Livro das Fortalezas

manuscrito iluminado

O Livro das Fortalezas é um manuscrito quinhentista de autoria de Duarte de Armas, executado em 1509-1510 por iniciativa do Rei D. Manuel I. A obra contém desenhos de, ao todo, 56 castelos fronteiriços do Reino de Portugal, bem como o castelo de Barcelos e o palácio de Sintra, que foram pessoalmente visitados pelo autor para o propósito.

O castelo e a vila de Ouguela. Duarte de Armas (a cavalo) e o seu criado chegam ao castelo, enquanto algumas mulheres da vila vão a uma fonte buscar água. Além do castelo vêem-se campos, e ao longe, Castela. In Livro das Fortalezas

Um livro verdadeiramente sui generis, com poucos paralelos a nível internacional, é uma valiosa fonte para o estudo da cartografia e antiga arquitetura militar de Portugal.

História editar

 
As "plantaformas" dos castelos de Mértola, Serpa, Moura, e Noudar

D. Manuel I (1495-1521) realizou vasta obra para centralizar e modernizar o governo de Portugal. Entre as mais importantes reformas, destacam-se as publicações das Ordenações Manuelinas, a elaboração da chamada Leitura Nova e a reforma dos forais que resultou em 596 novos forais em todo o reino. Noutro campo, o monarca decretou a execução do Livro do Armeiro-Mor, da Sala de Sintra e do Livro da Nobreza e Perfeiçam das Armas, para regulamentar o uso de armas heráldicas no reino e tornar manifesta a vontade do soberano como fonte da honra.

O Livro das Fortalezas insere-se nesta corrente centralizadora e reformadora. O monarca incumbiu Duarte de Armas, escudeiro da Casa Real, de vistoriar as fortificações lindeiras com Castela, desejando inteirar-se do estado de conservação das mesmas. Duarte de Armas, acompanhado de um criado a pé, percorreu a cavalo a maioria das povoações acasteladas da fronteira, elaborando esboços em papel (debuxos) com as suas panorâmicas (ao menos duas por povoação, tiradas de diferentes direções) e as plantas dos respetivos castelos, nelas indicando os trechos mais arruinados, onde obras se faziam mais necessárias.

A pesquisa contemporânea aponta o início da primavera de 1509 como a data de início da viagem de trabalho em Castro Marim, até à sua conclusão, sete meses mais tarde, em setembro, em Caminha. Foram visitadas nesse percurso 56 povoações/castelos. No regresso a Lisboa, foram visitadas ainda Barcelos e Sintra. Tendo coligido o material, o autor organizou um códice de dois volumes, concluídos em março de 1510.

Características editar

 
O castelo de Castelo Rodrigo, visto "da banda do nordeste", com Duarte da Armas e o criado a descer a colina
 
O castelo e vila de Castelo Rodrigo, vistos "da parte do sul"
 
Freixo de Espada à Cinta, com Duarte de Armas e o seu criado a caminho

Os dois volumes da obra de Duarte de Armas viriam a ser conhecidos como Livro das Fortalezas, uma vez que o autor não nomeou a sua obra, fazendo-a anteceder apenas por uma nota de próprio punho, que reza: Este livro he das fortalezas que sam setuadas no estremo de portugall e castella (...).

O códice contendo os dois volumes encontra-se atualmente depositado no Arquivo Nacional Torre do Tombo, em Lisboa (cota: Códices e documentos de proveniência desconhecida, n.º 159. Cota antiga: CF (casa-forte) 159). Os dois volumes, com 139 fólios no total, são atualmente denominados:

  • Códice B, constituído por folhas de papel de linho, apresentando 110 plantas (plantaforma), com as dimensões de 296 x 404mm, relativas a 55 povoações na raia. Todos os desenhos compreendem notas explicativas destinadas a suprir a carência de alguns detalhes nas ilustrações.
  • Códice A, constituído por grandes folhas de pergaminho com vistas panorâmicas (tirado naturall, comportando maior detalhamento), com as dimensões de 350 x 490mm. Neste códice estão compreendidas duas vilas não-fronteiriças – Barcelos e Sintra –, com uma e três vistas, respetivamente.

Os estudiosos destacam, no último códice em particular, diversos aspetos ilustrativos da vida quotidiana das povoações portuguesas à época que humanizam as imagens, tais como o homem e os jumentos em Castelo Branco; os pastores em Monsanto e Almeida; as mulheres que foram buscar água em Ouguela e Montalvão; ou ainda os enforcados em Serpa e Elvas – que, paradoxalmente, dão vida às imagens.

