Gianfrancesco Guarnieri

ator

Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi De Guarnieri (Milão, 6 de agosto de 1934São Paulo, 22 de julho de 2006[1]) foi um ator, diretor, dramaturgo e poeta italiano naturalizado brasileiro.[2] Um artista de destaque no Teatro de Arena de São Paulo, sua mais importante obra é Eles Não Usam Black-Tie.[2] Em 2006, foi homenageado na 18ª edição do Prêmio Shell de Teatro de São Paulo, por sua contribuição ao teatro brasileiro.[3]

Gianfrancesco Guarnieri
Gianfrancesco Guarnieri
Guarnieri em 2002
Nome completo Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi De Guarnieri
Nascimento 6 de agosto de 1934
Milão, Lombardia, Itália
Nacionalidade italiano
brasileiro
Morte 22 de julho de 2006 (71 anos)
São Paulo, SP
Ocupação
Atividade 1958–2006
Cônjuge Cecilia Thompson (c. 1958–65)
Vanya Sant'Anna (c. 1965–2006)
Filho(a)(s) Paulo Guarnieri
Flávio Guarnieri

Biografia editar

Nasceu em Milão, Itália, em 6 de agosto de 1934, filho de músicos antifascistas.[2] Seus pais, o maestro Edoardo Guarnieri e a harpista Elsa Martinenghi, decidiram mudar para o Brasil em 1936, se estabelecendo no Rio de Janeiro. No início dos anos 1950, a família se mudou para São Paulo. Líder estudantil desde a adolescência, Guarnieri começou a fazer teatro amador com Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha) e um grupo de estudantes de São Paulo. Em 1955, criaram o Teatro Paulista do Estudante, com orientação de Ruggero Jacobbi. No ano seguinte, o TPE uniu-se ao Teatro de Arena, fundado e dirigido por José Renato.[4]

Carreira editar

Teatro editar

 
Gianfrancesco Guarnieri (1973).

Sua peça de estreia como dramaturgo foi Eles Não Usam Black-Tie, encenada em 1958 pelo Teatro de Arena.[4] Com direção de José Renato, o elenco contou com grandes talentos que começavam a despontar no teatro brasileiro, como o próprio Guarnieri (no papel de Tião), com a estreia profissional de Lelia Abramo (Romana), Miriam Mehler (Maria), Flavio Migliaccio (Chiquinho), Eugênio Kusnet (Otávio), Francisco de Assis (Jesuíno), Henrique César (João), Celeste Lima (Teresinha), Riva Nimtz (Dalva) e Milton Gonçalves (Bráulio).

Programada para encerrar o trabalho do grupo, que vivia uma crise financeira, alcançou sucesso imenso, sendo um dos marcos da renovação do teatro brasileiro da época. A peça, o autor e o elenco foram premiados pelo então governador de São Paulo, Jânio Quadros, e o Arena foi salvo da crise financeira que há tempos assolava o grupo. Paralelamente, o diretor Roberto Santos dava o pontapé inicial no Cinema Novo com o filme O Grande Momento, protagonizado por Guarnieri e Miriam Pérsia.[4]

Atento a isso, o diretor Sandro Polloni encomendou uma peça a Guarnieri para ser encenada pela companhia de Maria Della Costa, esposa de Sandro e de cuja companhia teatral ele era o diretor. Guarnieri saiu do Arena por um tempo para poder realizar esse trabalho com Maria Della Costa. Em 1959 veio à luz Gimba, Presidente dos Valentes. Era o primeiro trabalho de Guarnieri em palco italiano e a direção ficou a cargo de Flávio Rangel. Levava à cena de maneira pioneira a realidade dos morros cariocas, em forma de musical, inspirando-se em parte na sua própria experiência de vida. A encenação foi espetacular e a peça passou os meses seguintes excursionando pela Europa, sendo apresentada no Festival das Nações, na França.

A Semente estreou em 1961, no TBC, também contando com a direção de Flávio Rangel.[4] A peça, de cunho abertamente político e inteiramente fora dos padrões do TBC, abordava de forma contundente a militância comunista, criticando tanto os métodos da direita quanto da esquerda. Embora contasse com atores consagrados, como Leonardo Villar, Cleyde Yáconis, Stênio Garcia e Natália Timberg, além do próprio Guarnieri, fosse uma montagem grandiosa e com o aval da crítica, a peça teve problemas homéricos com a censura, o que acabou esfriando o interesse dos frequentadores do então chamado Templo Burguês do Teatro Paulista, o que fez a peça sair rapidamente de cartaz. Nesse mesmo ano, ainda no TBC, Guarnieri participou de duas montagens de Flávio Rangel: Almas Mortas, de Gogol, e a primeira montagem de A Escada, de Jorge Andrade.

