  26. Chile, C. N. N. «CIDH confirma visita in loco a Chile el próximo 26 de enero». CNN Chile (em inglês). Consultado em 24 de julho de 2024 
  27. «IACHR conducted visit to the United States' Southern Border - United States of America | ReliefWeb». reliefweb.int (em inglês). 16 de setembro de 2019. Consultado em 24 de julho de 2024 
  28. «Brasileiro que investiga abusos de governos de direita na OEA é vetado de surpresa». Brasil de Fato. 27 de agosto de 2020. Consultado em 24 de julho de 2024 
  29. «Brasileiro secretário da OEA para direitos humanos é demitido às vésperas de relatório sobre milícias e ataques a minorias no Brasil». BBC News Brasil. Consultado em 24 de julho de 2024 
  30. «Após disputa de poder, brasileiro sai da direção da Comissão de Direitos Humanos da OEA». O Globo. 17 de setembro de 2020. Consultado em 24 de julho de 2024 
  31. «OAS chief under fire for removal of top rights official». Washington Post (em inglês). 1 de setembro de 2020. ISSN 0190-8286. Consultado em 24 de julho de 2024 
  32. «Corte da OEA emite sentença contra Almagro por danos morais a jurista brasileiro». www.folhape.com.br. Consultado em 24 de julho de 2024 
  33. «Secretário-geral da OEA terá de indenizar brasileiro tirado de órgão de direitos humanos». Folha de S.Paulo. 25 de outubro de 2022. Consultado em 24 de julho de 2024 
  34. «Paulo Abrão, Tarso Genro ; Juarez Guimarães, apresentação ; Nilmário Miranda, prefácio., Os direitos da transição e a democracia no Brasil, Livro». www.lexml.gov.br. Consultado em 24 de julho de 2024 
  35. Boaventura de Sousa Santos, Cecília Macdowell dos Santos, Paulo Abrão & Marcelo Torelly (2010). Repressão e Memória Política no Contexto Ibero-Brasileiro: estudos sobre Brasil, Guatemala, Moçambique, Peru e Portugal. (PDF). Coimbra, Brasília: Universidade de Coimbra, Ministério da Justiça. ISBN 978-85-85820-04-6 
  36. Leigh Payne, Paulo Abrão & Marcelo Torelly (2011). A Anistia na Era da Responsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada (PDF). Oxford, Brasília: Universidade de Oxford, Ministério da Justiça. ISBN 978-85-85820-07-7 
  37. «De olho na Lei da Anistia | Radar». VEJA. Consultado em 24 de julho de 2024 
  38. Brucken, Rowland (1 de dezembro de 2014). «Amnesty in the Age of Human Rights Accountability: Comparative and International Perspectives by Francesca Lessa and Leigh A. Payne, eds.». Human Rights Review (em inglês) (4): 495–497. ISSN 1874-6306. doi:10.1007/s12142-014-0335-1. Consultado em 24 de julho de 2024