Avicena

filósofo, matématico e medico persa

Abu Ali Huceine ibne Abedalá ibne Sina[2] (persa پورسينا Pur-e Sina - "filho de Sina"; Afexana, perto de Bucara, ca. 980Hamadã, Irã, 1037), conhecido como Ibn Sīnā ou por seu nome latinizado Avicena, foi um polímata persa[3][4][5][6] que escreveu tratados sobre vários assuntos, dos quais aproximadamente 240 chegaram aos nossos dias. Em particular, 150 destes tratados se concentram em filosofia e 40 em medicina.[7][8]

Avicena
Avicena
Nascimento ca. 980
perto de Bucara (hoje no Uzbequistão)
Morte 1037 (57 anos)
Hamadã, Pérsia (hoje no Irã/Irão)
Nacionalidade persa[1]
Ocupação Filósofo
Principais interesses medicina, alquimia, química, astronomia, ética, filosofia, geografia, matemática, psicologia, física, poesia, ciência, paleontologia
Ideias notáveis Pai da moderna medicina e o conceito de quantidade de movimento linear, fundador do Avicenismo e da lógica avicenista, precursor da pioneira psicanálise, da aromaterapia e neuropsiquiatria, e importante contribuidor para a geologia.

As suas obras mais famosas são o “Livro da Cura”, uma vasta enciclopédia filosófica e científica, e o “Cânone da Medicina”,[9] que era o texto padrão em muitas universidades medievais,[10] entre elas a Universidade de Montpellier e a Universidade Católica de Leuven, ainda em 1650.[11] Ela apresenta um sistema completo de medicina em acordo com os princípios de Galeno e Hipócrates.[12][13]

Suas demais obras incluem ainda escritos sobre filosofia, astronomia, alquimia, geografia, psicologia, teologia islâmica, lógica, matemática, física, além de poesia.[14] Ele é considerado o mais famoso e influente polímata da Era de Ouro Islâmica.[15]

Contexto editar

Avicena criou um extenso corpus literário durante a época geralmente conhecida como "Era de Ouro do Islão", na qual traduções de textos greco-romanos, persas e indianos foram extensivamente estudados. Textos greco-romanos (médio, neoplatônicos e aristotélicos da escola de Alquindi foram comentados, foram novamente editados e foram substancialmente desenvolvidos pelos intelectuais islâmicos, que também evoluíram a partir de sistemas matemáticos, astronômicos, de álgebra, trigonometria e medicina hindus e persas.[16] A dinastia Samânida, na parte oriental da Pérsia, chamada de Coração e na Ásia Central e também a dinastia Búyida na parte ocidental da Pérsia e do Iraque estimularam uma atmosfera propícia para o desenvolvimento cultural e acadêmico. Sob os Samânidas, Bucara rivalizava com Bagdá como a capital cultural do mundo islâmico.[17]

O estudo do Corão e do Hadith floresceu neste ambiente. A filosofia (Fiqh) e a teologia (calam) também se desenvolveram, principalmente pelas mãos de Avicena e seus adversários. Al-Razi e Al-Farabi providenciaram a metodologia e o conhecimento necessário sobre medicina e filosofia. Avicena teve acesso às grandes bibliotecas de Bactro, Corásmia, Gurgã, Rey, Ispaã e Hamadã. Vários textos (como o 'Ahd with Bahmanyar) mostram que ele debateu pontos filosóficos com os grandes acadêmicos de seu tempo. Aruzi Samarqandi descreve como Avicena, antes de deixar Corásmia, conhecera Abu Rayhan Biruni (um famoso cientista e astrônomo), Abu Nasr Iraqi (um renomado matemático), Abu Sahl Masihi (um respeitado filósofo) e Abu al-Khayr Khammar (um importante médico).

Biografia editar

A única fonte de informações para a primeira parte da vida de Avicena é a sua autobiografia, escrita por seu discípulo, Jūzjānī. Na falta de outras, é impossível ter certeza do quanto dela é verdadeiro. Já foi notado que ele usa sua autobiografia para avançar a sua teoria do conhecimento (de que é impossível para um indivíduo adquirir informações e compreender a ciência filosófica aristotélica sem ser um mestre) e já se questionou se a cronologia dos eventos descrita não está ajustada para se conformar de forma mais perfeita ao modelo aristotélico. Em outras palavras, se Avicena descreveu a si estudando na "ordem correta". Porém, dada a ausência de quaisquer outras evidências, o relato deve ser tomado pelo literalmente.[18]

