Aretas V (gassânida)
[Flávio] Aretas (em grego: [Φλάβιος] Ἀρέθας; 569) em fontes bizantinas,[1] Alharite ibne Jabalá (em árabe: لحارث بن جبلة; romaniz.: Al-Ḥarith ibn Jabalah) em fontes árabes pré-islâmicas e Calide ibne Jabalá (em árabe: خالد بن جبلة; romaniz.: Khalid ibn Jabalah) em fontes muçulmanas,[2][3] foi um rei dos gassânidas, um povo árabe pré-islâmico que viveu na fronteira oriental do Império Bizantino. Quinto senhor gassânida de mesmo nome, reinou de ca. 528 a 569 e desempenhou um papel importante nas guerras com a Pérsia e nos assuntos da Igreja Ortodoxa Síria. Por seus serviços para Bizâncio, foi feito patrício e gloriosíssimo (gloriosissimus).[4]
Flávio Aretas | |
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Rei gassânida, filarco sarraceno | |
Reinado | ca. 528 - 569 |
Antecessor(a) | Gabalas IV |
Sucessor(a) | Alamúndaro III |
Morte | 569 |
Descendência | Alamúndaro III Gabalas Filho de nome desconhecido |
Casa | Gassânida |
Pai | Gabalas IV |
Religião | Catolicismo |
Filho de Gabalas IV, tornou-se governante dos gassânidas com a morte de seu pai em 528 na Batalha de Tanúris. No ano seguinte, o imperador Justiniano (r. 527–565) elevou-o à dignidade de rei para contrabalancear Alamúndaro III, o governante dos lacmidas e senhor dos aliados árabes do Império Sassânida. Em 528, participou na expedição punitiva contra Alamúndaro III e em 529 ajudou os bizantinos a suprimir a revolta samaritana. Em 530, possivelmente participou na vitória bizantina em Dara e em 531, liderou um destacamento de 5 000 árabes na fracassada Batalha de Calínico.
Em 537/538 ou 539, colidiu com Alamúndaro III por mais direitos de pastagem ao sul de Palmira, próximo da Estrada Diocleciana, o que foi utilizado como pretexto pelo xá Cosroes I (r. 531–579) para recomeçar a guerra contra o Império Bizantino em 540. Em 541, Aretas participou na expedição enviada por Belisário na Assíria, onde conseguiu grande butim. Em ca. 544/545, envolveu-se em conflito com o filarco Asuades. De ca. 546 em diante, quando os Impérios Sassânida e Bizantinos acordaram a paz na Mesopotâmia, Aretas prosseguiu sua guerra contra Alamúndaro III e num dos embates, ocorrido em 554, o último foi decisivamente derrotado e morreu no campo de batalha. Em 553, Aretas visitaria Constantinopla para discutir com o imperador acerca dos raides de Ambros III. Ele faleceu em 569, provavelmente após um terremoto, e foi sucedido por seu filho Alamúndaro III.
