Nota: Para outros significados, veja Torque (desambiguação).

O torque ou binário de forças, também conhecido como momento de alavanca ou momento de forças, é uma grandeza vetorial da física associada às forças que produzam rotação em um corpo.[1] Por vezes também é chamado simplesmente de "momento", termo ambíguo que pode se referir a outras grandezas, como momento angular, momento linear e momento de inércia.

Inicialmente, o torque é definido a partir da componente perpendicular ao eixo de rotação da força aplicada sobre um objeto, que é efetivamente utilizada para fazê-lo girar em torno de um eixo ou ponto central, conhecido como ponto pivô ou ponto de rotação. A distância do ponto pivô ao ponto onde atua uma força ‘F’ é chamada braço do momento e é denotada por ‘r’. Note que esta distância ‘r’ é também um vetor.[2]

Em um espaço tridimensional, o vetor torque é definido como o produto vetorial, respectivamente, da posição em que é aplicada a força :[1]

História editar

 
Representação de uma balança com dois objetos de massas M1 e M2.
 Ver artigo principal: Alavanca

Assim como outros conceitos da mecânica clássica, o torque tem suas origens em problemas cotidianos, especialmente no uso das alavancas. As alavancas são máquinas simples que consistem essencialmente em uma barra com um ponto de apoio que facilita o movimento de objetos. O filósofo grego Arquimedes realizou estudos sobre tais máquinas e criou a teoria das alavancas. Ele percebeu que a força aplicada a uma das extremidades da alavanca, com o intuito de mover um objeto na outra extremidade, é inversamente proporcional à distância do ponto de apoio. Ou seja, quanto mais distante a extremidade estiver do ponto de apoio, menor será a força necessária para mover o objeto. Nesse contexto histórico, Arquimedes ficou famoso ao afirmar que caso lhe dessem "um ponto de apoio e uma alavanca" seria capaz de "mover o mundo”.[3]

Introdução editar

Definição em módulo editar

 
Decomposição da força F em duas componentes: uma perpendicular ao vetor posição r, F; e outra paralela a ele. Somente a componente perpendicular da força produz rotação e, por consequência, é a única que produz torque.
Nesta imagem, o vetor torque aponta perpendicularmente ao plano em que ocorre a rotação, no sentido que "sai" da imagem.

A maçaneta de uma porta fica o mais longe possível das dobradiças por uma boa razão. Para abrir uma porta pesada, é tão necessário aplicar uma força de módulo suficientemente grande, quanto é aplicá-la na direção perpendicular à linha que liga a maçaneta às dobradiças. Se a força for aplicada mais perto das dobradiças que a maçaneta, ou com um ângulo diferente de 90º em relação ao plano da porta, será preciso usar uma força maior para abrir a porta que se a força for aplicada à maçaneta, perpendicularmente ao plano da porta.[2]

Para determinar o modo como F provoca uma rotação do corpo em torno do eixo de rotação, podemos separar a força em duas componentes (figura ao lado). Uma dessas componentes, a componente radial F||, tem a direção do vetor r. Essa componente não provoca rotações, já que age ao longo de uma reta que passa pelo ponto do qual se origina o vetor posição r. Isto é, se uma porta for puxada ou empurrada paralelamente ao seu plano, ela não vai girar. Já a componente tangencial, F, é perpendicular ao vetor posição. Essa componente, portanto, provoca rotações e tem módulo  . Isso equivale a puxar ou empurrar uma porta perpendicularmente a seu plano, o que provoca sua rotação.[2]

A capacidade de F fazer um corpo girar não depende apenas do módulo da componente tangencial F, mas também da distância entre o ponto de aplicação de F e o ponto em que se origina o vetor r, isto é, do módulo desse vetor, cujo valor é  . Em uma interpretação simétrica, pode-se definir a componente de r ortogonal à força F (comumente denominada braço de alavanca), simbolizada por r e cujo módulo é  .[4] Para levar em conta os dois fatores, em ambas as interpretações, defini-se uma grandeza chamada de torque ( ) como o produto das duas grandezas de cada situação:[2]

Definição de torque (módulo)

 

Definição vetorial editar

 
Relação dos vetores torque ( ), força ( ), momento linear ( ), momento angular ( ) e posição ( ).

