Gleichschaltung

A palavra alemã Gleichschaltung (em português: "alinhamento", "coordenação", "sincronização", "uniformização"; pronúncia em alemão: [ˈɡlaɪçʃaltʊŋ] (Sobre este somescutar?·info)), na acepção dada pelo Partido Nazista, designava o processo de se estabelecer um sistema de uniformização, a fim de instaurar, com sucesso, o controle totalitário sobre todos os aspectos da sociedade, "desde a economia e as associações comerciais até mídia, a cultura e a educação".[1] O objetivo do Gleichschaltung era reorganizar todas as áreas da política, sociedade e cultura de acordo com as ideias nacional-socialistas. Isso resultou na incorporação de muitas organizações existentes nas associações nazistas.

Embora os estados alemães tradicionais não tenham sido formalmente abolidos (excluindo Mecklenburg-Strelitz em 1934 e Lübeck em 1937), seus direitos constitucionais e soberania foram erodidos e finalmente acabaram. A Prússia já estava sob administração federal quando Hitler chegou ao poder, servindo de modelo para o processo.
O sistema Gau do Partido Nazista substituiu efetivamente a estrutura federal do país.

Embora a Constituição de Weimar tenha permanecido nominalmente em vigor até a rendição da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, a nazificação quase total foi assegurada pelas resoluções de 1935 aprovadas durante os comícios de Nuremberg, quando os símbolos do Partido Nazista e do Estado foram fundidos (ver Bandeira da Alemanha) e os judeus-alemães foram privados de sua cidadania (ver Leis de Nuremberg).

EtimologiaEditar

O termo tem sido traduzido como "nazificação do Estado e da Sociedade",[2] sincronização,[3] alinhamento,[2] e coordenação,[4] mas geralmente, nos textos escritos em outras línguas, a palavra é mantida na forma original alemã para transmitir o seu significado histórico único.

Base legalEditar

Os nazistas conseguiram efetivar a Gleichschaltung devido às medidas legais tomadas pelo governo durante os 20 meses seguintes a 30 de janeiro de 1933, quando Adolf Hitler se tornou chanceler da Alemanha.[5]

Segundo Cassirer:

"Um dos principais objetivos e uma das condições fundamentais do Estado totalitário é o princípio da Gleichschaltung [tornar o mesmo; uniformizar]. Para subsistir, ele tem de eliminar todas as outras formas de vida social e cultural e obliterar todas as distinções".
 
Militantes do SA durante um comício nazista em Berlim, 1933.

O filósofo não define o totalitarismo como Gleichschaltung (na acepção de coordenação forçada ou uniformização) mas toma esse procedimento como indispensável para o sucesso do plano totalitário nazista. O processo de uniformização é justamente o apagar das distinções e das identidades formadas pelo processo de desenvolvimento cultural.[6] Em seu trabalho seminal sobre o vernáculo nacional-socialista, Nazi-Deutsch/Nazi-German: An English Lexicon of the Language of the Third Reich,[7] os historiadores Robert Michael e Karin Doerr definem Gleichschaltung como: "Consolidação. Todas as organizações sociais, políticas e culturais do Volk alemão devem ser controladas e dirigidas de acordo com a política e a ideologia nazista. Toda oposição deve ser eliminada."[8]

 
Um policial (à esquerda) e um membro do SA (à direita), um dos 50 mil nazistas colocados na Prússia pelo Partido como um "Hilfspolizei" ("Polícia Auxiliar"), 5 de março de 1933.

Para exercer um controle total, o governo deveria tornar-se a única influência sobre a sociedade; qualquer outra deveria ser eliminada. Assim, o período de 1933 até 1937 caracterizou-se pela supressão sistemática de organizações não nazistas e potencialmente capazes de influir sobre as pessoas, a exemplo de igrejas, sindicatos e partidos políticos. Organizações que o governo não pôde eliminar passaram ao seu controle direto (como as escolas) ou estiveram sob alguma forma de ataque governamental (como as igrejas).