Para além destas figuras, o próprio Duarte de Armas e o seu criado podem ser vistos numerosas vezes ao longo da obra. Um a cavalo, o outro a pé, de chegada ou de partida, as duas figuras conferem aos desenhos grande dinamismo – veja-se, por exemplo, os casos de Olivença e de Freixo de Espada à Cinta. O autor desenhou ainda por vezes detalhes de grande beleza, como os pássaros em Penas Roias e Castro Laboreiro. Note-se também os ninhos e cegonhas nas torres de Nisa.

Um estudo detalhado da obra mostra no entanto que Duarte de Armas prestou atenção também a outros pormenores mais importantes. No rio Minho, por exemplo, podemos ver caravelas e grandes naus em Caminha, na foz do rio. Também em Vila Nova de Cerveira e em Valença se veem naus; mas em Monção, mais a montante, Duarte de Armas desenhou já apenas uma barca – indicando assim a navegabilidade do rio, e até que ponto o transporte de mercadorias seria feito por via fluvial. Do mesmo modo podemos analisar a tipologia e evolução dos diversos castelos, afinal o tema principal da obra. Para além dos comentários escritos, os próprios desenhos revelam o grande poder de observação do autor e a atenção ao essencial da sua missão: as fortalezas, isto é, as muralhas, torres albarrãs e de menagem, barbacãs, couraças, cubelos, ameias, etc.

A obra é considerada o mais vivo testemunho do debuxo, técnica de ilustração vigente à época de D. Manuel I. O autor indica, nas panorâmicas, os percursos entre cada povoação com as distâncias, principais acessos, estado dos caminhos, conformação do terreno, cursos de água e navegabilidade, pontes, fontes, poços, culturas e pomares, edifícios militares, religiosos e civis e outros, em alguns casos até mesmo da povoação castelhana vizinha. O mesmo se repete em relação às plantas, onde se indicam as dimensões, tipos e estado das defesas, altura e espessura dos muros, distância entre torres e cubelos, finalidade dos compartimentos, acessos e outros.

Com relação aos instrumentos utilizados pelo profissional, o trabalho ilustra o emprego da lança (que à época substituía a vara medieval), do cordel e da bússola.

Para cada castelo, Duarte de Armas traçou a planta e duas panorâmicas desde sítios diferentes de modo a complementarem-se. Esses desenhos são hoje documentos iconográficos imprescindíveis para os seus estudos e até para se conjeturar sobre como seriam os castelos no princípio do séc. XVI e mesmo à data das suas construções. Dos três desenhos, a planta do castelo é o mais importante por nos permitir estudar a composição do castelo e a sua estrutura, ou seja, a forma como se encontrava compartimentado, a ligação de uns compartimentos com outros e observar melhor o papel dos torreões na defesa.[1]

Lista de castelos conexos à obra editar

Exceto quando notado, o Livro das Fortalezas contém duas vistas e uma planta de todos os seguintes castelos e lugares raianos. A ordem dada é a que aparece na obra, que ilustra o percurso do autor durante a sua viagem de estudo em 1509.

 
Olivença, com Badajoz ao longe
 
Sabugal
 
Miranda do Douro
 
Bragança
 
Chaves
 
Montalegre

Todas as fortificações ilustradas na obra são representadas com a bandeira de Portugal arvorada na respetiva torre mais alta. Almeida, Miranda do Douro e Lapela são as únicas fortificações que, para além da Bandeira de Portugal, ostentam também bandeiras ou estandartes pessoais de D. Manuel I, com a esfera armilar e a cruz da Ordem de Cristo.

Galeria editar

Livro das Fortalezas, Torre do Tombo, Lisboa editar

Referências

  1. António Lopes Pires Nunes, Castelo Branco, uma Cidade Histórica, ed. Câmara Municipal de Castelo Branco, Almondina, 2002

Bibliografia editar

  • Livro das Fortalezas (Duarte de Armas, 1510). Fac-simile do Ms. da Casa Forte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. 2.ª edição. Edições Inapa, 1997
  • Livro das Fortalezas (Duarte de Armas, 1510). Fac-simile do Ms. 159 da Casa Forte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Introdução de Manuel da Silva Castelo Branco. Arquivo Nacional da Torre do Tombo/Edições Inapa, 1990

Ver também editar