Inicialmente, define-se o torque   de um corpo rígido capaz de girar em torno de um eixo fixo, com todas as partículas do corpo sendo forçadas a se mover em trajetórias circulares com centro nesse eixo. Isto é, o movimento de cada partícula está contido em um plano específico. Para ampliar a definição de torque e o escopo de sua aplicação, de modo que uma partícula possa se mover em uma trajetória qualquer em relação a um ponto fixo (em vez de um eixo fixo) e que a trajetória não seja necessariamente circular, o torque será considerado não mais como um escalar, mas sim como um vetor. Com isso, define-se o torque como sendo o produto vetorial, respectivamente, entre o vetor posição   (referido a uma origem  ) e a força aplicada ao corpo nessa posição  :[1]

Definição de torque (vetorial)

 

Essa definição de torque, assim como qualquer outro produto vetorial, obedece a convenção dextrógira, isto é, a regra da mão direita.[5] O produto vetorial é formalmente calculado de forma análoga a um determinante, cujas linhas são formadas pelos versores cartesianos e pelas componentes do vetor posição e do vetor força. Considerando  ,  , e  ,   e   como os vetores unitários, respectivamente, nas direções  ,   e  , obtém-se a seguinte expressão:[6]

 

Portanto, usando o teorema de Laplace para o cálculo de determinantes, o torque exercido pode ser expresso, em componentes cartesianas, das seguintes formas:

 
 

Unidades editar

A unidade de medida para o torque definida pelo Sistema Internacional de Unidades é o newton-metro. Ainda que matematicamente a ordem destes fatores, "newton" e "metros", seja indiferente, o BIPM (Bureau International des Poids et Mesures) especifica[7] que a ordem deve ser N·m e não m·N.

Segunda lei de Newton para rotações editar

 Ver artigo principal: Leis de Newton

Eixo fixo editar

Um torque pode fazer um corpo rígido girar, como acontece, por exemplo, quando abrimos ou fechamos uma porta. Para relacionar o torque resultante aplicado a um corpo rígido à aceleração angular a produzida por esse torque, faz-se a analogia com a segunda lei de Newton para translações ( ). No caso, o torque resultante   é análogo à força resultante  , a aceleração angular   à aceleração  , e o momento de inércia   à massa  . Desse modo, tem-se a seguinte equação:[4]

2ª lei de Newton para rotações (eixo fixo)

 

Forma geral editar

Caso o torque resultante não seja paralelo à aceleração angular, a relação entre as duas grandezas vetoriais não será dada através de um número, o momento de inércia, mas sim por um tensor, conhecido como o tensor de inércia.

2ª lei de Newton para rotações (forma geral)

 

Nesta equação matricial, cada entrada de   é denominada produto de inércia, dados pelas seguintes expressões sobre uma distribuição de massa de um corpo  :

 
 
 


 
 
 

Relação com o momento angular editar

O torque resultante (referido a uma particular origem  ) sofrido por uma partícula também pode ser expresso como sendo a derivada temporal do momento angular (referido à mesma origem). Considerando   como o vetor momento angular da partícula, escreve-se matematicamente:[9]

2ª lei de Newton para rotações (momento angular)

 

Equilíbrio de rotação editar

 Ver artigo principal: Estática

Diz-se que um corpo rígido (como uma alavanca, por exemplo) está em equilíbrio quando a soma vetorial de todos os seus momentos de torque forem o vetor nulo.

Condição de equilíbrio de rotação

 

Exemplos envolvendo torque editar

Bloco pendurado por disco editar

   
Bloco pendurado por uma corda enrolada em um disco.
Diagrama de forças referente ao problema.

Tomemos um disco homogêneo, de massa   e raio  , montado em um eixo horizontal fixo; e um bloco de massa   pendurado por uma corda (de massa desprezível) enrolada na borda do disco. Conhecidos os valores desses parâmetros e usando as leis de Newton para translação e para rotação é possível determinar a aceleração do bloco em queda, a aceleração angular do disco e a tensão da corda, contanto que seja considerado que a corda não escorrega e que não há atrito no eixo.[8]

Por um lado, considerando o bloco como um sistema, pode-se relacionar a aceleração às forças que agem sobre o bloco através da segunda lei de Newton para translação ( ). Por outro, ao considerar o disco como um sistema, relaciona-se a aceleração angular   ao torque que age sobre o disco através da segunda lei de Newton para rotação ( ). Por fim, para combinar os movimentos do bloco e do disco, utiliza-se do fato de que a aceleração linear do bloco e a aceleração linear (tangencial) da borda do disco são iguais, sendo representadas por  .[8]

As forças atuantes estão representadas no diagrama de corpo livre do sistema. A força de tensão na corda é   e o peso do bloco é  , cujo módulo é  . Podemos escrever a segunda lei de Newton para as componentes ao longo de um eixo vertical y ( ) como:[8]

   

Entretanto, não é possível obter o valor de   usando apenas esta equação porque ela também contém a incógnita  . Comumente em problemas de mecânica, quando se esgotam as conclusões a serem tiradas acerca das forças em um eixo (no caso, o eixo y), observa-se as forças de outros eixos (como o eixo x) para obter mais equações e formar um sistema. Da mesma forma, pode ser útil usar as condições de rotação do disco para formar tal sistema.[8][11]

Para calcular os torques e o momento de inércia, usamos o fato de que o eixo de rotação é perpendicular ao disco e passa pelo seu centro. Nesse caso, os torques são dados pela equação  . A força peso do disco e a força do eixo agem sobre o centro do disco e, portanto, a uma distância  , de modo que o torque produzido por essas forças seja nulo. A força   exercida pela corda sobre o disco age a uma distância   do eixo e é tangente à borda do disco. Assim, a força produz um torque  , negativo pois o torque tende a fazer o disco girar no sentido horário (lembrando que a regra da mão direita estabelece o sentido anti-horário de rotação como positivo). O momento de inércia do disco é  .

