Conquista bizantina da Bulgária

A partir de 970 até 1018, uma série de conflitos entre o Império Búlgaro e o Império Bizantino levaram à gradual conquista bizantina da Bulgária. Os bizantinos re-estabeleceram seu controle sobre toda a península dos Bálcãs pela primeira vez desde as invasões eslavas do século VII. O conflito começou com a incorporação da Bulgária oriental depois da guerra rus'-bizantina de 970-971. A resistência búlgara foi liderada pelos irmãos cometópulos, que estavam baseadas nas regiões ocidentais ainda livres do Império Búlgaro, até 1018, ano da conquista total bizantina.[1][2][3]

Conquista bizantina da Bulgária
Guerras bizantino-búlgaras
Data 9681018
Local Primeiro Império Búlgaro e Império Bizantino
Desfecho Vitória bizantina e dissolução do Primeiro Império Búlgaro.
Mudanças territoriais Bizantinos passam a controlar o território búlgaro e a maior parte da península dos Balcãs; Reino da Hungria se expande para a Transilvânia e Banato; Pechenegues se assentam na Moldávia e na Valáquia.
Beligerantes
Primeiro Império Búlgaro Primeiro Império Búlgaro
Rússia de Quieve Rússia de Quieve(970-971)
Pechenegues
Império Bizantino
Rússia de Quieve Rússia de Quieve(968-969)
Reino da Hungria
Principado de Dóclea
Reino da Croácia (medieval) Reino da Croácia
Comandantes
Primeiro Império Búlgaro Samuel da Bulgária
Primeiro Império Búlgaro Romano da Bulgária
Primeiro Império Búlgaro Gabriel Radomir
Primeiro Império Búlgaro João Vladislau
Cracra de Pernik
Primeiro Império Búlgaro Ibatzes
Império Bizantino João I Tzimisces
Império Bizantino Basílio II Bulgaróctono
Império Bizantino Nicéforo Urano
Império Bizantino Teofilato Botaniates
Império Bizantino Nicéforo Xífias
Império Bizantino Constantino Diógenes

Conforme as relações bizantino-búlgaras se deterioravam na década de 960, o Império Bizantino subornou o príncipe de Quieve Esvetoslau para que ele invadisse a Bulgária. O inesperado colapso das forças búlgaras e as ambições de Esvetoslau a respeito de Constantinopla pegaram os bizantinos de surpresa, mas eles conseguiram repelir os exércitos de Quieve e ocuparam a região oriental da Bulgária, incluindo a capital, Preslava, em 971. O imperador Bóris II foi capturado e levado a Constantinopla, onde ele abdicou. O imperador bizantino João I Tzimisces anunciou em seguida a anexação da Bulgária, mesmo estando somente a região oriental da Bulgária firmemente sob seu controle. Os quatro irmãos (David, Moisés, Aarão e Samuel), da dinastia dos cometópulos, passaram a governar o búlgaros a partir do território não conquistado na região ocidental e, em 976, eles lançaram uma grande ofensiva contra os bizantinos para recuperar o território perdido. O caçula dos quatro, Samuel, assumiu o controle após a morte de seus irmãos mais velhos.

Samuel se mostrou um general habilidoso, infligindo uma grande derrota ao exército bizantino comandado por Basílio II Bulgaróctono na Batalha da Porta de Trajano e conseguiu retomar o noroeste da Bulgária. Suas campanhas vitoriosas expandiram as fronteiras búlgaras até a Tessália e o Epiro, conquistando, em 998, o Principado de Dóclea. Em 997, Samuel foi proclamado imperador da Bulgária após a morte do governante legítimo, Romano.

Ao final do milênio, a maré virou para campo bizantino. Sob Basílio II, um general habilidoso e experiente soldado, os bizantinos recuperaram a iniciativa e, a partir de 1001, começaram a tomar diversos importantes territórios e cidades. Os búlgaros foram incapazes de frear as campanhas anuais bizantinas que devastavam a zona rural. Em 1014, os bizantinos venceram a decisiva Batalha de Clídio e Samuel morreu logo em seguida. O tsar Samuel foi seguido pelos curtos reinados de seu filho Gabriel Radomir e de seu sobrinho João Vladislau. Após a morte deste, em 1018, não havia mais nenhum herdeiro legítimo ao trono búlgaro e, como o Império Bizantino havia oferecido termos muito favoráveis à nobreza búlgara, a maior parte resolveu se render. Todos os lordes locais que se renderam foram transferidos ou para Constantinopla ou para a Anatólia, e a maioria deles foi posteriormente assimilada pela sociedade bizantina.[4] A Bulgária perdeu sua independência e permaneceu sob controle bizantino por mais de um século e meio, até 1185.[5] A região ocidental foi transformada em uma das muitas províncias bizantinas governadas por um estratego.[6] Com o colapso do primeiro estado búlgaro, a Igreja da Bulgária ficou sob o controle do clero grego, que tomou o controle da sé de Ácrida e tentou substituir a liturgia búlgaro-eslava pela grega.[7]