Biografia
editarComeço da vida
editarAretas foi o filho de Gabalas IV (Jabalá) e irmão de Abocarabo (Abu Caribe), filarco de Palestina Tércia.[5][6] Tornou-se governante dos gassânidas e filarco da Arábia Pétrea e Palestina Segunda, provavelmente em 528, após a morte de seu pai na Batalha de Tanúris. Logo após (ca. 529), foi elevado pelo imperador bizantino Justiniano (r. 527–565), nas palavras do historiador Procópio, "para a dignidade de rei", tornando-se o comandante geral de todos os aliados árabes do império (federados) no Oriente com o título de patrício (em grego: πατρίκιος καὶ φύλαρχος τῶν Σαρακηνῶν; lit. "patrício e filarco dos sarracenos").[4][7][8]
Sua real área de controle, contudo, pode inicialmente ter sido limitada pela parte nordeste da fronteira árabe de Bizâncio.[4][7][8] Na época, os bizantinos e seus aliados árabes estava engajados em uma guerra contra o Império Sassânida e seus árabes clientes, os lacmidas, e o movimento de Justiniano foi feito para criar uma contraparte ao poderoso rei lacmida, Alamúndaro III (r. 505–554), que controlava as tribos árabes aliadas dos persas.[9][10]
Carreira militar
editarNesta capacidade, Aretas lutou em nome dos bizantinos em todas as suas numerosas guerras contra a Pérsia.[4] Já em 528, foi um dos comandantes enviados numa expedição punitiva contra Alamúndaro.[12][13] Em 529, ajudou a suprimir a revolta samaritana, capturando 20 000 meninos e meninas que venderia como escravos. Foi talvez sua participação bem sucedida neste conflito que levou Justiniano a promovê-lo para filarco supremo.[14] Possível ele tomou parte com seus homens na vitória bizantina em Dara, em 530, embora nenhuma fonte explicitamente menciona-o.[15] Em 531, liderou um contingente de 5 000 árabes na Batalha de Calínico; Procópio, uma fonte hostil do governante gassânida, afirma que os árabes, estacionados à direita bizantina, traíram os bizantinos e fugiram, custando-os a batalha. João Malalas, contudo, cujo registro é geralmente mais confiável, registra que enquanto alguns árabes de fato fugiram, Aretas permaneceu firme.[13][16][17] A acusação de traição nivelada por Procópio contra Aretas parece estar ainda mais comprometida pelo fato de, ao contrário de Belisário, ele foi mantido no comando e estava ativo nas operações contra Martirópolis no final do ano[18] ao lado de Sitas.[19]
Em 537/538 ou 539, colidiu com Alamúndaro III por mais direitos de pastagem nas terras ao sul de Palmira, próximo da antiga Estrada Diocleciana.[13][20][21] De acordo com os relatos posteriores de Atabari, o governante gassânida invadiu o território de Alamúndaro e levou rico espólio. O xá sassânida Cosroes I (r. 531–579) usou esta disputa como pretexto para recomeçar as hostilidades com os bizantinos, e renovou a guerra, que eclodiu em 540.[3] Na campanha de 541, Aretas e seus homens, acompanhados por 1 200 bizantinos sob os generais João, o Glutão e Trajano, foram enviados por Belisário para um raide na Assíria. A expedição foi bem sucedida, penetrando longe no território e reunindo muita pilhagem. Em algum momento, no entanto, o contingente bizantino foi enviado de volta, e subsequentemente Aretas falhou em reunir-se com ou informar Belisário de seu paradeiro. Segundo o registro de Procópio, isto, além do surto duma doença entre o exército, forçou Belisário a se retirar. Procópio alega ainda que isto foi feito deliberadamente para que os árabes não tivessem que compartilhar a pilhagem deles. Em sua História Secreta, contudo, Procópio dá um registro diferente da inação de Belisário, completamente alheia ao governante gassânida.[13][22][23] Em ca. 544/545, Aretas esteve envolvido em conflito armado com outro filarco árabe, Asuades (Alasuade).[24]
De ca. 546 em diante, enquanto os dois grandes império estavam em paz na Mesopotâmia após a trégua de 545, o conflito entre seus aliados árabes continuou. Num raide repentino, Alamúndaro capturou um dos filhos de Aretas e sacrificou-o. Depois, porém, os lacmidas sofreram uma pesada derrota numa batalha campal entre os dois exércitos árabes.[25][26][27] O conflito continuou, com Alamúndaro realizando repetidos raides na Síria. Num destes raides, em junho de 554, Aretas encontrou-o na decisiva Batalha do Dia de Halima (Yawm Halima), celebrado na poesia árabe pré-islâmica, próximo de Cálcis, na qual os lacmidas foram derrotados. Alamúndaro caiu no campo de batalha, mas Aretas também perdeu seu filho mais velho Gabalas.[28][29]
Em novembro de 563, Aretas visitou Justiniano em Constantinopla, para discutir sua sucessão e os raides contra seus domínios pelo governante lacmida Ambros III (Amir III ibne Almondir), que foi subornado por Justiniano.[30][31][32] Ele certamente deixou uma impressão vívida na capital imperial, não apenas por sua presença física: João do Éfeso registra que anos depois, o imperador Justino II (r. 565–578), que havia enlouquecido, estava assustado e foi esconder-se quando foi dito a ele, "Aretas está vindo para você".[33] Quando Aretas morreu em 569, possivelmente durante um terremoto,[34] foi sucedido por seu filho Alamúndaro III (Almondir III). Tomando vantagem disso, o novo rei lacmida Caboses lançou um ataque, mas foi decisivamente derrotado.[30][35]
Políticas religiosas
editarEm contraste com seus senhores bizantinos, Aretas foi um firme monofisista e rejeitou o Concílio da Calcedônia. ao longo de seu governo, Aretas apoiou as tendências anti-calcedônias na região da Síria, presidindo concílios e engajando-se na teologia, contribuindo ativamente para a revitalização da igreja monofisista durante o século VI.[36] Assim, em 542, após duas décadas de perseguições que tinha decapitado a liderança monofisista, ele apelou para a nomeação de novos bispos monofisistas na Síria para a imperatriz Teodora, cujos próprios ensinamentos monofisistas foram bem conhecidos. Teodora então apontou Jacó Baradeu e Teodoro como bispos. Jacó, em particular, provaria-se um líder muito competente, convertendo pagãos e expandindo e fortalecendo a organização da igreja monofisista.[4][30][37]
Referências
- ↑ Shahîd 1995, p. 260, 294–297.
