Inelegibilidade de Jair Bolsonaro
Entre os dias 22 e 30 de junho de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil julgou uma ação judicial para determinar a cassação da chapa Bolsonaro–Braga Netto, acusada de abuso do poder político e de uso indevido dos meios de comunicação, após uma reunião com embaixadores estrangeiros, em 18 de julho de 2022, transmitida pela TV Brasil, na qual o então presidente Jair Bolsonaro atacou o sistema eleitoral. A ação foi apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 19 de agosto de 2022. Bolsonaro foi declarado inelegível até 2030 por 5 votos a 2 em 30 de junho.[1] Em 31 de outubro de 2023, o ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Netto também tornou-se inelegível, por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência.[2][3]
Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra a chapa Bolsonaro-Braga Netto | |
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![]() Bolsonaro durante encontro com embaixadores | |
Acusado | Jair Bolsonaro e Walter Braga Netto |
Proponentes | Partido Democrático Trabalhista |
Período | 19 de agosto de 2022 a 30 de junho de 2023 |
Situação | Condenação de Jair Bolsonaro e absolvição de Walter Braga Netto Consequência: inelegibilidade de Bolsonaro até 2 de outubro de 2030. |
Acusações | Abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação |
Votações | |
Votação no plenário do Tribunal Superior Eleitoral | |
Placar | 5 votos favoráveis à condenação: Benedito Gonçalves (relator), Floriano Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes 2 votos contrários à condenação: Raul Araújo, Nunes Marques |
Resultado | Procedência parcial |
Antecedentes
editarCandidatura à reeleição
editarA campanha presidencial de Jair Bolsonaro em 2022 foi oficializada em 24 de julho de 2022 no Rio de Janeiro. O vice na chapa foi Walter Braga Netto como candidato da federação.[4][5] No dia 2 de outubro, votação do primeiro turno, seu oponente Lula foi o primeiro colocado, com 48,43% do eleitorado. Bolsonaro se classificou para o segundo turno recebendo 43,20% dos votos.[6] No dia 30 de outubro, votação do segundo turno, Bolsonaro foi derrotado por Lula, obtendo 49,10% enquanto o rival obteve 50,90%.[7] Bolsonaro se tornou o primeiro presidente a não conseguir se reeleger desde a instituição da reeleição em 1997 e Lula foi o primeiro presidente a ser eleito pelo voto direto três vezes.[8]
Reunião com embaixadores
editarJair Bolsonaro, mesmo antes de sua eleição à presidência da República, tornou-se um crítico contumaz das urnas eletrônicas brasileiras. Em 2015, quando era deputado federal, foi autor de um projeto de emenda constitucional, aprovado pela Câmara dos Deputados, que previa o voto impresso no país.[9] Posteriormente, essa emenda foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal e não chegou a ser implementada nas eleições de 2018, segundo o entendimento de que isto poderia gerar um risco de quebra de sigilo e da liberdade de escolha, pela possibilidade de mesários precisarem intervir em caso de falha da impressão.[10] No contexto das eleições presidenciais de 2022, Bolsonaro e seus correligionários adotaram a tática de questionar as urnas eletrônicas, de forma a questionar a legitimidade das eleições, caso fosse derrotado.[11]
Em 18 de julho de 2022, durante uma reunião com embaixadores, Jair Bolsonaro disseminou teorias da conspiração sobre as urnas eletrônicas e reaproveitou afirmações mentirosas, ditas nos anos anteriores e previamente contestadas pelos órgãos eleitorais.[12] Entre as assertivas desmentidas pela imprensa e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro afirmou que um hacker teve acesso ao sistema do TSE e que poderia manipular as urnas eletrônicas; que o TSE não colaborou com a investigação da Polícia Federal; que uma auditoria, contratada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) em 2014, concluíra que as urnas eletrônicas são "inauditáveis"; que observadores internacionais não poderiam garantir a legitimidade do pleito; que a retotalização dos votos seria feita por uma empresa terceirizada; que o TSE não acatou sugestões das Forças Armadas; que a urna eletrônica completaria o voto com o número "3", assim que o eleitor apertasse o número "1", para que o voto "13" fosse computado para o candidato de oposição. Além disso, teceu ataques aos ministros do STF, afirmou que Fachin foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e que Barroso deu palestra intitulada "Como se livrar de um presidente", afirmações também desmentidas. Também tentou deslegitimar o TSE, disse sobre a corte: "é mais que um queijo suíço, é uma peneira".[13][14][15] Segundo o The New York Times, a reunião elevou a preocupação internacional com um possível golpe de Estado no Brasil, visto que Bolsonaro sugeriu que a solução para os problemas apontados seria intensificar o envolvimento dos militares no processo eleitoral.[14][16] A reunião foi transmitida pela emissora pública TV Brasil e por perfis do presidente nas redes sociais.[1] O jornal americano comparou a tática de Bolsonaro à postura de Donald Trump nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 2020, ao tentar deslegitimar a votação antes que ocorresse.[14]
