Carlos Marighella
Ana kastro/Testes
Nascimento 5 de dezembro de 1911
Salvador, Brasil
Morte 4 de novembro de 1969 (57 anos)
São Paulo, Brasil
Nacionalidade brasileira
Ocupação político, guerrilheiro, poeta, professor

Carlos Marighella (Salvador, 5 de dezembro de 1911São Paulo, 4 de novembro de 1969) foi um político, escritor e guerrilheiro comunista marxista-leninista brasileiro.[1]

Um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura militar brasileira (1964–1985), Marighella chegou a ser considerado o inimigo "número um" do regime. Foi cofundador da Ação Libertadora Nacional, organização de caráter revolucionário.[2][3][4]

Biografia editar

 
Marighella

Carlos Marighella foi um dos sete filhos de uma família pobre do Salvador. Seu pai era o imigrante italiano Augusto Marighella, operário metalúrgico, mecânico e ex-motorista de caminhão de lixo. Sua mãe era a baiana e ex-empregada doméstica Maria Rita do Nascimento, negra e filha livre de escravos africanos trazidos do Sudão (negros hauçás). Nasceu na capital da Bahia em 5 de dezembro de 1911, residindo na Rua do Desterro 9, Baixa do Sapateiro, onde concluiu o seu curso primário e o secundário.[5][6]

Augusto Marighella veio ao Brasil fazer companhia à sua mãe, que saíra da Itália para São Paulo depois de tornar-se viúva. Tendo sua mãe casado de novo, Augusto mudou-se para Salvador aos vinte dois anos de idade, no dia 4 de novembro de 1907. Procurava trabalho como metalúrgico, mas se empregou como motorista e mecânico de caminhão de lixo. Conheceu Maria Rita em 1908, ainda como empregada doméstica, trabalhava para uma família francesa aos vinte anos de idade. Os pais de Carlos mudaram-se para uma casa na Rua da Fonte das Pedras, perto do dique do Tororó, onde sua mãe lhe dera à luz na madrugada de uma terça feira e, tempos mais tarde, à irmã de Carlos Marighella, Anita Marighella. Mudaram-se para Barão do Desterro cerca de três anos mais tarde, onde Augusto adquiriu uma Oficina Mecânica ao lado da nova casa e Carlos Marighella passaria toda a infância.[5]

Em 1934 abandonou o curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Bahia para ingressar no PCB.[7][6] Tornou-se então, militante profissional do partido e se mudou para o Rio de Janeiro, trabalhando na reorganização do PCB.[8]

Conheceu a prisão pela primeira vez em 1932, após escrever um poema contendo críticas ao interventor Juracy Magalhães. Libertado, prosseguiria na militância política, interrompendo os estudos universitários no terceiro ano, em 1934, quando deslocou-se para o Rio de Janeiro.[6]

Em 1º de maio de 1936, durante a ditadura na Era Vargas, foi preso por subversão e torturado pela polícia subordinada a Filinto Müller. Permaneceu encarcerado por um ano. Foi solto pela “macedada” (nome da medida que libertou os presos políticos sem condenação), e ao sair da prisão entrou para a clandestinidade, sendo recapturado em 1939. Novamente foi torturado e ficou na prisão até 1945, quando foi beneficiado com a anistia do processo de redemocratização do país.[6]

Elegeu-se deputado federal constituinte pelo PCB baiano em 1946[6]. Nesse período teve um breve relacionamento com Elza Sento Sé, operária da Light, com quem teve um filho, Carlos Augusto Marighella, nascido a 22 de maio de 1948 no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano Marighella voltou a perder o mandato, em virtude da nova proscrição do partido. Voltou para a clandestinidade e ocupou diversos cargos na direção partidária. Convidado pelo Comitê Central, passou os anos de 1953 e 1954 na China, a fim de conhecer de perto a recente Revolução Chinesa. Em maio de 1964, após o golpe militar, foi baleado e preso por agentes do DOPS dentro de um cinema, no Rio. Libertado em 1965 por decisão judicial, no ano seguinte optou pela luta armada contra a ditadura, escrevendo A Crise Brasileira. Em dezembro de 1966, renunciou à Comissão Executiva Nacional do PCB. Em agosto de 1967, participou da I Conferência da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), realizada em Havana, Cuba, a despeito da orientação contrária do PCB. Aproveitando a estada em Havana, redigiu Algumas questões sobre a guerrilha no Brasil, dedicado à memória do guerrilheiro Che Guevara e tornado público pelo Jornal do Brasil em 5 de setembro de 1968. Foi expulso do partido em 1967 e em fevereiro de 1968 fundou o grupo armado Ação Libertadora Nacional. Em setembro de 1969, a ALN participou do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, em uma ação conjunta com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).[9]