- ↑ Shahîd 1995, p. 216–217.
- ↑ a b Greatrex 2002, p. 102-103.
- ↑ a b c d e Kazhdan 1991, p. 163.
- ↑ Martindale 1992, p. 111.
- ↑ Shahîd 1995, p. 69.
- ↑ a b Martindale 1992, p. 111-112.
- ↑ a b Shahîd 1995, p. 84–85, 95–109.
- ↑ Greatrex 2002, p. 88.
- ↑ Shahîd 1995, p. 63.
- ↑ Shahîd 1995, p. 357.
- ↑ Shahîd 1995, p. 70-75.
- ↑ a b c d Martindale 1992, p. 112.
- ↑ Shahîd 1995, p. 82-89.
- ↑ Shahîd 1995, p. 132-133.
- ↑ Greatrex 2002, p. 92-93.
- ↑ Shahîd 1995, p. 133-142.
- ↑ Shahîd 1995, p. 142.
- ↑ Martindale 1992, p. 1161.
- ↑ Greatrex 2002, p. 102.
- ↑ Shahîd 1995, p. 209-210.
- ↑ Greatrex 2002, p. 108-109.
- ↑ Shahîd 1995, p. 220–223, 226–230.
- ↑ Martindale 1992, p. 112, 137.
- ↑ Martindale 1992, p. 112–113.
- ↑ Greatrex 2002, p. 123.
- ↑ Shahîd 1995, p. 237–239.
- ↑ Martindale 1992, p. 111; 113.
- ↑ Greatrex 2002, p. 129-130.
- ↑ a b c Martindale 1992, p. 113.
- ↑ Greatrex 2002, p. 135.
- ↑ Shahîd 1995, p. 282-288.
- ↑ Shahîd 1995, p. 288.
- ↑ Shahîd 1995, p. 337.
- ↑ Greatrex 2002, p. 136.
- ↑ Shahîd 1995, p. 225-226.
- ↑ Greatrex 2002, p. 129-112.
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em inglês cujo título é «Al-Harith ibn Jabalah», especificamente desta versão.
Bibliografia
editar- Greatrex, Geoffrey; Lieu, Samuel N. C. (2002). The Roman Eastern Frontier and the Persian Wars (Part II, 363–630 AD). Londres: Routledge. ISBN 0-415-14687-9
- Kazhdan, Alexander Petrovich (1991). The Oxford Dictionary of Byzantium. Nova Iorque e Oxford: Oxford University Press. ISBN 0-19-504652-8
- Martindale, John R.; Jones, Arnold Hugh Martin; Morris, John (1992). The Prosopography of the Later Roman Empire - Volume III, AD 527–641. Cambridge e Nova Iorque: Cambridge University Press. ISBN 0-521-20160-8
- Shahîd, Irfan (1995). Byzantium and the Arabs in the Sixth Century. Washington: Dumbarton Oaks. ISBN 978-0-88402-214-5