Assim, escreve-se a equação   da seguinte forma:[11]

 

Como a aceleração linear do bloco e a aceleração tangencial do disco são iguais, é válida a equação  . Substituindo este valor na equação anterior, obtém-se:[11]

   

Substituindo a equação (2) na equação (1), encontra-se a aceleração obtida pelo corpo:[11]

 

 

Com esse resultado também é possível obter o valor da tração na corda, substituindo esta equação na equação (2):

 

 

Por fim, pela definição de aceleração angular ( ) e pela definição de torque ( ), utilizadas no problema, tem-se os valores dessas duas grandezas:

 

 

 

 

Cálculos de Forças editar

 
O deslocamento de uma força para um ponto fora da sua linha de ação introduz um torque  

Uma forma mais geral e simples de somar qualquer tipo de forças consiste em deslocá-las todas para um mesmo ponto, mas por cada força   deslocada, deverá ser adicionado um torque, igual ao produto do módulo da força e o braço em relação ao ponto onde foi deslocada. A figura ao lado mostra uma força   aplicada num ponto P, que queremos deslocar para a origem O.

O vetor posição   do ponto P tem módulo r e faz um ângulo   com a força   O braço da força em relação a O, que é a distância entre O e a linha de ação da força, é igual a r sin   e, portanto, o torque da força em relação a O é:

 

Repare que   é a componente da força na direção perpendicular ao vetor posição   e, assim, podemos dizer que o torque é produzido unicamente pela componente da força perpendicular ao deslocamento, e o valor do torque é igual ao valor absoluto da componente perpendicular da força, vezes a distância r que foi deslocada. O produto denomina-se produto vetorial entre os vetores   e  . No caso da soma das forças paralelas, o deslocamento das forças para o ponto S introduz dois torques,   e   os dois torques anulam-se e a resultante das duas forças, do ponto S, é a força F, sem nenhum torque. É importante também ter em conta o sentido de cada torque. A rotação produzida por   quando for deslocada para a origem será sempre no plano definido por   e  . Se designarmos esse plano por xy, uma forma conveniente de representar os dois sentidos possíveis do torque é por meio dos versores   e   Assim, podemos definir o vetor torque   usando a expressão vetorial:

 

em que   é, por definição, um vetor com módulo dado pela equação   , direção perpendicular ao plano definido por   e   e sentido dado pela regra da mão direita: afastando os dedos polegar, indicador e médio da mão direita, se o indicador aponta no sentido de   e o dedo médio no sentido de  , o sentido de   é dado pelo dedo polegar. É de salientar que com essa definição, o produto vetorial não é comutativo;   e   são vetores com o mesmo módulo e direção, mas com sentidos opostos. Como o ângulo de um vetor consigo próprio é zero, o produto   é sempre nulo. Em particular:

 

O produto de dois versores perpendiculares é outro versor perpendicular a eles. Assim, temos que:

  e   .

Consequentemente, escolhendo eixos em que os vetores r e F só tenham componentes x e y, obtemos o seguinte resultado útil para calcular produtos vetoriais:

 

Concluiremos para o fato de que, em contraste com as forças, os torques sim são vetores livres. O mesmo torque aplicado em qualquer ponto de um objeto produz o mesmo efeito. Uma força e um torque perpendicular a ela são sempre equivalentes à força, sem torque, atuando em outro ponto diferente. Isto é, deslocando a força na direção e distância apropriada, podemos introduzir um torque igual e oposto ao que queremos anular; como os dois torques são vetores livres, somam-se dando um torque nulo. O ponto de aplicação da resultante de várias forças é o ponto onde podemos somá-las produzindo um torque resultante nulo.[12]

Momento e Binários editar

 
Binário
 
Momento de uma força

A regra das alavancas pode ser explicada introduzindo o conceito de momento. Define-se o valor do momento de uma força em relação a um ponto O, como o produto do módulo da força pela distância desde o ponto O até a linha de ação da força (braço  ),

 

O momento   representa o efeito de rotação produzido pela força, se o ponto O do corpo rígido estivesse fixo, podendo o corpo rodar à volta desse ponto.[12]

Quanto mais afastada estiver a linha de ação da força em relação ao ponto fixo O, maior será o efeito rotativo produzido pela força. Isso explica porquê é mais fácil fechar a porta quanto mais longe das dobradiças for aplicada a força; a distância entre a linha de ação da força e a linha das dobradiças é o braço e quanto maior for, maior será o momento da força aplicada.