Com o recrudescimento do regime militar, os órgãos de repressão concentraram esforços em sua captura. Na noite de 4 de novembro de 1969, Marighella foi surpreendido por uma emboscada na alameda Casa Branca, na capital paulista. Ele foi morto a tiros por agentes do DOPS, em uma ação coordenada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. A ALN continuou em atividade até o ano de 1974. O sucessor de Marighella no comando da ALN foi Joaquim Câmara Ferreira, que também foi morto por Fleury no ano seguinte. Os militantes mais atuantes em São Paulo eram Yuri Xavier Ferreira, Ana Maria Nacinovic Correa, Marco Antonio Valmont e Gian Mercer que continuaram fazendo panfletagem contra a ditadura até meados de 1972, quando também foram mortos numa emboscada no bairro da Mooca, ao saírem do restaurante Varela. Dezoito de seus militantes foram mortos e cinco foram considerados desaparecidos. O último líder da ALN foi Carlos Eugênio Sarmento da Paz, que sobreviveu auto exilando-se na França, voltando ao Brasil após a anistia.

Morte editar

A conexão de Marighella com os frades Dominicanos no bairro Perdizes em São Paulo era conhecida por agentes norte-americanos desde dezembro de 1968, informada pelo frei Edson Braga de Souza.[10]

Em uma emboscada[11] preparada contra Marighella, foram detidos Tito e seus amigos de convento (exceto Frei Oswaldo). Frei Fernando foi obrigado a combinar um encontro com Marighella. Eles tinham um código que auxiliou na emboscada: "Aqui é o Ernesto, vou à gráfica hoje". O encontro foi marcado na Alameda Casa Branca, uma rua próxima ao centro da cidade de São Paulo.

No dia do encontro, havia uma caminhonete com policiais e um automóvel, com supostos namorados (onde Fleury disfarçou-se), além do fusca com Fernando e Ivo.

Ao chegar na Alameda, às 20h00, dirigiu-se ao Fusca e entrou na parte traseira. Frei Ives e Fernando saíram rapidamente do carro e se jogaram no chão. Percebendo a emboscada, imediatamente reagiu à prisão e foi morto. Marighella seguiu as normas de seu manual. Portava um revólver e levava duas cápsulas de cianureto.

Além de Marighella, outras três pessoas foram atingidas durante o tiroteio:

  • Estela Borges Morato, investigadora do DOPS, morta.<ref>[http://pt-br.heroisbrasil.wikia.com/wiki/Investigadora_Estela_Borges_Morato Estela Borges Morato]</ref>
  • Friederich Adolf Rohmann, protético que passava pelo local, morto.
  • Rubens Tucunduva, delegado envolvido na emboscada, ficou ferido gravemente.[3]
 
Pedra instalada na Alameda Casa Branca em homenagem a Marighella, morto nas imediações. A placa frontal foi arrancada

Anistia póstuma editar

Em 1996, o Ministério da Justiça reconheceu a responsabilidade do Estado pela sua morte; em 7 de março de 2008 foi decidido que sua companheira Clara Charf deveria receber pensão vitalícia do governo brasileiro[12] apesar de a família de Marighella não ter solicitado reparação econômica, apenas o reconhecimento da perseguição ao militante.[13]

Em 2012, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, oficializou a anistia post mortem de Marighella.[14]

Em novembro de 2013, a Comissão da Verdade realizou ato em homenagem ao aniversário de 44 anos da morte de Marighella. O tributo foi na alameda Casa Branca e contou com a presença da viúva do guerrilheiro, Clara Charf. Ela considerou o tributo importante para conscientizar as pessoas do que houve naquela rua, onde seu marido fora assassinado.[15]

Escritos editar

Poesias editar

Marighella escrevia poesias e, aos 21 anos, durante as aulas de engenharia divertia professores e colegas fazendo provas em verso. Da mesma forma, compôs em versos ataques ao interventor baiano Juracy Magalhães, fato que lhe valeu sua primeira prisão, seguida de tortura, em 1932. Ainda na prisão, desta feita em 1939,[nota 1] ele compôs o poema "Liberdade"[16]

"(...)E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.".[17]

Sua obra poética está reunida no livro Rondó da Liberdade.

Minimanual do Guerrilheiro Urbano editar

Uma das mais divulgadas obras de Marighella, o Minimanual do Guerrilheiro Urbano foi escrito em junho de 1969, para servir de orientação aos movimentos revolucionários.[18] Circulou em versões mimeografadas e fotocopiadas, algumas diferentes entre si, sem que se possa apontar qual é a original. Nesta obra, detalhou táticas de guerrilha urbana a serem empregadas nas lutas contra governos ditatoriais.

A crise brasileira editar

Trabalho teórico no qual analisa a conjuntura nacional a partir da estrutura de classes do Brasil e critica o PCB por resguardar-se de qualquer atividade consequente, acomodado na ideia de um processo eleitoral limpo, e, ao mesmo tempo, refratário ao divórcio da chamada "burguesia".

Outros escritos políticos editar

Alguns escritos políticos de Marighella, embora redigidos por ele em português, ganharam primeiro uma edição em outra língua, devido à censura imposta a obras do gênero pelo regime militar brasileiro. É o caso de Pela Libertação do Brasil, que, em 1970, ganhou uma versão na França financiada por grupos marxistas.