Ações judiciais
editarEm junho de 2023, dezesseis ações judiciais reivindicavam a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Os processos correm no TSE sob a relatoria de Benedito Gonçalves e tratam de abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação.[17] O primeiro processo a ser deferido foi a ação do PDT, que apresentou seis ações desse tipo, que acusou Jair Bolsonaro e o Braga Netto de terem cometido crime eleitoral durante a reunião com embaixadores em 2022.[18][19] Outras ações, protocoladas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido dos Trabalhadores (PT) e pela candidata à presidência Soraya Thronicke (UNIÃO), acusam Bolsonaro de abuso do poder político, por fazer campanha eleitoral durante os desfiles do bicentenário da Independência, e de abuso do poder econômico, por utilizar imagens do desfile na propaganda eleitoral.[17]
Ação apresentada pelo PDT
editarApós a reunião com os embaixadores, em 19 de agosto de 2022, o PDT pediu ao TSE a cassação da chapa Bolsonaro–Braga Netto e a exclusão de vídeos dessa reunião, veiculados nas redes sociais.[20] Através de liminar, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral determinou a remoção dos vídeos, ainda em agosto.[21]
No dia 22 de junho de 2023, teve início o julgamento.[22] Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral e relator do caso, fez a leitura do relatório relacionado ao caso. Em seguida, o advogado do PDT, Walber Agra, apresentou os argumentos da acusação, e, após isso, o advogado de defesa dos acusados, Tarcísio Vieira, teve a oportunidade de se manifestar. O julgamento foi interrompido após a exposição do parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE).[23] No dia 27, Benedito Gonçalves votou pela condenação. Após seu voto, o TSE interrompeu a sessão, que retornaria dois dias depois.[24]
O julgamento retornou no dia 29 com o voto de Raul Araújo, que foi contra. Alguns dos ministros chegaram a interrompê-lo para contestar suas citações. O próximo a votar foi Floriano Marques; e o último, André Ramos Tavares, ambos a favor. Após isso, a sessão foi suspensa.[25] Retornou no dia 30 com os votos a favor de Carmen Lúcia e Alexandre de Moraes e contra de Nunes Marques. Com votação de 5 a 2, decidiu-se pela ilegibilidade pelo prazo de oito anos, a contar da data de realização das eleições de 2022.[26]
Processo no TCU
editarApós o julgamento da ação apresentada pelo PDT, o TSE expediu uma representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar os gastos envolvidos na reunião com os embaixadores e investigar possíveis danos ao erário. Caso as contas de Bolsonaro sejam reprovadas, é possível que ele se enquadre na Lei da Ficha Limpa e sua inelegibilidade seja prorrogada até o ano de 2031, o que inviabilizaria sua participação nas eleições gerais de 2030. Além disso, é possível que Bolsonaro seja multado e obrigado a ressarcir os custos.[27][28][29]
Repercussão
editarA decisão foi noticiada internacionalmente nos principais jornais do mundo,[30][31] incluindo The New York Times,[32] Diário de Notícias,[33] BBC,[34] El País[35] e Deutsche Welle.[36]
Após a decisão, o ex-presidente afirmou que levou "uma facada nas costas", em referência ao atentado nas eleições presidenciais em 2018, quando Bolsonaro foi esfaqueado na região do abdômen.[37]
Projeto de anistia pelo Congresso Nacional
editarMesmo antes da sentença do TSE, Jair Bolsonaro e seus aliados buscavam estratégias para reverter a decisão. Primeiramente, o deputado federal Ubiratan Sanderson (PL) protocolou um projeto de lei que visa anistiar condenados por crimes políticos desde 2016, o que incluiria, além de Jair Bolsonaro, Deltan Dallagnol, cassado pela Lei da Ficha Limpa meses após tomar posse como deputado federal.[38][39] Para que a anistia fosse aprovada, o projeto deve ser aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, além de ser sancionado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o principal rival político de Jair Bolsonaro.[40]
Referências
- ↑ a b Mendes, Lucas; Cury, Teo. «Por 5 a 2, TSE torna Jair Bolsonaro inelegível por oito anos». CNN Brasil. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «TSE declara inelegíveis Bolsonaro e Braga Netto por abuso de poder no Bicentenário da Independência — Tribunal Superior Eleitoral». tse.jus.br. Consultado em 10 de fevereiro de 2024
- ↑ «Bolsonaro inelegível pela segunda vez: veja os próximos passos dos processos contra o ex-presidente». G1. 1 de novembro de 2023. Consultado em 10 de fevereiro de 2024
