Julio César Strassera

advogado e jurista argentino

Julio César Strassera (Comodoro Rivadavia, 18 de setembro de 1933 - Buenos Aires, 27 de fevereiro de 2015) foi um advogado e jurista argentino.[1] Atuou como promotor durante o Julgamento das Juntas referente aos militares que atuaram na Ditadura militar argentina.[2][3]

Julio César Strassera
Nome completo Julio César Strassera
Nascimento 18 de setembro de 1933
Comodoro Rivadavia, Argentina
Morte 27 de fevereiro de 2015 (81 anos)
Buenos Aires, Argentina
Nacionalidade argentino
Cônjuge Silvia Strassera
Filho(a)(s) 2
Alma mater Universidade de Buenos Aires
Ocupação advogado, jurista

Biografia editar

Primeiros anos e formação acadêmica editar

Strassera nasceu em Comodoro Rivadavia no ano de 1933.[4] Mudou-se para Buenos Aires, capital da Argentina para dedicar-se aos estudos de Direito na Universidade de Buenos Aires (UBA), onde obteve seu juris doctor no ano de 1963.[5] Foi nomeado Secretário de um Tribunal Federal de Buenos Aires logo após o golpe de março de 1976, e mais tarde foi nomeado Procurador Federal.[5][6]

Papel durante a Guerra Suja editar

 Ver artigo principal: Guerra Suja na Argentina

Sua gestão como Procurador Federal coincidiu com o auge da Guerra Suja na Argentina, regime adotado em meio a ditadura militar argentina, caracterizado por violência indiscriminada, e um grande número de Habeas Corpus foram solicitados em seu gabinete durante esse período, muitos de amigos e familiares de presos políticos.[7] Strassera, no entanto, recusou-se a aceitar a maioria deles.

Alguns dos casos mais notáveis incluem o do ex-governador de Santa Cruz, Jorge Cepernic, que havia sido preso após o golpe, e cuja propriedade havia sido confiscada sem o devido processo legal e de Lidia Papaleo, sócia majoritária da fabricante de papel jornal Papel Prensa foi supostamente apreendido sob coação após a morte de seu marido, o financista David Graiver.[8][9]

Julgamento das Juntas editar

 Ver artigo principal: Julgamento das Juntas

Strassera foi nomeado promotor após a eleição do presidente Raúl Alfonsín em 1983. Após a decisão do presidente em 4 de outubro de 1984 de julgar os principais membros da ditadura militar por um tribunal civil de apelações, Strassera recebeu o cargo de Conselheiro-Chefe para a Acusação do Ministro da Justiça, Carlos Alconada Aramburú.[10]

Strassera nomeou como Promotor Adjunto Luis Moreno Ocampo, que na época atuava como advogado no departamento do Procurador-Geral. Os dois haviam servido em cargos do Ministério da Justiça durante a ditadura e agora ambos iriam processar crimes contra a humanidade cometidos por seus líderes.[11] Ambos também foram os únicos dos muitos promotores contatados que aceitaram os cargos desafiadores.[12]

A dificuldade de reunir evidências e depoimentos de testemunhas relutantes para este julgamento – o primeiro processo desse tipo desde os Julgamentos de Nuremberg e o primeiro conduzido em um tribunal civil – foi agravada pela pressão de muitos dos envolvidos nos abusos e seus aliados.[13] O escritório de Strassera foi contatado em diversas ocasiões pelo ex-ministro do Interior durante a ditadura, general Albano Harguindeguy.[12] Durante o próprio julgamento, 29 ameaças de bomba foram recebidas em escolas de Buenos Aires e várias foram detonadas em instalações importantes do governo.[14][15]

As audiências começaram oficialmente em 22 de abril de 1985, quando Strassera apresentou 709 casos ao tribunal presidente. No final, 280 casos foram ouvidos e 833 testemunhas depuseram, incluindo o ex-presidente general Alejandro Lanusse e o escritor Jorge Luis Borges.[16] O número de réus, no entanto, foi reduzido para os nove principais membros da junta no poder de 1976 a 1982.[17] Excluídos estavam os cerca de 600 oficiais acusados na época de abusos em tribunais de todo o país.[14]

O último dia de depoimento ocorreu em 14 de agosto de 1985. Strassera apresentou acusações contra os nove réus - incluindo três ex-presidentes - em 11 de setembro. Ele argumentou que as sentenças para cada réu seriam ditadas pelo papel comprovado de cada junta militar nos casos ouvido pelo tribunal. O tribunal, no entanto, decidiu que a sentença deveria ser determinada pelo papel de cada ramo das Forças Armadas Argentinas em cada caso, diminuindo assim as sentenças para os comandantes da Força Aérea em julgamento.[17]

Strassera apresentou argumentos finais em 18 de setembro, dizendo:[18]