Em 1962, voltou para o Arena, não só como ator e autor, mas como sócio proprietário. José Renato se alternava entre vários trabalhos no Rio e em São Paulo, e o Teatro de Arena acabou se tornando uma sociedade entre Guarnieri, Augusto Boal, Paulo José, Juca de Oliveira e o cenógrafo Flávio Império. Juntos participaram de várias peças nessa nova fase, como A Mandrágora, de Maquiavel (1962) e O Melhor Juiz, o Rei, de Lope de La Vega (1963).

O Filho do Cão, de 1964, primeiro texto de Guarnieri desde A Semente, tratava da questão do misticismo religioso e da reforma agrária já em um turbulento contexto político.[4] A partir desse momento, sua carreira, como a de todos os intelectuais ideologicamente filiados à esquerda, passou por momentos difíceis. Opta então por utilizar uma linguagem metafórica e alegórica que tomaria corpo em montagens como os musicais Arena conta Zumbi, tendo como destaque a música "Upa Neguinho", com parceria de Edu Lobo, e Arena conta Tiradentes, feitos em parceria com Augusto Boal. Na década seguinte daria prosseguimento a esse estilo em peças como Castro Alves Pede Passagem (1971) e, principalmente, Um Grito Parado no Ar (1973), que encenava as dificuldades da classe artística naquele período, e Ponto de Partida (1976), onde utilizava uma vila da Idade Média como pano de fundo para focalizar a repressão a partir da morte do jornalista Vladimir Herzog, pontos capitais do teatro brasileiro nos anos 70.[1]

Na década de 80, sua carreira como autor de teatro se tornaria cada vez mais esparsa, lançando poucos textos. Em 1988, escreveu Pegando Fogo Lá Fora. Em 1995, viria A Canastra de Macário, que é o momento em que sua saúde lhe dá o primeiro susto, com um aneurisma na aorta. Em 1998, escreve com o filho Cláudio a peça Anjo na Contramão. Sua última peça foi A Luta Secreta de Maria da Encarnação, realizada em 2001.

Subiu num palco pela última vez no dia 15 de agosto de 2005, no mesmo Teatro Maria Della Costa onde 46 anos antes apresentou a peça Gimba. Fez o papel de Marcelo Belluomo na gravação da peça Você Tem Medo do Ridículo, Clark Gable?, de Analy Alvarez, com direção de Roberto Lage, para o programa Senta que lá vem comédia, da TV Cultura. O programa contou com a participação das atrizes Arlete Montenegro, Sônia Guedes, André Latorre, Neuza Velasco e o ator Luiz Serra, que foi ao ar no dia 24 de setembro do mesmo ano.

Escreveu em 1960, o libreto da ópera Um Homem Só, de Camargo Guarnieri. Foi parceiro musical de compositores como Adoniran Barbosa, Carlos Lyra, Edu Lobo, Toquinho e Sérgio Ricardo.[4]

Televisão editar

A partir do final dos anos 50, passou a conciliar sua bem-sucedida atividade no teatro com uma presença cada vez maior na televisão e no cinema. Virou, assim, um dos nossos melhores e mais populares atores. Em televisão, atuou em novelas como A Muralha (1968) e Mulheres de Areia (1973-74), ambas de Ivani Ribeiro, Éramos Seis (1977), Jogo da Vida (1981-82), Cambalacho (1986), Rainha da Sucata (1990) e A Próxima Vítima (1995), todas de Sílvio de Abreu, Sol de Verão (1982-83), de Manoel Carlos, Vereda Tropical (1984-85), de Carlos Lombardi, Mandala (1987-88), de Dias Gomes e Que Rei Sou Eu? (1989), de Cassiano Gabus Mendes, além de minisséries como Anos Rebeldes (1992), de Gilberto Braga e Incidente em Antares (1994), de Nelson Nadotti e Charles Peixoto, baseada no livro homônimo de Érico Veríssimo. O público mais jovem provavelmente o reconhece pelo papel do carinhoso e divertido avô Orlando Silva, da série juvenil Mundo da Lua (1991-92), escrita por Flávio de Souza.[2]

