Fernando Coutinho

Bispo de Lamego e do Algarve, opositor da conversão forçada
 Nota: Se procura o Marechal de Portugal e capitão do donatário na Graciosa, veja Fernando Coutinho (marechal).

D. Fernando Coutinho (Montemor-o-Velho, cerca de 1465[1]Ferragudo, 16 de Maio de 1538)[2] foi um prelado católico português, que se opôs à conversão forçada ao catolicismo dos judeus portugueses, decretada por D. Manuel I.[3]

Fernando Coutinho
Bispo de Lamego e do Algarve
Fernando Coutinho
Gravura representando a Sé de Silves, onde D. Fernando Coutinho está sepultado
Nascimento 1465
  Montemor-o-Velho, Reino de Portugal
Morte 16 de maio de 1538 (73 anos)
  Ferragudo, Reino de Portugal
Sepultado em Sé de Silves
Pai João da Silva, 4.º senhor de Vagos
Mãe D. Branca Coutinho, filha dos senhores de Basto
Título(s)
Ocupação Bispo, Escritor
Filha(s) D. Isabel da Silva, casada com Rui Pereira da Silva, alcaide-mor de Silves
Religião Católica

Foi bispo de Lamego de 1493 até 1502 e depois bispo de Silves e do Algarve, de 1502 até falecer, em 1538.[3][4][5]

Biografia

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Em 1488, um documento papal refere-o como estudante na Universidade de Pisa onde se doutorou em leis civis e leis canónicas.[1]

Carreira religiosa e política

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Sendo prior da igreja do Salvador da vila de Montemor-o-Velho, veio para Dom Prior da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, de Guimarães, pelos anos de 1488, reinando el-rei D. João II de Portugal.[6]

A seguir foi nomeado regedor das justiças[7] na Casa da Suplicação[1], depois feito bispo de Lamego, em 1492.[8]

Fez parte da embaixada que este rei enviou a Roma, em 1493, para negociar com o papa Alexandre VI soluções para as contendas existentes entre as coroas ibéricas e que levaram à assinatura do Tratado de Tordesilhas em 1494. [1][9]

Depois foi bispo do Algarve (1502-1538), e escritor e intelectual de relevo.

A sua nobre acção [3] teria dado origem ao topónimo Aldeia do Bispo (hoje, Vila do Bispo). Essa é uma afirmação comum, mas que parece ser desmentida por vários documentos régios que confirmam a existência da Aldeia do Bispo desde pelo menos 1329[10][11][12][13][14]

Uma possibilidade para explicar o que efetivamente se passou é a seguinte: o bispo D. Fernando Coutinho recebeu de D. Manuel I, por ocasião de uma visita do soberano ao Algarve, a doação da Aldeia de Santa Maria do Cabo (em troca de uma tapada de caça, na região, que era propriedade de D. Fernando Coutinho), e depois integrou-a no perímetro da Aldeia do Bispo.[1]

Essa a razão pela qual o 2.º conde de São Lourenço, jure uxoris, Martim Afonso de Melo - por ser casado com D. Madalena da Silva, condessa de São Lourenço por direito próprio e trineta do bispo D. Fernando Coutinho - pôde solicitar ao rei D. Afondo VI o senhorio de Aldeia do Bispo, que lhe foi concedido, mas com a condição de que a mesma fosse elevada a Vila com autonomia própria, pelo que passou a chamar-se Vila do Bispo.[15]

Mais tarde, D. Fernando Coutinho daria origem à freguesia de Sagres, desanexando-a daquela aldeia, actual Vila do Bispo, no ano de 1519.[1]

Oposição à conversão forçada dos judeus portugueses em 1496

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Como defensor da tolerância religiosa, e na sua qualidade de bispo de Lamego e membro do conselho régio, opôs-se corajosamente em 1496 à conversão forçada de judeus e árabes. Escreveu que tanto ele como outros magistrados de sua confiança costumavam absolver os culpados por cripto-judaísmo e cripto-muçulmanismo, não considerando válido o baptismo, para conversão deles em cristãos novos, que tinham recebido contra vontade.[16]

Num texto que escreveu em latim, descreveu as terríveis cenas de conversão forçada que testemunhara, nos seguintes termos:

"Testemunhei com os meus próprios olhos como os judeus eram arrastados pelos cabelos até às fontes baptismais; como um pai, com a cabeça coberta [por um xaile de oração] em sinal da sua intensa dor e com o coração partido, foi até à fonte baptismal acompanhado do seu filho, protestando e invocando Deus como testemunha de que desejavam morrer de acordo com a Lei de Moisés."[3]

D. Fernando Coutinho escreveu também que a medida de conversão forçada dos judeus portugueses, decidida por D. Manuel I, não teve o apoio unânime do conselho régio.[3]

Falecimento

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Sepultura, com epitáfio e brasão, de D. Fernando Coutinho, na Sé de Silves

Faleceu no Algarve, em Ferragudo, a 16 de Maio de 1538, estando sepultado na Sé de Silves.