Avicena teria nascido por volta de 980 d.C. perto de Bucara (atualmente no Uzbequistão, a capital dos Samânidas, uma dinastia persa na Ásia Central e no Grande Coração). Sua mãe, chamada Setareh, era também de Bucara,[19] enquanto que seu pai, Abedalá, seria um respeitado acadêmico Ismaili[20] de Balkh, uma importante cidade do Império Samânida, no que é hoje a Província de Balkh, no Afeganistão. Seu pai foi, na época do nascimento de seu filho, o zelador das propriedades do samânida Nuh ibn Mansur. Ele educou seu filho cuidadosamente em Bucara e diz-se que não havia mais nada que ele não tivesse aprendido já aos dezoito anos.

De acordo com a sua autobiografia, Avicena já tinha memorizado todo o Corão aos dez anos.[21] Ele aprendeu aritmética indiana de um verdureiro indiano e começou a aprender mais de um sábio errante que ganhava a vida curando os doentes e ensinando os jovens. Ele também estudou a Fiqh sob o acadêmico hanafi Ismail al-Zahid.[22]

Filosofia de Avicena editar

Ibn Sīnā escreveu extensivamente sobre a filosofia islâmica primitiva, especialmente nos temas de lógica, ética e metafísica. A maior parte de suas obras foram escritos em árabe, que era a linguagem científica ‘’de facto’’ na época no Oriente Médio, e algumas em persa.

Na Idade de ouro islâmica, por causa do sucesso de Avicena em reconciliar o neoplatonismo e o aristotelianismo juntamente com o calam, o “avicenismo” eventualmente se tornou a principal escola de filosofia islâmica já no século XII, com Avicena assumindo um papel de autoridade maior no assunto.[23]

O “avicenismo” também teve influência na Europa medieval, particularmente as suas doutrinas sobre a alma e a distinção entre existência-essência, principalmente por causa dos debates e tentativas de censura que elas provocaram na Europa escolástica. Essa situação foi particularmente visível em Paris, onde o “avicenismo” foi proscrito em 1210. Mesmo assim, a sua psicologia e a sua teoria do conhecimento influenciaram William de Auvergne e Alberto Magno, enquanto que a sua metafísica teve impacto no pensamento de Tomás de Aquino.[24]

Obras editar

 
A Tumba de Avicena, em Hamadã - Irã
 
Uma cópia latina de "O Cânone da Medicina", de 1484, atualmente preservada no P.I. Nixon Medical Historical Library da The University of Texas Health Science Center em San Antonio, EUA.
  • Al-Qanun - O Cânone da Medicina;
  • Kitab al-Shifa - O Livro da cura;
  • Al-Najat;
  • Al-Hidaya;
  • Al-Isharat wa'l-tanbihat - ‎O Livro de Diretrizes e Observações‎.

O Cânone da Medicina editar

A sua principal obra médica é o enciclopédico al-Qanun (ou "O Cânone da Medicina"), mais importante no seu tempo que a obra de Rasis ou de Galeno.[25]

O Cânone foi iniciado em Gurgã, depois em Ray e completado em Hamadã e é o maior trabalho desenvolvido por Avicena, com cerca de um milhão de palavras. Essa obra foi muito bem-recebida pela comunidade científica e compreendia 5 livros (I- Generalidades, II- Matéria médica, III- Doenças da cabeça aos pés, IV- Doenças não específicas de órgãos, V- Drogas compostas)

A parte farmacêutica encontra-se nos livros II e V, que invocam, respectivamente, medicamentos simples e medicamentos compostos. O livro II divide-se em duas partes, a primeira acerca das propriedades das drogas (qualidades, virtudes e modos de conservação) e a segunda consiste numa lista de fármacos e as suas virtudes terapêuticas, ordenados alfabeticamente. Ambos os livros contêm uma lista extensa de medicamentos simples, tratados sobre venenos, uma seção acerca da preparação e manipulação de medicamentos e ainda uma longa lista de receitas e fórmulas medicinais. Muito dessa informação é proveniente em Dioscórides e Galeno, mas Avicena introduziu e argumentou grandes novidades, com drogas utilizadas por árabes, persas, indianos e gregos.