Cinema editar

No cinema, além de protagonizar O Grande Momento,[1] também participou de filmes como O Jogo da Vida (1976), de Maurice Capovilla, Gaijin – Os Caminhos da Liberdade (1980), de Tizuka Yamasaki, Eles Não Usam Black-Tie (1981), de Leon Hirszman (versão para sua peça em que desta vez interpretou o pai sindicalista), filme que ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza, A Próxima Vítima (1983), de João Batista de Andrade, Beijo 2348/72 (1990), de Walter Rogério e O Quatrilho (1995), de Fábio Barreto. Seu último filme foi Contos de Lygia, de 1998, no qual contracenou com Natália Thimberg sob direção de Del Rangel.[5]

Política editar

Foi Secretário da Cultura da cidade de São Paulo entre 1984 e 1986, durante o governo de Mário Covas. Nessa oportunidade procurou valorizar as ações comunitárias. Comunista declarado e ativo, ligado ao partido Comunista.[5]

Vida pessoal editar

Guarnieri casou-se pela primeira vez em 1958, com a jornalista Cecília Thompson, com quem teve dois filhos, Paulo e Flávio Guarnieri, ambos também atores.[6] Com sua companheira dos últimos 40 anos, a socióloga Vanya Sant´Anna, teve mais três filhos, Cláudio (Cacau) e Mariana, que também seguiram carreira teatral, e o mais novo, Fernando Guarnieri.[4]

Gianfrancesco Guarnieri gravava no Teatro Oficina a telenovela Belíssima, da Rede Globo, em que interpretava o personagem Pepe, no dia 2 de junho de 2006, quando sentiu-se mal, sendo internado no Hospital Sírio-Libanês, onde veio a falecer de insuficiência renal crônica, cinquenta dias depois, no dia 22 de julho. Foi enterrado no cemitério Jardim da Serra, na cidade de Mairiporã, onde morava.[4]

Filmografia editar

Televisão editar

Ano Título Personagem Emissora
1967 O Tempo e o Vento Padre Alonso Rede Excelsior
A Hora Marcada André Rede Tupi
1968 O Terceiro Pecado Alexandre Rede Excelsior
A Muralha Leonel Olinto
1969 Os Estranhos Bernardo
Dez Vidas Tomás Antônio Gonzaga
1970 O Meu Pé de Laranja Lima Ariovaldo Rede Tupi
1971 Nossa Filha Gabriela Giuliano
1972 Signo da Esperança Emílio
Camomila e Bem-Me-Quer Olegário
1973 Mulheres de Areia Tonho da Lua
1974 Os Inocentes Chico
1977 Éramos Seis Júlio Abílio de Lemos
1978 Roda de Fogo Vítor
1979 Cabocla Padre Genésio Rede Globo
1981 Rosa Baiana Agenor de Jesus Rede Bandeirantes
Jogo da Vida Manoel Vieira de Souza Rede Globo
1982 Sol de Verão Caetano Spina
1983 Sabor de Mel Pedrão Rede Bandeirantes
1984 Vereda Tropical Jamil Beirut / Genaro Rede Globo
1986 Cambalacho Jerônimo Machado (Jejê)
1987 Helena Walter Scott Rede Manchete
Mandala Túlio Silveira Rede Globo
1989 Que Rei Sou Eu? Rei Petrus II de Avillan
Cortina de Vidro Artur SBT
1990 Rainha da Sucata Irineu Saldanha (Saldanha) Rede Globo
1991–92 Mundo da Lua Orlando Silva TV Cultura
1992 Anos Rebeldes Dr. Salviano Rede Globo
Você Decide Magalha (ep: "Palavras de Amor")
1993 O Mapa da Mina Vicente Rocha
1994 Incidente em Antares Pudim de Cachaça
1995 A Próxima Vítima Eliseo Giardini
1996 Razão de Viver Alcides SBT
1997 Canoa do Bagre Juarez dos Anjos RecordTV
1998 Serras Azuis Dr. Gross Rede Bandeirantes
Meu Pé de Laranja Lima Manuel Valadares (Portuga)
1999 Terra Nostra Giulio Splendore Rede Globo
2000 Vidas Cruzadas Policarpo Quaresma RecordTV
2002 Esperança Pelegrini Rede Globo
2004 Metamorphoses Dr. Eugênio Alencastro RecordTV
2005 Belíssima Pepe Molina Rede Globo