Um dia após o incêndio do Reichstag em 27 de fevereiro de 1933, o presidente da Alemanha, Paul von Hindenburg, agindo a pedido de Hitler e com base nos poderes de emergência do artigo 48 da Constituição de Weimar, emitiu o Decreto de Incêndio do Reichstag. Este decreto suspendeu a maioria dos direitos dos cidadãos previstos na constituição e, assim, permitiu a prisão de adversários políticos, principalmente comunistas, e o terror de outros eleitores pelo Batalhão de Assalto (Sturmabteilung, SA), braço paramilitar nazista, antes das próximas eleições.[9]

Nesta atmosfera, a eleição geral do Reichstag ocorreu em 5 de março de 1933.[10] Os nazistas esperavam obter uma maioria absoluta e afastar seus parceiros de coalizão, o Partido Popular Nacional Alemão. No entanto, os nazistas obtiveram apenas 43,9% dos votos, bem aquém da maioria.[11] No entanto, embora o partido não tenha recebido votos suficientes para emendar a constituição federal, o descontentamento com a tentativa de democracia do governo de Weimar era palpável e a violência se seguiu. Unidades do SA invadiram o quartel-general dos social-democratas em Königsberg, destruindo as instalações, espancando até a morte o deputado comunista do Reichstag, Walter Schütz.[12] Outras autoridades não-nazistas do partido foram atacadas pelo SA em Wuppertal, Colônia, Braunschweig, Chemnitz e em outros lugares da Alemanha, em uma série de atos violentos que continuaram a aumentar durante o verão de 1933; enquanto isso, o número de membros do SA cresceu para cerca de dois milhões de membros.[13]

Quando o recém-eleito Reichstag se reuniu pela primeira vez em 23 de março de 1933 - sem incluir os delegados comunistas porque seu partido havia sido banido em 6 de março - ele aprovou a Lei de Habilitação (Ermächtigungsgesetz). Essa lei deu ao governo — e, na prática, a Hitler — o direito de fazer leis sem o envolvimento do Reichstag. Os nazistas aumentaram seu controle sobre o Estado em toda a Alemanha graças à Lei de Habilitação.[14] Para todos os efeitos, toda a Constituição de Weimar foi anulada.[15] Logo depois, o governo baniu o Partido Social Democrata, conforme uma "avalanche" logo enterrou os outros partidos.[16] Em meados do verão, os outros partidos foram intimidados a se dissolver em vez de enfrentarem prisões e deportações para campos de concentração e todos os ministros não-nazistas do governo de coalizão foram obrigados a renunciar a seus cargos.[17]

 
Durante o debate sobre a Lei de Habilitação, o presidente social-democrata Otto Wels proferiu as últimas palavras livres no Reichstag: "A liberdade e a vida podem ser tiradas de nós, mas não nossa honra." A passagem subsequente da lei acabou com a democracia parlamentar.

A "Lei Provisória sobre a Coordenação dos Estados com o Reich" (31 de março de 1933), aprovada por meio da Lei de Habilitação; esta lei dissolveu as dietas de todos os estados da Alemanha, exceto o recém-eleito parlamento prussiano, que os nazistas já controlavam. A mesma lei ordenou que as dietas estaduais fossem reconstituídas com base nos votos da última eleição do Reichstag (exceto para assentos comunistas) e também deu aos governos estaduais os mesmos poderes que o governo do Reich possuía sob a Lei de Habilitação.[18] A "Segunda Lei sobre a Coordenação dos Estados com o Reich" (7 de abril de 1933) implantou um Reichsstatthalter (governador do Reich) em cada estado, além da Prússia. Esses oficiais, subordinados ao ministro do Interior Wilhelm Frick, deveriam atuar como procônsules locais em cada estado, com controle quase total sobre os governos estaduais.[19]

Outra medida da Gleichschaltung nazista foi a aprovação da "Lei para a restauração de um serviço público profissional", decretada em 7 de abril de 1933, que permitia a "coordenação" do serviço público - que na Alemanha incluía não apenas burocratas, mas também professores escolares e universitários, juízes, promotores e outros profissionais - tanto no nível federal quanto no estadual, e autorizou a remoção de judeus e comunistas de todos os cargos correspondentes.[20]

Em 14 de julho de 1933, os nazistas aprovaram a "Lei contra a fundação de novos partidos", que declarou o NSDAP como o único partido político legal do país.[21] Para todos os propósitos práticos, a Alemanha era um Estado de partido único desde a aprovação da Lei de Habilitação. A "Lei sobre a Reconstrução do Reich" (Gesetz über den Neuaufbau des Reichs) de 30 de janeiro de 1934 formalmente acabou com o conceito de uma república federal, oficialmente convertendo a Alemanha em um Estado unitário altamente centralizado.[22] Os estados foram reduzidos a meras províncias e seus parlamentos estaduais foram totalmente abolidos. Todos os seus poderes soberanos passaram para o governo central. Uma lei aprovada em 14 de fevereiro de 1934 aboliu formalmente o Reichsrat.[23]