Carreira posterior editar

A sentença penalizou os ex-presidentes Jorge Rafael Videla e Emilio Eduardo Massera à prisão perpétua, de três outros militares, sentenças mais leves e a absolvição de quatro outros por insuficiência de provas - o foi uma decepção para a maioria dos promotores dos julgamentos.[19] A promulgação de 1986/87 da Lei Ponto Final e da Lei de Obediência Devida efetivamente interrompeu a maioria dos processos remanescentes, e os condenados foram finalmente perdoados em 1989 e 1990 pelo presidente Carlos Menem.[20][21]

Em reconhecimento aos seus feitos na promotoria quanto os militares, Strassera representou a Argentina na Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (CNUDH) e organizações internacionais relacionadas.[22] Após as indulgências de Menem, ele renunciou a seus cargos no governo e ingressou na Assembleia Permanente de Direitos Humanos, uma das principais organizações não governamentais de direitos humanos da Argentina.[23] No entanto, por conta de posições posições políticas, o notável promotor e jurista permaneceria uma figura controversa na Argentina.[9]

Strassera defendeu o prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra, durante seu julgamento de impeachment em 2005 contra acusações de negligência como principal magistrado da cidade durante o incêndio mortal na boate República Cromañón.[24][25]

Mais tarde, tornou-se oponente do Kirchnerismo, apesar das inúmeras mudanças decretadas pelo presidente Néstor Kirchner que permitiram que os julgamentos dos perpetradores da Guerra Suja, até então imunes, prosseguissem.[26][27] Durante as iniciativas, Strassera se opôs ao pedido de extradição contra a ex-presidente Isabel Perón (cuja autorização do Operativo Independência em 1975 provavelmente deu início à Guerra Suja), e insinuou que os Kirchner promoveram julgamentos contra oficiais indiciados por conveniência política.[28][29] Em um dos embates de Strassera com os Kirchner, afirmou que "nunca fizeram nada pelos direitos humanos na Argentina" e, em vez disso, "se dedicaram a ganhar dinheiro".[30][31]

Morte editar

Strassera deu entrada na Clínica San Camilo em Caballito, Buenos Aires, em 16 de fevereiro de 2015, com quadro de hiperglicemia, e morreu dez dias depois aos 81 anos.[32][33]

A então Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, decretou dois de luto oficial no país, devido a atuação de Strassera no julgamento das juntas.[34]

Na cultura popular editar

Em 2022, foi interpretado pelo ator Ricardo Darín no longa-metragem Argentina, 1985, que foi indicado ao Oscar 2023 na categoria de melhor filme internacional.[35][36]