Cinema editar

Ano Título Personagem
1998 Contos de Lygia e Morte
1995 O Quatrilho Padre Giobbe
1990 Beijo 2348/72 Fotógrafo
1983 A Próxima Vítima Guido Andreolli
1981 Eles Não Usam Black-Tie Otávio
1980 Asa Branca: Um Sonho Brasileiro Toninho
Gaijin – Os Caminhos da Liberdade Enrico
1976 O Jogo da Vida Perus
1958 O Grande Momento Zeca

Teatro editar

Ano Título
1958 Eles Não Usam Black-Tie
1959 Gimba
1960 A Semente
1964 O Filho do Cão
O Cimento
História de um Soldado
1965 Arena Conta Zumbi
1967 Arena Conta Tiradentes
A Criação do Mundo Segundo Ari Toledo
1968 Animália
1969 Marta Saré
1971 Castro Alves Pede Passagem
1972 Botequim
Basta!
1973 Um Grito Parado no Ar
1976 Ponto de Partida
1979 Que País É Esse, Que Zorra!
Crônica de um Cidadão sem Nenhuma Importância
1988 Pegando Fogo... Lá Fora
1994 Que Fazer Leonel?
1995 A Canastra de Macário
1998 Anjo na Contramão
2001 Luta Secreta de Maria da Encarnação

Prêmios e indicações editar

Ano Categoria Nomeações Resultado Ref.
Troféu APCA (ou APCT)
1957 Melhor Ator Revelação em Teatro Ratos e Homens Venceu [7]
1958 Melhor Autor Revelação Eles Não Usam Black-Tie Venceu [8]
1966 Melhor Ator em Teatro O Inspetor Geral Venceu [9]
1971 Melhor Autor Castro Alves Pede Passagem Venceu [10]
1976 Ponto de Partida Venceu [11]
1974 Melhor Ator de Televisão Mulheres de Areia Venceu [12]
1982 Melhor Ator em Filme Dramático Eles Não Usam Black-Tie Venceu [13]
Festival de Brasília
1965 Melhor Ator A Hora e a Vez de Augusto Matraga Venceu [13]
Festival de Gramado
1979 Melhor Ator Coadjuvante Diário da Província Venceu [13]
Prêmio Air France
1981 Melhor Ator/ Co-Roteirista Eles Não Usam Black-Tie Venceu
Prêmio Arlequim do Festival de Teatro Amador
1955 Melhor Ator Está Lá Fora um Inspetor, de Priestley Venceu [7]
Prêmio Governador do Estado
1958 Melhor Autor Revelação Eles Não Usam Black-Tie Venceu [7]
1966 Melhor Ator em Peça Teatral O Inspetor Geral Venceu [9]
1976 Melhor Autor Ponto de Partida Venceu [11]
Prêmio Mambembe
1976 Melhor Autor Ponto de Partida Venceu [11]
Prêmio Molière
1971 Melhor Autor Castro Alves Pede Passagem Venceu [10]
1976 Ponto de Partida Venceu [11]
Prêmio Saci
1962 Melhor Ator de Teatro A Mandrágora Venceu [14]

Referências

  1. a b c «Gianfrancesco Guarnieri morre aos 71 anos em São Paulo». UOL. Folha de S.Paulo. 22 de julho de 2006. Consultado em 22 de julho de 2013 
  2. a b c d «Gianfrancesco Guarnieri». UOL - Educação. Consultado em 22 de julho de 2013 
  3. Prêmio Shell anuncia vencedores em São Paulo ofuxico. (Abril, 2006).
  4. a b c d e f g h Morre o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri (Julho, 2006).
  5. a b O mútiplo Gianfrancesco Guarnieri Estadão. (Agosto, 2014).
  6. Morre o ator Flávio Guarnieri aos 56 anos Estadão. (Abril, 2016).
  7. a b c Educação: Gianfrancesco Guarnieri também será homenageado com nome em escola da Mooca
  8. ELES Não Usam Black-Tie. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Itaú. Acesso em: 17 de Dez. 2020
  9. a b O Inspetor Geral. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Site. Acesso em: 17 de Dez. 2020
  10. a b CASTRO Alves Pede Passagem. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Site. Acesso em: 17 de Dez. 2020
  11. a b c d PONTO de Partida. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Site. Acesso em: 17 de Dez. 2020
  12. Teledramaturgia - APCA
  13. a b c IMDb :: Awards
  14. A Mandrágora. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: Site. Acesso em: 17 de Dez. 2020

Ligações externas editar

 
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