Seu Cânone foi traduzido posteriormente, no século XIII, para o latim por Gerardo de Cremona e posteriormente impresso e reimpresso por toda a Europa. Depois de Avicena e até o século XVIII, todo o trabalho farmacêutico na matéria médica foi influenciado pelo seu trabalho. Foi o livro de estudo adotado nas universidades de Montpellier e Louvain até 1650. Ficou conhecido como o príncipe dos médicos, por seu Cânone.

A vasta informação fornecida pelo Al-Qanun, apelou a numerosos comentários e notas (até o século XIX). Além do Al-Qanun, Ibn Sina escreveu cerca de 40 trabalhos médicos, a maioria preservados na forma de manuscritos.

O Livro da cura editar

O Livro da Cura (em árabe: کتاب الشفاء; romaniz.: Kitab al-Shifaʾ; em latim: Sufficientia) é uma enciclopédia científica e filosófica escrita no século XI por Avicena, médico, físico, filósofo e cientista muçulmano da antiga Pérsia. Não se sabe com certeza a data da sua composição, mas acredita-se que terá sido escrito aproximadamente entre 1014 e 1020. Acredita-se também que foi escrito para servir como compêndio de todos os conhecimentos filosóficos do seu autor. Consta de quatro partes principais que tratam, em ordem e em amplo pormenor, de lógica, ciência natural, psicologia, geometria, astronomia, aritmética e música.

No século XIII apareceu uma tradução para o latim em Toledo, mas não seria senão até 1907 que apareceria outra versão em línguas europeias, esta vez em alemão. Partes do texto, notavelmente a Metafísica, foram traduzidas também para o francês, para o inglês e para o italiano.

O texto árabe, compilado a partir de vários manuscritos de origens diversas, foi editado por vários arabistas, entre os que se destaca principalmente George Anawati, e foi publicado em vários volumes em Cairo entre 1953 e 1983.

‎O Livro de Diretrizes e Observações‎ editar

I‎sharat descrito como um livro abrangente e maduro por ‎‎Avicenna‎‎. Este livro totalmente dividido em duas partes. A primeira parte é sobre a lógica que, por sua vez, dividida em dez subpartes. A segunda parte é sobre a filosofia, que por sua vez é separada em dez subpartas. O próprio ‎‎Avicenna‎‎ chama as subpartas da lógica como Nahj ou parte de estilo e filosofia como Namat. Inanti dividiu-o em quatro partes, ou seja, lógica, física, metafísica e sufismo. os títulos de Al Isharat são extraídos dos títulos da maioria dos capítulos de toda a obra. ‎

‎Título de livro‎‎ ‎ editar

‎A palavra de Isharat é sinônimo de sinais, observações, indicações e sugestões. Além disso, Tanbihat é sinônimo de palavras como advertências, avisos e cautela. De acordo com Inati, Isharat significa as próprias opiniões de Avicenna. Em outras palavras, quando Ibn Sina se refere a Isharah, ele mostra sua opinião. Quando ele se refere a Tanbihat, ele mostra os defeitos de outros filósofos em um assunto. Às vezes, Avicenna se refere a Isharah por palavras como A follow up, um comentário final e desejo . também se refere a Tanbiha por uma palavra como ilusão.