- ↑ «Com 204 votos de convencionais, PL aclama Jair Bolsonaro candidato à presidência em 2022». Valor. Consultado em 24 de julho de 2022
- ↑ «TSE absolve Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro». G1. 30 de junho de 2023. Consultado em 5 de julho de 2023
- ↑ «Resultado da eleição para presidente no 1º turno». UOL Notícias. Consultado em 30 de outubro de 2022
- ↑ «Resultados para presidente». TSE. Consultado em 30 de outubro de 2022. Cópia arquivada em 2 de novembro de 2022
- ↑ «Bolsonaro é o primeiro presidente do Brasil a não conseguir se reeleger». Uol. 30 de outubro de 2022. Consultado em 31 de outubro de 2022
- ↑ «Câmara aprova amarra ao TSE e exigência de impressão do voto - 16/06/2015 - Poder». Folha de S.Paulo. 30 de junho de 2023. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ G1, ed. (6 de junho de 2018). «Por 8 a 2, STF derruba voto impresso nas eleições de 2018». Consultado em 14 de agosto de 2018
- ↑ «Bolsonaro usa TV pública para mentir sobre urnas a 76 dias da eleição». UOL. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «Bolsonaro reciclou mentiras e distorceu fatos em fala a embaixadores; veja checagem». Folha de S.Paulo. 19 de julho de 2022. Consultado em 30 de junho de 2023
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- ↑ a b c Spigariol, André; Nicas, Jack (19 de julho de 2022). «Bolsonaro Gathers Foreign Diplomats to Cast Doubt on Brazil's Elections». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «Em reunião com embaixadores, Bolsonaro ataca Barroso, Fachin e Moraes». VEJA. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ Nicas, Jack (12 de junho de 2022). «Bolsonaro's New Ally in Questioning Brazil's Elections: The Military». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ a b null. «Além da ação do PDT, Bolsonaro responde a outros 15 processos no TSE». Gazeta do Povo. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «PDT coleciona vitórias contra Bolsonaro na Justiça e é central em julgamento no TSE». Folha de S.Paulo. 23 de junho de 2023. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «TSE finaliza 1º dia de julgamento de Bolsonaro com resumo de ação e apelo da defesa». Folha de S.Paulo. 22 de junho de 2023. Consultado em 30 de junho de 2023
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- ↑ «Placar está 3 a 1 pela inelegibilidade; sessão será retomada na sexta-feira». Congresso em Foco. 29 de junho de 2023. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «TSE interrompe julgamento em 1 X 0 contra Bolsonaro. Continua na quinta-feira». Congresso em Foco. 27 de junho de 2023. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «TSE retoma amanhã com 3x1 por Bolsonaro inelegível; maioria absolve vice». UOL Notícias. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «Por maioria de votos, TSE declara Bolsonaro inelegível por 8 anos». Tribunal Superior Eleitoral. 30 de junho de 2023. Consultado em 30 de junho de 2023
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- ↑ «Bolsonaro pode pegar mais anos de inelegibilidade? TCU avalia condenação ex-presidente no TSE». Exame. 3 de julho de 2023. Consultado em 4 de julho de 2023
- ↑ «Bolsonaro inelegível: o que a imprensa internacional está dizendo». VEJA. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «Bolsonaro inelegível: 'Baque considerável na extrema direita'; 'fim das esperanças do populista', veja repercussão internacional». G1. 30 de junho de 2023. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ Nicas, Jack (30 de junho de 2023). «Brazil Bars Bolsonaro From Office for Election-Fraud Claims». The New York Times (em inglês). Consultado em 2 de julho de 2023
- ↑ «É oficial. Tribunal declara Bolsonaro inelegível até 2030». DN. 30 de junho de 2023. Consultado em 2 de julho de 2023
- ↑ «Eight-year election ban for Brazil's Jair Bolsonaro». BBC News (em inglês). 30 de junho de 2023. Consultado em 2 de julho de 2023
- ↑ Gortázar, Naiara Galarraga (30 de junho de 2023). «Los jueces cortan en seco la carrera política de Bolsonaro con una inhabilitación de ocho años». El País (em espanhol). Consultado em 2 de julho de 2023
- ↑ «Brazil: Judges vote to bar Bolsonaro from office for 8 years». DW (em inglês). 30 de junho de 2023. Consultado em 2 de julho de 2023
- ↑ Toledo, Marina. «"Hoje levei uma facada nas costas", diz Bolsonaro após ficar inelegível pelo TSE». CNN Brasil. Consultado em 30 de junho de 2023
- ↑ «Deputados apresentam "PL da anistia" para assegurar Bolsonaro elegível». Metrópoles. Consultado em 4 de julho de 2023
- ↑ Magalhães, Leandro. «Oposição protocola projeto que anistia políticos; medida pode beneficiar Bolsonaro». CNN Brasil. Consultado em 4 de julho de 2023
- ↑ «Aliados protocolam projeto para tentar anistiar Bolsonaro após ele ser condenado à inelegibilidade pelo TSE». G1. 30 de junho de 2023. Consultado em 4 de julho de 2023