Referências

  1. Strupp, Von Christoph (30 de janeiro de 2013). «How Diplomats Misjudged Hitler's Rise». Der Spiegel (em inglês). ISSN 2195-1349. Consultado em 11 de março de 2023 
  2. a b Hirschfeld, Gerhard (2014). The Policies of Genocide: Jews and Soviet Prisoners of War in Nazi Germany. Col: RLE Nazi Germany & Holocaust (em inglês). Londres: Taylor & Francis. p. 101, 164. ISBN 9781317625728. OCLC 891447522 
  3. Tyson, Joseph Howard (2010). The Surreal Reich (em inglês). Bloomington: iUniverse. ISBN 9781450240208. OCLC 797942301 
  4. Evans, Richard J. (2012). The Coming of the Third Reich: How the Nazis Destroyed Democracy and Seized Power in Germany (em inglês). Nova York: Penguin. ISBN 978-0-718-19680-6. OCLC 465083108 
  5. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 381-390. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  6. Garcia, Rafael (jan.–abr. de 2016). «Gleichschaltung: o princípio do totalitarismo em Ernst Cassirer». Curitiba. Rev. Filos. Aurora. Vol. 28 (Nº 43): pg. 295-312. Consultado em 11 de março de 2023 [ligação inativa] 
  7. Michael, Robert (2002). Nazi-Deutsch/Nazi-German: An English Lexicon of the Language of the Third Reich (em inglês). Karin Doerr. Westport, Connecticut: Greenwood Press. 504 páginas. ISBN 0-313-32106-X. OCLC 52723886 
  8. Michael, Robert (2002). Nazi-Deutsch/Nazi-German: An English Lexicon of the Language of the Third Reich (em inglês). Karin Doerr. Westport, Connecticut: Greenwood Press. p. 192. ISBN 0-313-32106-X. OCLC 52723886 
  9. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 332-333. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  10. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 339-340. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  11. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 340. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  12. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 340-341. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  13. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 341-342. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  14. Childers, Thomas (2017). The Third Reich: A History of Nazi Germany (em inglês) 1ª ed. Nova York, NY: Simon & Schuster. p. 254. ISBN 978-1-45165-113-3. OCLC 944380372 
  15. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 351-355. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  16. Childers, Thomas (2017). The Third Reich: A History of Nazi Germany (em inglês) 1ª ed. Nova York, NY: Simon & Schuste. p. 261-262. ISBN 978-1-45165-113-3. OCLC 944380372 
  17. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 355-361. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  18. Benz, Wolfgang (2006). A Concise History of the Third Reich (em inglês). Thomas Dunlap. Berkeley: University of California Press. p. 28-30. ISBN 978-0-52025-383-4. OCLC 61520300 
  19. Benz, Wolfgang (2006). A Concise History of the Third Reich (em inglês). Thomas Dunlap. Berkeley: University of California Press. p. 30. ISBN 978-0-52025-383-4. OCLC 61520300 
  20. Evans, Richard J. (2004). The Coming of the Third Reich (em inglês) 1ª ed. Nova York: Penguin Press. p. 382, 437. ISBN 0-14-303469-3. OCLC 53186626 
  21. Benz, Wolfgang (2006). A Concise History of the Third Reich (em inglês). Thomas Dunlap. Berkeley: University of California Press. p. 34. ISBN 978-0-52025-383-4. OCLC 61520300 
  22. Shirer, William L. (1990). The Rise and Fall of the Third Reich (em inglês). Nova York: MJF Books. p. 200-201. ISBN 978-1-56731-163-1. OCLC 40419964 
  23. Hildebrand, Klaus (1984). The Third Reich. P. S. Falla. Londres: Allen & Unwin. p. 7. ISBN 0-0494-3033-5. OCLC 10605134 

BibliografiaEditar

  • Karl Kroeschell, Deutsche Rechtsgeschichte 3 (seit 1650), 2nd ed. 1989, ISBN 3-531-22139-6
  • Karl Kroeschell, Rechtsgeschichte Deutschlands im 20. Jahrhundert, 1992, ISBN 3-8252-1681-0