Referências

  1. Nasr, Seyyed Hossein (2007). «Avicenna». Encyclopædia Britannica Online. Consultado em 5 de novembro de 2007 
  2. (Goichon 1999)
  3. Paul Strathern (2005). A brief history of medicine: from Hippocrates to gene therapy. [S.l.]: Running Press. p. 58. ISBN 9780786715251 
  4. Brian Duignan (2010). Medieval Philosophy. [S.l.]: The Rosen Publishing Group. p. 89. ISBN 9781615302444 
  5. Michael Kort (2004). Central Asian republics. [S.l.]: Infobase Publishing. p. 24. ISBN 9780816050741 
  6. * Ibn Sina ("Avicenna") Encyclopedia of Islam. 2nd edition. Edited by P. Berman, Th. Bianquis, C.E. Bosworth, E. van Donzel and W.P. Henrichs. Brill 2009. Accessed through Brill online: www.encislam.brill.nl (2009) Quote: "He was born in 370/980 in Afshana, his mother's home, near Bukhara. His native language was Persian."
    • A.J. Arberry, "Avicenna on Theology", KAZI PUBN INC, 1995. excerpt: "Avicenna was the greatest of all Persian thinkers; as physician and metaphysician"[1]
    • Henry Corbin, "The Voyage and the messenger: Iran and Philosophy", North Atlantic Books, 1998. pg 74:"Whereas the name of Avicenna (Ibn sinda, died 1037) is generally listed as chronologically first among noteworthy Iranian philosophers, recent evidence has revealed previous existence of Ismaili philosophical systems with a structure no less complete than of Avicenna". [2]
  7. «Avicenna (Abu Ali Sina)». Sjsu.edu. Consultado em 19 de janeiro de 2010 
  8. John J. O’Connor, Edmund F. RobertsonAvicena. In: MacTutor History of Mathematics archive.
  9. Nasr, Seyyed Hossein (2007). «Avicenna». Encyclopædia Britannica Online. Consultado em 5 de novembro de 2007 
  10. «Avicenna 980-1037». Hcs.osu.edu. Consultado em 19 de janeiro de 2010 
  11. «Medicine: an exhibition of books relating to medicine and surgery from the collection formed by J.K. Lilly». Indiana.edu. Consultado em 19 de janeiro de 2010 
  12. Edwin Clarke, Charles Donald O'Malley (1996). The human brain and spinal cord: a historical study illustrated by writings from antiquity to the twentieth century. Norman Publishing. p.20. ISBN 0930405250
  13. Iris Bruijn (2009). "Ship's Surgeons of the Dutch East India Company: Commerce and the Progress of Medicine in the Eighteenth Century". Amsterdam University Press. p.26. ISBN 9087280513
  14. «Avicenna", in Encyclopaedia Iranica, Online Version 2006». Iranica.com. Consultado em 19 de janeiro de 2010 
  15. «Avicenna (Persian philosopher and scientist) - Britannica Online Encyclopedia». Britannica.com. Consultado em 7 de janeiro de 2012 
  16. «Major periods of Muslim education and learning». Encyclopædia Britannica Online. 2007. Consultado em 16 de dezembro de 2007 
  17. Afary, Janet (2007). «Iran». Encyclopædia Britannica Online. Consultado em 16 de dezembro de 2007 
  18. Encyclopaedia Iranica, Avicenna biography
  19. "Avicenna"Encyclopædia Britannica, Concise Online Version, 2006 ([3]); D. Gutas, "Avicenna", in Encyclopaedia Iranica, Online Version 2006, (LINK); Avicenna in (Encyclopedia of Islam: © 1999 Koninklijke Brill NV, Leiden, The Netherlands)
  20. Corbin, Henry. History of Islamic Philosophy, Translated by Liadain Sherrard, Philip Sherrard. [S.l.]: London; Kegan Paul International in association with Islamic Publications for The Institute of Ismaili Studies. pp. 167–175. ISBN 0710304161 
  21. «The Canon of Medicine (work by Avicenna)». Encyclopædia Britannica. 2008. Consultado em 11 de junho de 2008 
  22. Jorge J. E. Gracia and Timothy B. Noone (2003), A Companion to Philosophy in the Middle Ages, p. 196, Blackwell Publishing, ISBN 0631216731.
  23. Nahyan A. G. Fancy (2006), p. 80-81, "Pulmonary Transit and Bodily Resurrection: The Interaction of Medicine, Philosophy and Religion in the Works of Ibn al-Nafīs (d. 1288)", Electronic Theses and Dissertations, University of Notre Dame.[4]
  24. «The Internet Encyclopedia of Philosophy, Avicenna/Ibn Sina (CA. 980-1037)». Iep.utm.edu. 6 de janeiro de 2006. Consultado em 19 de janeiro de 2010 
  25. Ziauddin Sardar, Science in Islamic philosophy

Bibliografia editar

 
Outros projetos Wikimedia também contêm material sobre este tema:
  Citações no Wikiquote
  Imagens e media no Commons
  • Dias, José Pedro sousa, A Farmácia e a História - Uma introdução à história da Farmácia, da farmacologia e da Terapêutica, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, 2005.
  • Gillispie, Charles Carlston et al, Dictionary of Scientific Biography cSc - VI, American Council of Learned Societies, Nova Iorque, 1981.
  • Guerra, Francisco, Historia de la medicina, Madrid Ediciones Norma,S.A., Madrid, 1982.
  • Krumer e Urdang, History of Pharmacy, 4ª edição, J.B. Lippincott Company, Filadélfia, 1941.
  • Pita, Rui João, História da Farmácia, 2ª edição, Minerva, Coimbra, 2000.
  • Ammar, Sleim, ‎Ibn Sina Avicenne, la vie & l'oeuvre, L'Or du Temps, coll. "Quartz", 1992.

Ligações externas editar