Sendo   o vetor posição do ponto P em que a força   é aplicada, em relação à origem O, o braço da força em relação à origem O é igual a  , em que o ângulo   é o ângulo entre os vetores   e   (figura ao lado).[12]

Conclui-se que valor do momento da força em relação ao ponto O é igual a,

 

Repare-se que ( ) é a componente da força na direção perpendicular ao vetor posição  , ou seja, o valor do momento da força é também igual ao produto da distância desde o ponto de aplicação até a origem,  , pela componente perpendicular da força. O momento produzido pela força é devido unicamente à componente perpendicular da força.[12]

A equação acima mostra que o momento da força é igual ao módulo do produto vetorial entre o vetor posição e a força e mostra a conveniência de definir o momento em forma vetorial:

 

O vetor   representa um efeito de rotação num plano perpendicular a ele.

Na figura anterior o momento é um vetor que aponta para fora da figura e costuma ser representado por uma seta circular, no sentido da rotação que segue a regra da mão direita em relação ao sentido do vetor  .

Um binário é um conjunto de duas forças   e  , iguais e opostas, com linhas de ação paralelas, como mostra a figura ao lado.

O binário não produz nenhuma translação em nenhum sentido, mas apenas rotação. O momento total, em relação à origem O, é a soma dos momentos das duas forças,

 

Os dois vetores de posição dos pontos Q e P dependem da escolha da origem, mas a sua diferença é o vetor   na figura, que não depende do ponto onde estiver a origem.

Isso quer dizer que o binário produz um momento que não depende de nenhum ponto de referência,

 

Na figura abaixo o momento do binário é um vetor para fora da figura, representado pela seta circular no sentido anti-horário.

 
Procedimento para deslocar uma força de um ponto P para outro ponto Q

Uma força   aplicada num ponto P pode ser deslocada para outro ponto Q, fora da sua linha de ação, usando o procedimento ilustrado na figura acima.

Adicionam-se duas forças   e   nos pontos P e Q e, para não alterar nada, adiciona-se também um binário   com o mesmo módulo do binário das forças introduzidas, mas no sentido oposto.

No caso da figura anterior,   deve ser no sentido horário e com módulo igual ao produto de   pela distância desde Q até a linha de ação da força original; ou, em forma vetorial,  .

No ponto P há duas forças iguais e opostas que se anulam, ficando no fim a força   no ponto Q e o binário   que é igual ao momento   que a força original, em P, produz em relação ao ponto Q.

Conclui-se que para somar um conjunto de forças num ponto Q, somam-se os momentos das forças em relação a esse ponto, dando um binário resultante, e somam-se as forças como vetores livres. O resultado é a força resultante no ponto Q e o binário resultante.

Quando as direções de todas as forças estiverem num mesmo plano, será conveniente definir dois dos eixos coordenados nesse plano, por exemplo   e   e a origem no ponto onde vão ser somadas as forças. Assim sendo, o momento de cada força   em relação à origem introduz um binário que tem unicamente componente segundo  , dada pelo determinante,

 

em que   e   são as coordenadas do ponto onde está a ser aplicada a força  .

Para obter o binário resultante bastará somar os valores de   obtidos para cada força.[12]

Ver também editar

Referências

  1. a b c Halliday 2012, p. 292
  2. a b c d Halliday 2012, p. 267
  3. Rigonatto, Marcelo. «Uso das proporções na teoria de alavancas». Mundo Educação. Consultado em 16 de maio de 2019 
  4. a b c Halliday 2012, p. 268
  5. Halliday 2012, p. 293
  6. Martins, Jorge Sá. «Operações com vetores». Youtube. 7 de outubro de 2017 
  7. «SI - Unidades derivadas». bipm.org. Consultado em 31 de janeiro de 2007. Arquivado do original em 16 de março de 2005 
  8. a b c d e Halliday 2012, p. 269
  9. a b Halliday 2012, p. 297
  10. Halliday 2012, p. 298
  11. a b c d Halliday 2012, p. 270
  12. a b c d e Trechos que usam material da obra Villate, Jaime E (2013). «6: Dinâmica dos corpos rígidos». Dinâmica e Sistemas Dinâmicos. Porto: [s.n.] ISBN 978-972-99396-1-7. Consultado em 8 de junho de 2013  Disponibilizada nos termos da Creative Commons Attribution Share Alike 3.0.

Bibliografia editar

  • Halliday, David (2012). Fundamentos de Física Volume 1 - Mecânica (9ª ed). Rio de Janeiro, RJ: LTC - Livros Técnicos e Científicos