Contexto editar

 Ver artigo principal: Invasão da Bulgária por Esvetoslau

Durante o reinado do imperador búlgaro Pedro I (927-969), os magiares, que haviam sido temporariamente detidos por seu pai, Simeão I, começaram a atacar o território búlgaro a partir de 934[8] e os esforços de Pedro para lidar com eles produziram poucos efeitos. Em diversas ocasiões, os magiares alcançaram Trácia bizantina e a saquearam, o que resultou em acusações dos bizantinos de que os búlgaros teriam deixado que isso acontecesse de propósito. As relações entre os dois impérios rapidamente se deterioraram. Sem meios de conter a ameaça magiar, Pedro I teve que entrar num acordo com eles em 965 no qual os búlgaros lhes dariam um salvo conduto para que atravessassem o território búlgaro em direção ao Império Bizantino e recusariam qualquer pedido de ajuda do imperador em Constantinopla.[8] Os bizantinos responderam na primavera do ano seguinte ao se recusarem a pagar o tributo anual devido à Bulgária. Seu imperador, Nicéforo II Focas (r. 963–969), que havia conquistado recentemente importantes vitórias sobre os abássidas no oriente,[9] insultou os embaixadores búlgaros e iniciou uma campanha militar. Porém, ao chegar na fronteira com a Bulgária, decidiu que "não iria levar suas tropas até aquela perigosa região e nem daria-lhes búlgaros para matar como se fossem gado".[10] Logo após esta demonstração de força, Focas tentou re-estabelecer a paz na condição de os búlgaros cancelarem o acordo com os magiares, o que Pedro I não somente recusou como lembrou ao imperador bizantino que, quando a Bulgária precisou de ajuda contra os magiares, os bizantinos nada fizeram e que agora ele havia sido forçado a firmar a paz com os magiares, sendo, portanto, uma estupidez se ele desfizesse o tratado.[10]

Nesta situação, Nicéforo II Focas se voltou para os recursos da tradicional diplomacia bizantina e decidiu pagar o príncipe de Quieve Esvetoslau para que ele invadisse a Bulgária. O nobre Calóciro, que recebeu a missão de firmar o acordo, conseguiu convencer os rus' e, na primavera de 968, os exércitos do príncipe invadiram a Dobruja.[10] Esvetoslau derrotou o exército búlgaro na Batalha de Silistra e tomou mais de 80 fortalezas, o que preocupou os bizantinos que, rapidamente, ofereceram a paz a Pedro I. Esvetoslau, por sua vez, teve que interromper sua campanha e voltou para a sua capital, Quieve, que estava cercada pelos pechenegues. Em 969, ele retornou para a Bulgária, mas, logo depois, Pedro I sofreu um ataque epilético e foi forçado a abdicar (ele morreria em 30 de janeiro de 970 como um monge).[11] Ele foi sucedido por seu filho primogênito, Bóris II, que nada podia fazer a não ser cooperar com Esvetoslau, cuja atenção agora fora distraída por Calóciro para Constantinopla. O novo imperador bizantino, João I Tzimisces (r. 969–976), conseguiu uma vitória decisiva sobre os rus' e seus aliados búlgaros na Batalha de Arcadiópolis e, em 5 de abril de 971, capturou a capital búlgara, Preslava, onde Bóris II foi capturado e levado para Constantinopla. O imperador búlgaro foi forçado a abdicar e entregou as insígnias imperiais - a coroa dourada e as botas vermelhas - para que fossem colocadas na catedral de Santa Sofia. Em troca, ele recebeu o título de magistro.[12] Seu irmão, Romano foi castrado, pois os bizantinos precisavam se assegurar que a dinastia de Crum seria extinta.[13]

Para João Tzimisces foi um grande triunfo. O sonho bizantino de três séculos de eliminar o estado búlgaro e restaurar as fronteiras imperiais no Danúbio (a Fronteira da Mésia) parecia ter se realizado. A anexação da Bulgária foi proclamada oficialmente e o coração político do país na região nordeste, a capital Preslava, a antiga capital de Plisca e a sede do Patriarcado da Bulgária, Drastar (Silistra), foram ocupadas.