A sua sepultura encontra-se na capela mor da sua Sé, no chão, da parte do evangelho, e sobre a lápide está um epitáfio, assim transcrito por Anselmo Braamcamp Freire, no dia 21 de Outubro de 1897:

A q u i jaz dom f e r nã d o C o v t i n h o f° de joam da Silva e de dona branca Coutinho bpº que foi neste bspado dos alguarves falleceu a xbj de maio faleceo em ferragudo era M xxxviij [2][17][18]

Mandou construir o convento e o primeiro farol que existiu no Cabo de São Vicente, Sagres, assim como algumas casas de habitação, no mesmo lugar, onde por vezes residia.

Usou um brasão com as armas das famílias Silva, Coutinho e Cunha, que se encontra também na sua sepultura.[18]

Dados familiares e pessoais

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Era filho de João da Silva, 4º senhor de Vagos e de sua mulher Branca Coutinho, filha de Fernão Coutinho e de sua mulher Maria da Cunha, 3.ª senhora de Basto[19].

Em 1504 teve uma aventura de amor, com Isabel Vilarinho Caldeira, da qual resultou grande escândalo, que o forçaria a renunciar à regedoria das justiças. Dessa relação amorosa nasceu D. Isabel da Silva, que mais tarde casou com o seu primo como sobrinho, Rui Pereira da Silva, alcaide-mor de Silves (neto do 5.º senhor de Vagos, que era irmão do bispo D. Fernando), com descendência.[5]

Por volta do ano de 1519, D. Fernando Coutinho criou o morgadio de Santo António dos Casais de Monchique. O objetivo da instituição desse vínculo era garantir o casamento da sua filha, D. Isabel da Silva, e os bens vinculados serviram assim de dote para o acima referido enlaçe matrimonial de D. Isabel com o alcaide mor de Silves.[1]

Segundo o autor Jacinto Peres, D. Fernando teria sido um libertino;[20] pois, apesar de ser Bispo, teria deixado vários filhos de várias mulheres, 6 pelo menos.[21] A sua licenciosidade foi revelada a D. Manuel I por Duarte Morais, um moço de câmara de origem algarvia. D. Manuel, cioso da sua imagem de soberano casto e zelador da moral da sua corte, forçou D. Fernando Coutinho a renunciar à regedoria das justiças, que o Bispo delegou assim em seu irmão, Aires da Silva[5]

Não restam porém dúvidas sobre a grande dedicação do bispo D. Fernando a sua filha Isabel, pois a seu favor constituiu não apenas o acima referido morgadio em Monchique, como também para ela comprou (a Henrique Moniz) a alcaidaria-mor de Silves, que entraria no dote do seu casamento com Rui Pereira da Silva, passando assim este a exercer o cargo hereditário de alcaide-mor da cidade.[5]