Estão disponíveis em português: Alguns Aspectos da Renda da Terra no Brasil (1958), Algumas Questões Sobre as Guerrilhas no Brasil (1967) e Chamamento ao Povo Brasileiro (1968).

Filmografia editar

Na música editar

Notas

  1. Preso no Presídio Especial de São Paulo, Marighella foi torturado pela polícia de Filinto Müller: teve os pés queimados com maçarico, estiletes enfiados sob as unhas e dentes arrancados, mas permaneceu calado e ria "na cara dos torturadores". Esse comportamento provocou o comentário do delegado: "só existe um macho no Partido Comunista: é esse baiano Marighella".[16]

Referências

  1. Marighella, Carlos (1 de Dezembro de 1966). «Carta à Comissão Executiva do Partido Comunista Brasileiro». Carlos Marighella - O Homem por trás do mito. Editora UNESP, 1999, Pág:536-546. Marxists.org. Consultado em 17 de fevereiro de 2019 
  2. Alzira Alves de Abreu. «Ação Libertadora Nacional (ALN)». CPDOC - FGV, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Consultado em 27 de agosto de 2018 
  3. a b GASPARI, Elio - A Ditadura Escancarada, p. 193 e 194.
  4. Folha de S.Paulo. «Biografia documenta vida de Marighella, 'inimigo número um' da ditadura militar». 27/10/2012. Consultado em 19 de dezembro de 2012 
  5. a b Magalhães, Mário (25/10/2012). «Menino preso ao pé da mesa». Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo. [S.l.]: Companhia das Letras  Verifique data em: |ano= (ajuda);
  6. a b c d e Balacci, Luccas. «Quem foi Carlos Marighella, personagem central do primeiro filme dirigido por Wagner Moura». Metro Jornal. Consultado em 20 de fevereiro de 2019 
  7. «"Um retrato afetivo de marighella"». O Raça Brasil. Consultado em 28 de fevereiro de 2014 
  8. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República "Acervo - mortos e desaparecidos políticos"
  9. BETTO, Frei. Batismo de Sangue : Guerrilha e Morte de Carlos Marighella . 14ª ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro, Rocco, 2006. 447 p. ISBN 85-325-2061-8
  10. Gaspari, Elio (15 de julho de 2015). «O baú dos americanos». Jornal O Globo. Consultado em 4 de junho de 2015 
  11. Revista VEJA. «Estratégia para matar o terror». 12 de novembro de 1969 
  12. Companheira de Carlos Marighella recebe indenização do governo
  13. Agência Brasil. «Governo oficializa anistia política de Carlos Marighella». 09/11/2012. Consultado em 18 de dezembro de 2012 
  14. Imprensa Nacional. «Diário Oficial da União». 08/11/2012. Consultado em 19 de dezembro de 2012 
  15. Imprensa Nacional. «Matéria da Folha de SP». 04/11/2013. Consultado em 13 de junho de 2014 
  16. a b Frei Betto, em Batismo de Sangue - Os dominicanos e a morte de Carlos Marighella, pgs. 5, 18 e 19. Editora Bertrand Brasil S.A. Rio de Janeiro (1987):
  17. BETTO, Frei. Batismo de sangue, pg. 18-19. Editora Bertrand, Rio de Janeiro (1987) "Os dominicanos e a morte de Carlos Marighella"
  18. Marighella, Carlos (Junho de 1969). «Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano». Arquivo Marxista na Internet. Consultado em 28 de janeiro de 2018 
  19. Marighella, acesso em 20 de julho de 2016.
  20. Marighella, retrato falado do guerrilheiro, acesso em 20 de julho de 2016.
  21. Marighella - Retrato Falado do Guerrilheiro, acesso em 20 de julho de 2016.
  22. Batismo de Sangue, acesso em 20 de julho de 2016.
  23. REDAÇÃO MTV. «Assista a Marighella, o novo clipe do Racionais MC's». 20/07/2012 

Bibliografia editar

  • BETTO, Frei. Batismo de Sangue: Guerrilha e Morte de Carlos Marighella. 14ª ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
  • JOSÉ, Emiliano. Carlos Marighella - O Inimigo Número Um Da Ditadura Militar. São Paulo: Editora Casa Amarela, 264 p.
  • MAGALHÃES, Mário. Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo.1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
  • NÓVOA, Cristiane; NÓVOA, Jorge. Carlos Marighela: o homem por trás do mito. São Paulo: Editora UNESP, 1999. 560 p.
  • REZENDE, Claudinei Cássio de. Suicídio Revolucionário: a luta armada e a herança da quimérica revolução em etapas. São Paulo: editora Unesp (Cultura Acadêmica), 2010.
  • TEIXEIRA, Edson. Carlos: a face oculta de Marighela. Vassouras: 1991. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Severino Sombra.

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