Referências

  1. Caroline Bauer (2011). «Um estudo comparativo da prática do desaparecimento nas ditaduras civil-militares argentina e brasileira e a instituição de políticas de memória na democracia» (PDF). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Consultado em 31 de janeiro de 2023 
  2. Molina, Federico Rivas (31 de março de 2019). «Na Argentina, falar da ditadura e dos militares que a conduziram é motivo de desonra». El País Brasil. Consultado em 31 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 31 de janeiro de 2023 
  3. Aline Cristina Silva dos Santos (10 de dezembro de 2020). «"Cuidado, meu bem, há perigo na esquina": uma análise sobre anistia, justiça de transição e memória frente ao autoritarismo no Brasil» (PDF). Universidade Federal da Paraíba. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  4. «El vínculo de Julio Strassera con Comodoro Rivadavia - El Extremo Sur». El Extremo Sur (em espanhol). 4 de outubro de 2022. Consultado em 31 de janeiro de 2023. Cópia arquivada em 31 de janeiro de 2023 
  5. a b Prieto, Martin (20 de abril de 1985). «Un fiscal irreductible». Madrid. El País (em espanhol). ISSN 1134-6582. Consultado em 31 de janeiro de 2023 
  6. «Buenos Aires | History, Climate, Population, Map, Meaning, & Facts». Encyclopædia Britannica (em inglês). Consultado em 31 de janeiro de 2023 
  7. «Histórico da Ditadura Civil-Militar Argentina – Memória e Resistência». Universidade de São Paulo. Consultado em 1 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 15 de agosto de 2022 
  8. «Por Cristina Kirchner: Cepernic, Strassera, el proceso y el juicio a las juntas militares». Faro Noticias diario digital de San Clemente Tuyú, Partido de la Costa y zona atlántica (em espanhol). 3 de novembro de 2022. Consultado em 1 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 14 de novembro de 2022 
  9. a b D'Alesio, Rosa (11 de outubro de 2022). «Historia. Argentina, 1985: ¿quién fue Julio César Strassera?». La Izquierda Diario - Red internacional (em espanhol). Consultado em 1 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 13 de novembro de 2022 
  10. Marino, Patrizio (25 de outubro de 2022). «Argentina, 1985: la storia vera che ha ispirato il film». CinemaSerieTV.it (em italiano). Consultado em 3 de fevereiro de 2023 
  11. Vaz, Sérgio. «Argentina, 1985 – + de 50 Anos de Filmes». + de 50 anos de filmes. Consultado em 3 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 3 de fevereiro de 2023 
  12. a b «Los jueces, en aquella sala». Página/12 (em espanhol). 9 de dezembro de 2015. Consultado em 3 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 8 de setembro de 2006 
  13. ARENDT, Hannah (2006). Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. [S.l.]: Companhia das Letras 
  14. a b Chavez, Lydia (10 de dezembro de 1985). «ARGENTINE COURT FINDS FIVE GUILTY FOR JUNTA ROLES». The New York Times (em inglês). ISSN 0362-4331. Consultado em 3 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 24 de maio de 2015 
  15. Speck, Paula K. (1987). «The Trial of the Argentine Junta: Responsibilities and Realities». The University of Miami Inter-American Law Review (3): 491–534. ISSN 0884-1756. Consultado em 3 de fevereiro de 2023 
  16. França, Marcílio (9 de novembro de 2022). «Literatura e sala de audiência: Borges nos porões da ditadura argentina». Consultor Jurídico. Consultado em 3 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 10 de novembro de 2022 
  17. a b «Officials convicted in Argentina's 'dirty war' trial – DW – 11/30/2017». Deutsche Welle (em inglês). 30 de novembro de 2017. Consultado em 3 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 2 de fevereiro de 2023 
  18. Caldas, Álvaro (11 de novembro de 2022). «Chegou a hora de repetir o grito de Nunca Mais». Entre realidade e ficção. Consultado em 3 de fevereiro de 2023 
  19. Centenera, Federico Rivas Molina (19 de julho de 2018). «O túmulo dos ditadores que ninguém quer recordar». El País Brasil. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 31 de agosto de 2023 
  20. «Argentina se despede do ex-presidente Carlos Menem». Estado de Minas. 15 de fevereiro de 2021. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 24 de fevereiro de 2022 
  21. «Morre Carlos Menem, ex-presidente da Argentina, aos 90 anos». Brasil de Fato. 14 de fevereiro de 2021. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 14 de fevereiro de 2023 
  22. Marta Fernández y Patallo (2011). «"Os julga um tribunal, os condenamos todos" : a administração judicial dos crimes acontecidos durante a última ditadura militar na argentina pela Justicia Federal em Rosario» (PDF). Universidade Federal Fluminense. Consultado em 4 de fevereiro de 2023 
  23. Zanotti, Marcelo (2 de dezembro de 2022). «Argentina, 1985 e as encruzilhadas brasileiras». Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 2 de dezembro de 2022 
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  26. «BBCBrasil.com | Notícias | Desaparece 2ª testemunha da 'Guerra Suja'». BBC Brasil. 29 de dezembro de 2006. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 4 de fevereiro de 2023 
  27. Goldman, Francisco (26 de junho de 2012). «Filhos da guerra suja». revista piauí. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 26 de fevereiro de 2019 
  28. «El histórico alegato de Julio César Strassera en el juicio a las juntas militares: "Señores jueces, nunca más"». La Nacion (em espanhol). 27 de fevereiro de 2015. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 27 de dezembro de 2022 
  29. «Aníbal F. criticó a Meijide y atacó al ex fiscal Strassera». Clarín (em espanhol). 4 de setembro de 2010. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 16 de fevereiro de 2021 
  30. «Equipo Nizkor - Strassera acusó a los K de usar los juicios por DDHH.». Derechos. 31 de dezembro de 2018. Consultado em 5 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 30 de novembro de 2022 
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  32. «Morre Julio César Strassera, promotor do julgamento que condenou chefes da ditadura argentina». O Globo. 27 de fevereiro de 2015. Consultado em 3 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 30 de janeiro de 2023 
  33. «Julio Cesar Strassera, who won convictions against Argentine dictators, dies at 81». Associated Press (em inglês). 25 de maio de 2015. Consultado em 3 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 3 de fevereiro de 2023 
  34. «Cristina decretó dos días de duelo nacional por la muerte de Strassera». Télam (em espanhol). 27 de fevereiro de 2015. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 20 de abril de 2020 
  35. «Oscar: com 'Argentina, 1985', país goleia o Brasil por 8x4 em indicações a melhor filme internacional». O Globo. 24 de janeiro de 2023. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 24 de janeiro de 2023 
  36. Guerini, Elaine. «Candidato argentino ao Oscar, 'Argentina, 1985' traz Ricardo Darín enfrentando ditadura». Valor Econômico. Consultado em 4 de fevereiro de 2023. Cópia arquivada em 4 de fevereiro de 2023