Ascensão dos irmãos cometópulos editar

 
Províncias do Império Bizantino logo após a conquista da Bulgária (1025).
 Ver artigo principal: Cometópulos

Enquanto as regiões orientais do vencido Império Búlgaro foram conquistadas e transformadas em províncias bizantinas,[14] o território a oeste do rio Iskar permaneceu sob controle búlgaro e incluía a maior parte da Macedônia, Albânia e as terras ao sul do Danúbio entre o rio Kolubara (incluindo Srem) para oeste e as montanhas à volta de Etropole e Ihtiman a leste.[15] A região era governada por quatro irmãos: David, Moisés, Aarão e Samuel, filhos do governador (conde) de Sérdica (Sófia), Nicolau.[16] Informações sobre o período entre 971 e 976 nas fontes primárias, contudo, são muito escassas.[17]

Basílio II editar

Em 986, após assegurar sua própria posição em Bizâncio, o imperador Basílio II Bulgaróctono reuniu um exército de 30 000 homens, marchou para a cidade de Sérdica e a cercou. Depois de algum tempo, o imperador começou a se preocupar com a oscilante lealdade de sua nobreza, levantou o cerco e marchou de volta para a Trácia bizantina, mas foi emboscado e derrotado na Batalha da Porta de Trajano. Basílio aprendeu com o erro e sua próxima invasão seria conduzida de maneira bem diferente.

No ano 1000, Basílio já havia conseguido pacificar seus nobres, havia derrotado a ameaça islâmica no oriente e se sentiu confiante para iniciar uma nova ofensiva na Bulgária. Desta vez, ao invés de marchar diretamente para o coração do estado inimigo, ele foi anexando territórios gradativamente. Eventualmente, depois de tomar um terço das terras búlgaras, os búlgaros arriscaram tudo numa batalha em 1014. A Batalha de Clídio foi um desastre para os búlgaros e o exército bizantino capturou 15 000 prisioneiros e, num ato que se tornou muito famoso, Basílio ordenou que 99 em cada grupo de 100 fosse cegado e que o centésimo fosse deixado com apenas um olho para que pudesse liderar o grupo para casa. A resistência búlgara sofreu um duro golpe e finalmente, em 1018, se rendeu.

Logo que a oposição foi vencida, Basílio mostrou grande habilidade ao lidar com os búlgaros. Ele sabiamente aceitou que os tributos fossem pagos em espécie e não em moeda corrente, uma vez que não havia uma economia monetária estabelecida na Bulgária. Muitos da elite búlgara foram incorporados na sociedade bizantina e receberam posições civis e militares no governo bizantino. O melhor exemplo desta integração é o imperador bizantino João II Comneno, que é um descendente direto do tsar João Vladislau da Bulgária.

Referências

  1. Byzantium's Balkan frontier: a political study of the Northern Balkans, 900-1204, Author Paul Stephenson, Publisher Cambridge University Press, 2000, ISBN 0-521-77017-3, pp. 58-66.
  2. A short history of the Middle Ages, G - Reference, Barbara H. Rosenwein, University of Toronto Press, 2009 ISBN 1442601043, p. 143.
  3. A history of Byzantium, Timothy E. Gregory, John Wiley & Sons, 2011, ISBN 1444359975, p. 322.
  4. Southeastern Europe in the Middle Ages, 500-1250, Florin Curta, Cambridge University Press, 2006, ISBN 0521815398, pp. 246-247.
  5. East Central Europe in the Middle Ages, 1000-1500, Jean W. Sedlar, University of Washington Press, 1994, ISBN 0295972904, p. 364.
  6. History of the Byzantine Empire, 324-1453, Aleksandr Aleksandrovich Vasilʹev, Univ. of Wisconsin Press, 1958, ISBN 0299809250,p. 320.
  7. Britannica: The first Bulgarian empire.
  8. a b Andreev, p. 110
  9. Threadgold, pp. 499-501
  10. a b c Andreev, p. 111
  11. Andreev, p. 112
  12. Andreev, p. 117
  13. Andreev, p. 119
  14. Stoimenov, pp. 40, 46-47, 49-53
  15. Zlatarski, p. 603
  16. Andreev, p. 121
  17. Há apenas uma nota de que, em 973, os búlgaros teriam enviado embaixadores ao imperador do Sacro Império Romano Germânico Otão I; veja Delev e demais, History and civilization for 11th grade, Chapter 12 Decline of the First Bulgarian Empire

Bibliografia editar