Notas

  1. a b c d e f g Silva, José Gonçalo Nobre Duarte da (2012). A Igreja Matriz de Monchique. Dissertação de Mestrado em História da Arte. Algarve, Portugal: Universidade do Algarve. pp. 33–36. Consultado em 24 de setembro de 2024 
  2. a b Boletim da Direcção dos Monumentos Nacionais, n.º 107 de 1962.
  3. a b c d e Soyer, François (15 de outubro de 2007). The Persecution of the Jews and Muslims of Portugal: King Manuel I and the End of Religious Tolerance (1496-7) (em inglês). Leiden. Boston: BRILL. pp. 213–214. Consultado em 23 de setembro de 2024 
  4. «Bishop Fernando Coutinho [Catholic-Hierarchy]». www.catholic-hierarchy.org. Consultado em 23 de setembro de 2024. 20 Mar 1493.Appointed. Bishop of Lamego, Portugal. 24 Jan 1502.Appointed. Bishop of Silves (Sylves), (...) Died. Bishop of Silves (Sylves), Portugal 
  5. a b c d Freire, Anselmo Braamcamp (1927). Brasões da Sala de Sintra. Livro Segundo. Coimbra: Imprensa da Universidade. pp. 57–59, 64, 153–154. Consultado em 23 de setembro de 2024 
  6. Esteve ausente da mesma durante três anos, ou por causa da peste, que grassara em Guimarães desde 1489 a 1492, ou porque D. João II o ocupara em Lisboa em seu serviço. Foi a este D. Prior, e ao cabido, que el-rei em 1492, a 21 de Julho, confirmara o privilégio de capelães del-rei. - Colegiada da Nossa Senhora da Oliveira, Guimarães - Apontamentos para a sua História, por Padre António José Ferreira Caldas, 2.ª Edição, Guimarães, CMG/SMS, 1996, parte II, pp. 276/294, Casa de Sarmento
  7. Historia geral de Portugal e suas conquistas, Volume 8 ou XXX (e-Livro Google), por Damião António de Lemos Faria e Castro, na Typografia Rollandiana, 1787, pág. 15
  8. Colegiada da Nossa Senhora da Oliveira, Guimarães - Apontamentos para a sua História, por Padre António José Ferreira Caldas, 2.ª Edição, Guimarães, CMG/SMS, 1996, parte II, pp. 276/294, Casa de Sarmento
  9. Academia das Ciências de Lisboa (1941). «Museu do Índio - Acervo Bibliográfico - DocReader Web. Bibliografia Geral Portuguesa. Volume II. Século XV.». docvirt.com. Lisboa: Imprensa Nacional. 829 páginas. LIV-LIX. Consultado em 23 de setembro de 2024 
  10. Silva Marques in “Descobrimentos Portugueses” página 320 - Instituto para a Alta Cultura - Lisboa 1944
  11. "A liderança de Silves na região do Algarve nos séculos XIV e XV" - Iria,Alberto - C. M. Silves, 1995.
  12. "A Vila e a Fortaleza de Sagres nos séculos XV a XVIII" - Jordão de Freitas, 1938 ,Instituto para a Alta Cultura- Coimbra 1935
  13. Carta de D. Manuel datada de 1.03.1501 onde o lavrador Pero Vaz morador na Aldeia do Bispo, no termo de Lagos, é perdoado pelo rei, das acusações contra ele feitas de ser descrente em Deus - ANTT Chancelaria de D. Manuel I , Liv. 45 fl. 20V, http://digitarq.arquivos.pt/details?id=3880859
  14. Velhinho, João (2003). Repensar a História de Vila do Bispo. Loulé: Associação de defesa do Património de Vila do Bispo 
  15. «Município de Vila do Bispo. História». Câmara Municipal de Vila do Bispo. Consultado em 25 de setembro de 2024 
  16. A fundação da Inquisição em Portugal: um novo olhar, por Giuseppe Marcocci, Lusitania Sacra. 23 (Janeiro-Junho de 2011) pág.s 24
  17. Anselmo Braamcamp Freire, Brasões da Sala de Sintra, Livro Segundo, p. 58, onde está a transcrição do epitáfio do Bispo de Silves
  18. a b «Monumentos. Catedral de Silves / Sé de Silves IPA.00001293 Portugal, Faro, Silves». www.monumentos.gov.pt (em inglês). 2006. Consultado em 23 de setembro de 2024. Descrição heráldica: escudo de tipo italiano esquartelado: no I: leão rompante volvido (Silva); no II: cinco estrelas de seis pontas dispostas em cruz (Coutinho); no III: nove cunhas entre escudetes, três em chefe, e dois na ponta (Cunha); no IV: seis rosas (? Brasão: escudo: 85,5x64,5; mitra: 22x21. Tipo de letra: gótica minúscula de forma e algumas iniciais capitulares carolino-góticas. Leitura modernizada: Aqui Jaz Dom Fernando Coutinho filho de João da silva E de Dona Branca Coutinho Bispo que foi neste Reino do Algarve faleceu a xbj de Maio faleceu Em Ferragudo Era M bc xxxbºiijº (=1538) 
  19. Nobiliário das Famílias de Portugal, Felgueiras Gayo, Carvalhos de Basto, 2.ª Edição, Braga, 1989, vol. IX, pg. 388 (Silvas)
  20. Peres, Jacinto (1882). Revista Occidente - «Bom Bispo e boas ovelhas». [S.l.]: Hemeroteca de Lisboa- nº 105 de 21 novembro de 1881, página 262 http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ocidente/1881/N105/N105_master/N105.pdf 
  21. GOUVEIA, Jaime Ricardo T. (2011). Uma Casa: Múltiplos Espaços, Múltiplos Poderes - O PATRIMÓNIO CULTURAL DOS COUTINHOS NO PERÍODO MODERNO. [S.l.]: PDF on line pág.203. pp. https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/36596/1/Uma%20casa%2C%20múltiplos%20espaços%2C%20multiplos%20poderes.pdf 

Bibliografia

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